Segunda-feira negra. O dia em que o coronavírus pôs o mercado petrolífero de quarentena

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Lucas Jackson, Reuters

Ninguém disse que a prescrição para travar a pandemia do novo coronavírus não tinha efeitos secundários. E eles aí estão também nos mercados: a segunda-feira foi uma jornada catastrófica para a negociação do petróleo, com os preços a atingirem níveis negativos pela primeira vez desde que há memória. Será um dia para os livros de história. A saturação de 'stocks' com a queda da procura causada pela pandemia da covid-19 levou os preços ao vermelho, com os produtores, sem capacidade para armazenar, a pagarem para garantir o escoamento. Um cenário que deverá manter-se no futuro mais próximo, mesmo que o ouro negro seja agora mais barato do que um copo de água.

O petróleo arrastou toda a atividade bolsista desta segunda-feira para um buraco negro que se abriu sob os pés dos mercados: “Preços de petróleo excecionalmente baixos são sinal de uma atividade económica fraca”, sublinhou Peter Cardillo, da Spartan Capital Securities. Entretanto, o preço do barril de petróleo norte-americano estava hoje a recuperar nos mercados asiáticos, ligeiramente acima de zero. O barril do West Texas Intermediate (WTI) para entrega em maio abria a 0,56 dólares, contra os menos 37,63 dólares no fecho de segunda-feira em Nova Iorque.

Mas o mal estava feito e para a história ficará uma segunda-feira negra, com a praça nova-iorquina a ceder ao efeito da implosão da cotação do barril de referência nos Estados Unidos, o West Texas Intermediate (WTI), para entrega em maio. A cotação terminou nos 37,63 dólares negativos.

Em termos práticos – e fruto de uma procura anémica na procura de petróleo em plena pandemia do novo coronavírus – estes números no vermelho indicam que os investidores que detinham os contratos estavam dispostos a pagar para se ver livres deles, face à impossibilidade de armazenagem e de compradores.

Sendo um mercado cartelizado, é aqui apontada uma descoordenação entre os países produtores (OPEP), em particular entre a Arábia Saudita e a Rússia, que estiveram a plenas pulmões até abril, mês em que abrandaram atividade, mas momento no qual os Estados Unidos tomavam eles o leme da exploração.

"Estamos em período de deflação", alertou Peter Cardillo, recordando outros indicadores preocupantes da economia norte-americana, como as galopantes inscrições para o subsídio de desemprego.
Buraco negro
Com os produtores incapazes de armazenar e a pagar 37 dólares para os clientes levarem os barris, o petróleo tornou-se de forma inédita um peso, um custo económico, ainda que por um dia. Há apenas dois meses, o barril trocava-se a 66 dólares, o que revela os efeitos deletérios que a pandemia produziu num curto período.

Existe no entanto uma explicação técnica que poderá servir de atenuante ao resvalar de preços: os contratos de futuros do WTI Texas para entrega em maio terminavam na noite desta segunda-feira e terá sido esse o fator imediato que levou muitos investidores a decidirem desfazer-se da sua posição, ainda que daí adviessem fortes perdas.

De qualquer forma, independentemente das razões, nunca antes o crude norte-americano havia tocado o negativo. A consultora da área da energia Rapidan Energy aponta ao ano de 1862, quando começaram a descobrir-se os primeiros poços nos Estados Unidos, para vislumbrar um terreno tão inclinado na indústria petrolífera. Mas então por razões diversas: o custo inicial de perfurar era imenso, face à inexistência de um mercado de consumo massivo.

Há entretanto outros números que assinalam estarmos em plena crise da indústria petrolífera, mormente a norte-americana: há um ano o país tinha um milhar de instalações a operar para serem agora pouco mais de metade. Acresce que, comparando os indicadores do último quadriénio, 2020 será o primeiro ano em que se verificará uma quebra na produção petrolífera do país, com as exportações a tocar mínimos que contrastam com o recente patamar de quatro milhões de barris diários.
Confinamento e definhamento

Por trás deste resvalar dos mercados petrolíferos encontramos inevitavelmente dois elementos fundamentais: o novo coronavírus e as medidas de confinamento desenhadas para o combater. Por mais baixo que esteja o preço dos combustíveis – e nos Estados Unidos a comparação é feita com uma garrafa de água, agora mais cara do que a gasolina –, simplesmente não há ninguém para se sentar atrás do volante. Os transportes coletivos têm uma procura limitada e com essa realidade os depósitos não exigem abastecimentos contínuos.

Cidades-fantasma por todo o globo, carros parados, frotas aéreas estacionadas nos aeroportos. Entretanto, acumula-se o crude nos reservatórios, sem escoamento à vista.

Um efeito de bola de neve que será, avisam os analistas, difícil de reverter. A consultora Douglas Westwood antevia que, mesmo numa perspetiva de recuperação da procura nos próximos meses, os preços de mercado deverão continuar em baixo, já que se mantém a necessidade de escoar o crude armazenado antes que as perfuradoras reiniciem a atividade de retirada de petróleo a níveis anteriores.

Os analistas apontam o ano de 2028 para que o barril volte a ultrapassar o valor de 50 dólares o barril: “As pessoas estão preocupadas porque vamos ver tanta acumulação que vai ser muito difícil de corrigir a situação a curto prazo e haverá muitos custos face às dificuldades de mercado. As pessoas estão a tentar livrar-se do petróleo e não há compradores”, argumenta Michael Lynch, presidente da Strategic Energy & Economic Research, consultora para a área das energias do petróleo e gás natural.
Trata-se de uma situação insustentável para a indústria, já que as petrolíferas necessitam do barril entre os 40 e os 50 dólares para poderem subsistir, caso contrário terão de render-se à insolvência. Realidade preocupante com potenciais efeitos em cadeia para a globalidade da economia mundial, uma vez que – de acordo com a agência de notação financeira Moody’s – 60% da enorme dívida das petrolíferas é de caráter especulativo.
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