Covid-19 pode deixar sequelas a longo prazo

por Inês Moreira Santos - RTP
Flavio Lo Scalzo - Reuters

Pulmões, coração, rins, fígado, cérebro: são apenas alguns dos órgãos que podem sofrer com as sequelas deixadas pelo novo coronavírus. Em plena crise pandémica, a prioridade é curar os infetados e proteger as populações do contágio, mas os investigadores já começam a detetar alguns danos deixados pela Covid-19 no organismo de doentes que recuperaram.

O número de infetados com Covid-19 em todo o mundo já é superior a 1,6 milhões de pessoas, mas destes mais de 335 mil já recuperaram e são considerados curados.

A questão que surge agora é se a Covid-19 deixa sequelas a quem esteve infetado.

À medida que vão recuperando, as pessoas que foram infetadas continuam a ser monitorizadas e os médicos têm detetado alguns efeitos prolongados da infeção.

A Covid-19 "não é apenas um distúrbio respiratório", disse Harlan Krumholtz ao Los Angeles Times, cardiologista da Universidade de Yale.

"Pode afetar o coração, o fígado, os rins, o cérebro, o sistema endócrino e o sistema sanguíneo", acrescentou.

Um estudo divulgado esta semana, baseado na análise a 34 pacientes infetados na China, revela que, embora os doentes tenham apresentado diferentes sintomas da Covid-19, algumas das suas funções biológicas "falharam" quando recuperaram.

As funções metabólicas destes doentes foram afetadas com a síndrome respiratória aguda grave e, mesmo depois de estarem curados da infeção, a maioria apresentava insuficiência hepática, sugere este estudo.

"A nossa investigação mostra muitas das alterações metabólicas e lipídicas, particularmente as associadas às funções hepáticas, alinhadas com o progresso e a gravidade da doença", esclarecem os investigadores.

Um outro estudo, divulgado em março na revista científica Liver International, também sugere que o fígado pode ser afetado pelo SARS-CoV-2. De acordo com a investigação, as funções hepáticas não são diretamente afetadas pelo novo coronavírus, mas pela medicação administrada ou receitada aos pacientes e que, em casos mais graves da Covid-19, os doentes podem mesmo entrar em insuficiência hepática.
Coração pode sofrer lesões

Estudos recentes de cardiologistas têm revelado que, mesmo em doentes sem doenças cardiovasculares, o novo coronavírus pode deixar lesões cardíacas.

Segundo uma investigação da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, o coronavírus pode afetar o coração, de forma fatal, e até deixar lesões graves em pessoas que antes do contágio não apresentam doenças cardíacas.

"É provável que, mesmo na ausência de doenças cardíacas anteriores, o músculo cardíaco possa ser afetado pela doença do coronavírus", disse Mohammad Madjid, principal autor do estudo, em comunicado.

"Em geral, as lesões no músculo cardíaco podem ocorrer em qualquer paciente com ou sem doenças cardiovasculares, mas o risco é maior naqueles que já as têm".

A Covid-19 "pode induzir novas patologias cardíacas e/ou agravar doenças cardiovasculares subjacentes", esclarece o estudo que revela que a taxa de mortalidade para pacientes com doenças cardiovasculares que contraem o novo coronavírus é de 10,5 por cento.

O relatório sugere ainda que pessoas com mais de 65 anos com a doença cardíaca coronária ou hipertensão estão mais sucetíveis à Covid-19.

Segundo os especialistas, as insufiências respiratóritórias e a falta de oxigenação pode, inclusive, deixar o coração em esforço, levando em casos mais graves à falência cardíaca.

Os autores do estudo explicam que investigações sobre epidemias anteriores de coronavírus sugerem que infecções virais podem causar síndromes coronárias agudas, arritmias e o desenvolvimento ou exacerbação de insuficiência cardíaca, por exemplo.

"É espectável que ocorram complicações cardiovasculares significativas associadas à Covid-19 em pacientes sintomáticos graves devido à alta resposta inflamatória associada à doença", explicou Madjid.
Como ficam os pulmões depois da infeção?

Nas infeções provocadas por outros coronavírus, como a que a SARS, cerca de um terço dos pacientes recuperados apresentavam comprometimento pulmonar após três anos. Já dos pacientes infetados pela MERS, um terço ficava com cicatrizes nos pulmões - a chamada fibrose pulmonar.

A verdade é que as consequências da Covid-19 para o sistema respiratório são as mais relatadas, até agora. Nos casos mais graves da infeção provocada pelo novo coronavírus, é relatado que o sistema imunológico, ao tentar combater o vírus, destrói algumas regiões dos pulmões.

Na recuperação, o organismo tenta reconstruir os pulmões, acabando por criar zonas de cicatrização, nas regiões lesadas. O problema é que estas cicatrizes, a fibroses, podem comprometer a capacidade respiratória dos pacientes a longo prazo.

Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de Hong Kong, revelou que alguns pacientes "podem ter uma perda de 20 a 30 por cento na função pulmonar" após a recuperação da Covid-19.

Mas o diretor do serviço de pneumologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) e professor na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, em conversa com o Observador, assegurou que nem todos os doentes de Covid-19 vão ficar com sequelas.

"Entre as pessoas que são internadas, a probabilidade de ficarem com lesões significativas e persistentes que perturbe o dia-a-dia é baixa", afirmou Joaão Cardoso em entrevista.

No entanto, "nas pessoas que estiverem ventiladas, a probabilidade de ficarem com essas lesões já é maior", sublinha.

Ainda pouco se sabe sobre os danos que a Covid-19 deixa no organismo de quem infeta, mas uma coisa é certa para os especialistas: os pacientes com distúrbios pré-existentes que no coração, fígado, sangue e pulmões correm um risco maior de adoecer devido à infeção do novo coronavírus.

De acordo com os investigadores, quando os pacientes de Covid-19 apresentam sintomas de infeção, a função de alguns órgãos é interrompida. E, quando um órgão começa a falhar, geralmente, outros falham também.

Mesmo sem saber o efeito exato do coronavírus em cada órgão, sabe-se que a falência de órgão pode causar danos e lesões no corpo todo.
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