Covid-19. UE com mais de 200 casos suspeitos de síndrome rara em crianças

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Benoit Tessier - Reuters

Esta sexta-feira, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) anunciou que existem cerca de 230 casos de crianças diagnosticadas com a síndrome inflamatória rara semelhante à doença de Kawasaki na União Europeia e no Reino Unido. Especialistas investigam uma possível relação entre esta síndrome e o vírus SARS-CoV-2, apesar de sublinharem que ainda se conhece muito pouco sobre esta reação observada em crianças.

De acordo com o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) “cerca de 230 casos suspeitos desta nova síndrome inflamatória pediátrica (PIMS-TS) associada à Covid-19 foram registados nos países da UE e da Área Económica Europeia (AEE), que inclui a Islândia, o Liechtenstein e a Noruega, e no Reino Unido em 2020".

Em meados de abril, vários países investigavam esta rara reação que começava a ser observada em crianças e levantava preocupações e dúvidas sobre a possibilidade de estar relacionada com a Covid-19. Na altura existiam ainda poucos casos, mas nas últimas semanas têm sido observadas cada vez mais crianças com esta síndrome.

França regista agora 125 casos de PIMS-TS, mais de metade do total registado pelo ECDC, e hoje, sexta feira, faleceu a primeira criança diagnosticada com esta síndrome no país. No Reino Unido há também registo de pelo menos uma morte e mais de 100 crianças infetadas. A doença rara tem sido detetada em crianças de outros países europeus como Itália, Espanha, Suíça e Bélgica. Em Portugal foi apenas reportado um caso semelhante e a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, já assegurou que a criança se encontra curada.

Fora da União Europeia, o Estado de Nova Iorque também reportou pelo menos 100 casos de crianças diagnosticadas com esta síndrome inflamatória rara, das quais três acabaram por falecer.

Segundo os relatórios médicos, as crianças expõem sintomas semelhantes aos da Síndrome do Choque Tóxico (SCT), doença rara causada por toxinas bacterianas, e aos da Doença de Kawasaki, também rara e que resulta da inflamação dos vasos sanguíneos. Os menores apresentam dificuldades respiratórias, febre alta, erupção cutânea nas costas, tórax e abdómen e inchaço nas mãos, pés e boca. Algumas destas crianças podem desenvolver complicações mais graves e necessitar de cuidados intensivos.

“Esta é uma situação verdadeiramente perturbadora e sei que os pais em todo o Estado e todo o país estão muito preocupados com isto, e devem estar”, disse o governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, durante uma conferência de imprensa na quarta-feira.

Como a própria Covid-19, a cidade de Nova Iorque parece ser o principal foco de infeção desta doença inflamatória rara em crianças nos Estados Unidos. As autoridades de saúde norte-americanas confirmaram 82 casos na quarta-feira e 52 no dia anterior. Mais da metade destes casos (57 por cento) envolvem crianças com idades compreendidas entre os cinco e 14 anos.
Relação com Covid-19 é "plausível"
Os médicos referem-se a estas reações raras como “um novo fenómeno” e procuram perceber se existe uma relação com a Covid-19.

Segundo o ECDC, os casos de PIMS-TS na Europa "estão a ser investigados", até porque, até ao momento "os estudos epidemiológicos mostram que as crianças parecem ser menos afetadas pela Covid-19". Perceber mais pormenores sobre esta doença inflamatória pode ajudar a explicar a razão por que algumas crianças ficam gravemente doentes com a Covid-19, enquanto a maioria não é afetada ou é assintomática. Estima-se que as crianças representem apenas um a dois por cento dos casos de infeção no mundo. A agência europeia salientou que, até à data, a associação entre esta inflamação multissistema e o SARS-CoV-2 ainda não foi estabelecida, apesar de vincar que "parece plausível" essa associação.

Liz Whittaker, professora de doenças infeciosas pediátricas do Imperial College em Londres, considera que o facto de a síndrome estar a ocorrer ao mesmo tempo de uma pandemia sugere que as duas estão relacionadas.

“Tivemos o pico da Covid-19 e três ou quatro semanas depois estamos a assistir a um pico deste novo fenómeno, o que nos faz pensar que é um fenómeno pós-infecioso”, explicou Whittaker à BBC.

Na generalidade dos casos, as crianças afetadas por esta síndrome já tinham previamente testado positivo para a Covid-19, apesar de agora estarem curadas. Os menores parecem desenvolver estes sintomas cerca de seis semanas após a infeção por Covid-19, o que poderia explicar o aparecimento desta síndrome semanas depois do pico da pandemia.

O governador de Nova Iorque confirmou na quarta-feira que 60 por cento das crianças que desenvolveram sintomas semelhantes à doença de Kawasaki neste Estado já tinham sido infetadas pela Covid-19.

Michael Levin, professor de pediatria e saúde infantil da Imperial College adianta ainda que apesar de a maioria das crianças ter testado agora negativo para a Covid-19, testou positivo para a deteção de anticorpos, o que leva os especialistas a considerarem a hipótese de esta síndrome rara ser causada por uma resposta imunitária ao vírus SARS-CoV-2.

“Pensamos realmente que a biologia da doença de alguma forma envolve uma rara resposta imunitária ao vírus”, disse Levin à BBC.

Apesar disso, o conhecimento sobre esta reação em crianças é ainda muito vago e Levin explica que “ainda existe muita coisa a aprender”. O ECDC sublinha também que o risco global da Covid-19 nas crianças na UE, na AEE e no Reino Unido é considerado baixo, com base na baixa probabilidade de infeção da Covid-19 e do moderado impacto da doença nas crianças.
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