Conselho de Ministros. Governo aprova Estatuto do Trabalhador da Cultura

por Inês Moreira Santos - RTP
Manuel de Almeida - Lusa

O estatuto dos profissionais da Cultura, reivindicado há décadas pelos trabalhadores do sector, foi esta quinta-feira aprovado numa reunião temática do Conselho de Ministros. Em cima da mesa, no encontro em Mafra, estiveram cerca de duas dezenas de diplomas relacionados com esta área, nomeadamente projetos de regulamentação como o da rede de teatros e cineteatros.

O anúncio foi feito pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, no final do Conselho de Ministros  "Foi aprovado o Estatuto dos profissionais do setor da Cultura", declarou.

"O estatuto hoje aprovado (…) é um estatuto completo", continuou a ministra, acrescentando que este "tem uma componente de regime profissional, uma componente de regime laboral e uma componente de regime contributivo".

Recordando que esta era uma "reivindicação antiga do sector", Graça Fonseca frisou que era também uma reivindicação "de todos, de todo o país, porque representa uma verdadeira política de Estado para a Cultura e para os seus profissionais"."Por isso, hoje é mesmo um dia histórico", declarou a titular da pasta da Cultura.

"Um Estatuto para os profissionais da Cultura é algo que nunca tinha acontecido", sublinhou, afirmando que a resolução agora aprovada será "capaz de trazer para o sistema de proteção social muitos milhares de profissionais do setor que continuam à margem e que precisamos mesmo de integrar".

"O tempo do Estatuto é agora. O nosso compromisso com a Cultura e os seus profissionais é agora. O tempo da verdadeira política de Estado para a Cultura é agora".

De acordo com Graça Fonseca, este Estatuto "pretende ser uma ferramenta legal, de grande utilidade para os profissionais da Cultura, numa área com especificidades muito próprias". No âmbito laboral, o grande objetivo é fazer com que a atividade descontinua, característica do setor, não seja sinónimo de trabalho precário.

Já no que se refere à parte contributiva, o estatuto vai permitir que muitos destes trabalhadores possam ser integrados no sistema de proteção social, tal como os profissionais de outros sectores.

Embora o considere um estatuto completo, Graça Fonseca admitiu que ainda "existe espaço para melhorias para introduzir alterações", no período de consulta pública.

"Tudo faremos para que o estatuto, na consulta pública, tenha a maior adesão possível", disse Graça Fonseca, escusando-se a adiantar qual a previsão de despesa associada, referindo que o estatuto entrará em vigor em 2022.

Sobre as especificidades do estatuto, a ministra referiu que os trabalhadores poderão ter acesso a um subsídio para a suspensão de atividade ao fim de três meses sem trabalhar e terá a duração de um período máximo de seis meses, podendo ser utilizado uma vez por ano.
Uma visão estratégica para a cultura constitui um elemento essencial para a democracia e para o futuro do país, na ótica do Ministério da Cultura. E é neste contexto que surge como imperativa a concretização de uma verdadeira política pública de cultura, que se apresente como estruturada e duradoura.

Desde o anúncio deste Conselho de Ministros, a 17 de março, António Costa acrescentou o sector ao Plano de Recuperação e Resiliência, com um total de 243 milhões de euros, destinando 150 milhões à valorização, conservação e restauro do património cultural e histórico, nacional e municipal, e 93 milhões de euros à transição digital.

"O Património Cultural, as Artes Performativas e Visuais, o Cinema e o Audiovisual, o Livro e a Língua Portuguesa representam uma visão integrada, positiva, construtiva e estrutural e uma visão de futuro para a cultura em Portugal", começou por afirmar, à saída da reunião, Graça Fonseca.

Assim, segundo anunciou a ministra, na área do Património foi aprovado, em resolução do Conselho de Ministros, um investimento de 150 milhões de euros, para a restauração e conservação de museus e património cultural.

"As prioridades de investimento incidem em intervenções no total de 46 museus e monumentos e três teatros nacionais, cujas requalificações constam da componente da cultura do Plano de Recuperação e Resiliência", afirmou.

Além disso, "o investimento em Património Cultural edificado constituirá uma prioridade do próximo Quadro Financeiro Plurianual".

Ainda na área do Património, Graça Fonseca anunciou também a criação da Associação Saber Fazer, que tem "como missão o desenvolvimento de atividades de interesse público, no âmbito da salvaguarda e do reconhecimento das Artes e Ofícios Tradicionais", assim como do "desenvolvimento sustentável da produção artesanal".

Foram também aprovados: o decreto-lei que altera o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural tendo em vista responder às necessidades de salvaguarda de bens culturais em situações de emergência. Este diploma prevê como fontes de receita do Fundo as provenientes de fundos europeus, designadamente no âmbito dos instrumentos financeiros Next Generation EU; e cinco decretos que classificam ou reclassificam como bens imóveis de interesse nacional os imóveis abaixo indicados, sendo-lhes atribuída a designação de "monumento nacional", considerando, designadamente, o interesse dos bens enquanto testemunhos notáveis de vivências ou factos históricos.
Incentivar "o mais amplo acesso às artes"
Na área das Artes Performativas e Visuais, foi aprovado um decreto-lei que "altera o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado", que "visa responder à necessidade de consolidação de forma sustentável das estruturas artísticas e da planificação das suas atividades", além da "dinamização e desenvolvimento de projetos artísticos".

No Conselho de Ministros dedicado à Cultura foi ainda aprovado, anunciou a ministra, o decreto-lei que regula o apoio à programação dos teatros e cineteatros, "que integram a rede de teatros e cineteatros portugueses, concretizando o programa deste Governo no que respeita à implementação de uma política cultural sustentada e de proximidade". O objetivo é descentralizar a nível territorial, de forma a incentivar "o mais amplo acesso às artes".

O Governo formalizou também a criação da Rede Portuguesa de Arte Contemporânea e o cargo de curador da Coleção de Arte Contemporânea do Estado, que contribui para a implementação da Estratégia Nacional de Arte Contemporânea, "assente na valorização da criação, produção e difusão artísticas e na criação de sinergias entre as diversas instituições públicas e privadas".

Para curador da Coleção de Arte Contemporânea do Estado foi anunciado, em fevereiro do ano passado, o antigo diretor do Museu do Chiado e ex-subdiretor-geral do Património Cultural David Santos, que tinha o seu início de funções no cargo previsto para março de 2020.

Como anunciou Graça Fonseca, também foi aprovado a resolução que visa reforçar as linhas orientadoras do Plano Nacional das Artes, alargando a sua área de intervenção ao Ensino Superior.
Obras de Arte em Obras Públicas

O Governo aprovou ainda o decreto-lei que define que um por cento do valor dos contratos para obras públicas, acima de cinco milhões de euros, deverá ser destinado à inclusão de obras de arte em obras públicas.

O decreto-lei estabelece um regime de inclusão, em obras públicas, de obras de arte para fruição pública, criando um instrumento de promoção de arte no território nacional através de roteiros de arte pública como fator de descentralização e democratização da cultura e de promoção da coesão territorial.

"Prevê-se que um por cento do preço base dos contratos de empreitadas de obras públicas, num valor igual ou superior a cinco milhões de euros, possa ser aplicado na inclusão de obras de arte em obras públicas", esclareceu a ministra.

Uma outra medida, na área do Cinema e do Audiovisual, foi a aprovação do decreto-lei que altera o Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema assegurando a extensão do programa de incentivo à produção cinematográfica e audiovisual até 2023.
Comemorações do Mérito Cultural
Em conferência de imprensa, Graça Fonseca apresentou ainda os restantes diplomas discutidos e aprovados em Conselho de Ministros, na área do Livro e da Língua Portuguesa.

Assim, como anunciou a ministra, aprovou-se uma resolução que determina a realização das comemorações do V centenário do nascimento de Luís de Camões - a decorrer entre 12 de março de 2024 e 10 de junho de 2025 - designando como Comissária a Professora Rita Marnoto da Universidade de Coimbra.

Foi também alterado o decreto-lei que alarga o período de novidade do livro para efeitos de venda ao público, criando-se, desta forma, um mecanismo de maior proteção dos agentes livreiros com vista a valorizar a atividade editorial e livreira em Portugal.

A resolução que estabelece as Comemorações do Mérito Cultural, apresentada por Graça Fonseca, foi também aprovada para reconhecimento de personalidades e instituições que se dedicam à valorização cultural dos cidadãos e das comunidades.
Estatuto pode sofrer "alterações e melhorias"
Em resposta aos jornalistas, após ser questionada pela RTP, a ministra Graça Fonseca garantiu que ao contrário das críticas este não foi um estatuto concebido e aprovado à pressa.

"Como é público e do conhecimento de todos, temos estado a reunir desde junho de 2020 com as várias associações do setor. Foi um trabalho que envolveu três ministérios, da Cultura, do Trabalho e Segurança Social e das Finanças. Foram realizadas mais de 80 reuniões ao longo deste tempo e foram muitas horas de trabalho em conjunto. Foram feitas reuniões bilaterais ao longo destes meses, reuniões de trabalho muito detalhado sobre as componentes do estatuto", começou por dizer.

"Este é mesmo o tempo de agir. Se concordamos todos que é necessário há demasiados anos aprovar o estatuto, temos mesmo de o fazer. Naturalmente a partir do momento em que é aprovado em Conselho de Ministros o Estatuto irá para consulta pública, uma consulta pública que será alargada, durante a qual naturalmente iremos certamente receber muitos contributos. E iremos prosseguir o trabalho conjunto que temos realizado desde junho de 2020 com as associações".

"Tudo faremos para que o estatuto, na consulta pública, tenha a maior adesão possível", acrescentou Graça Fonseca, escusando-se a adiantar qual a previsão de despesa associada, referindo que o estatuto entrará em vigor em 2022.

Segundo a ministra, "existe espaço para melhorias e para introduzir as alterações que se vierem a revelar necessárias ou adequadas no decurso da consulta pública". Mas Graça Fonseca consider ser "importante realçar que temos mesmo de agir" e que "este é o tempo de o fazer".

Graça Fonseca quis ainda assim defender o mecanismo previsto para o Estatuto do Profissional da Cultura definido pelo Governo.

"Por um lado, com este Estatuto criámos um subsídio próprio para o setor da cultura, um subsídio para a suspensão de atividade. Por outro lado criámos um mecanismo que torna bastante mais ágil, bastante mais automático, o pagamento de contribuições para a segurança social através da realização da retenção na fonte", começou por dizer. "Por outro lado também, e é muito importante, introduzimos como novidade a contribuição para o sistema de Segurança Social dos profissionais da cultura das entidades contratantes".

"Ao longo deste tempo construímos um modelo de regime contributivo para estes profissionais que atende às especificidades do setor, que é flexível para dar resposta às necessidades do setor e que é suficientemente bem delimitado para poder aplicar-se com autonomia e face às necessidades. Mas repito: naturalmente durante a consulta pública haverá sempre espaço para melhorias, é isso que temos feito e que continuaremos a fazer".

Sobre as especificidades do estatuto, a ministra referiu que os trabalhadores poderão ter acesso a um subsídio para a suspensão de atividade ao fim de três meses sem trabalhar e terá a duração de um período máximo de seis meses, podendo ser utilizado uma vez por ano.
Ministra garante correção de erros no acesso a apoio social
Questionada pelos jornalistas, a ministra da Cultura garantiu ainda que vão ser corrigidos os erros de informação na atribuição do apoio social extraordinário de 438,81 euros, criado em contexto de pandemia, e garantiu que os trabalhadores do setor serão pagos.

No final de um Conselho de Ministros dedicado à Cultura, reunido hoje no Palácio Nacional de Mafra, Graça Fonseca explicou que a tutela está a verificar e a avaliar todas as situações de pessoas que viram invalidado o acesso àquele apoio, por causa de informação incorreta nas bases de dados da Segurança Social e das Finanças. Em causa está a existência de pelo menos 800 pedidos do apoio social extraordinário, relativo a março, que foram considerados inválidos por conterem informações desatualizadas nas bases de dados da Segurança Social.

Segundo estes trabalhadores, estão a ser excluídos do apoio os profissionais integrados em órgãos estatutários de, por exemplo, associações culturais. Apesar de não serem cargos remunerados, "a informação que consta na Segurança Social invalida o estado de exclusividade enquanto trabalhador independente", referem.

O apoio social extraordinário em causa, no valor de 438,81 euros, correspondente a um Indexante dos Apoios Sociais (IAS), foi anunciado a 14 de janeiro como sendo "universal e atribuível a todos os trabalhadores" independentes, com atividade económica no setor cultural, fortemente abalado pela pandemia da covid-19. O apoio tinha inicialmente uma prestação única, mas no decorrer do processo o Governo alargou-o a três meses, com um calendário específico de candidaturas para março, abril e maio, e mudou os critérios da atribuição, com efeitos retroativos, para abranger casos que ficaram excluídos.

"Estamos a verificar e a avaliar todas as situações e as pessoas serão integradas e os apoios serão pagos. O apoio foi aprovado para ser pago. Não foi aprovado para ser um obstáculo. Todas as pessoas que estão nas circunstâncias definidas para receberem, receberão", sublinhou Graça Fonseca.
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