Banif, um "excelente negócio" para o Santander "à custa dos contribuintes"

por Ana Sanlez - RTP
António Varela entrou na administração do Banif como representante do Estado em janeiro de 2013, quando o banco foi alvo de uma injeção de capital público Manuel de Almeida - Lusa

António Varela afirmou na comissão parlamentar de inquérito ao caso Banif que o Santander Totta fez um “excelente negócio à custa dos contribuintes portugueses”. O ex-administrador do banco madeirense culpou ainda a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu pelo colapso da instituição.

Acabou já nas primeiras horas desta sexta-feira a audição de António Varela, antigo representante do Estado na administração do Banif. Durante as mais de seis horas em que foi questionado pelos deputados, o responsável não poupou críticas ao processo que culminou com a resolução do banco. O Santander Totta, a TVI, a anterior gestão do Banif e as instituições europeias foram os principais alvos do gestor.

António Varela responsabiliza a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu pela resolução do banco, que resultou em perdas para o Estado na ordem dos 2,2 mil milhões de euros e num peso de 1,4 por cento no défice do ano passado.

"Porque é que o processo Banif correu tão mal? Correu tão mal no fim porque as instâncias europeias - a Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia e o BCE - estiveram absolutamente empenhadas em não ter nenhuma responsabilidade no Banif a partir do final de 2015", declarou Varela perante os deputados da Comissão.

Uma atitude justificada com a mudança das regras que iria entrar em vigor a partir de 1 de janeiro de 2016 e que iria implicar que as resoluções de bancos europeus passassem a ser da responsabilidade do BCE e do Mecanismo Único de Supervisão, explicou o ex-administrador não executivo do banco.

"A partir de determinada altura, tínhamos a DG Comp a afirmar a imperatividade de o Banif ser resolvido até ao final de 2015, como aconteceu, e, por outro lado, a indisponibilidade do BCE a restringirem e dificultarem o processo de alienação do Banif, que tiveram como consequência as enormes perdas para os contribuintes", afirmou.
"Choque pesado"
À resolução seguiu-se o processo de venda da atividade bancária, que acabaria por ser garantida pelo Santander Totta em dezembro do ano passado por 150 milhões de euros.

António Varela revelou que foi contactado pela primeira vez pelos responsáveis do banco espanhol em julho. "O Santander teve um contacto comigo em julho de 2015, demonstrando um eventual interesse no Banif. Eu disse que o acionista é que era o dono da posição [do Estado]. E disse para irem falar com o acionista".

Além do Santander, também o Banco Popular demonstrou na mesma altura interesse em comprar a “parte boa” do Banif.

"Não tive reunião nenhuma com o Banco Popular. Tive um telefonema com o CEO do Popular uns meses antes do que aconteceu e ia na linha do Santander. Também dei conta disso à gestão do Banif", confessou.

O pior viria depois. António Varela não esconde o descontentamento com o desfecho do processo, no qual se sente também lesado.

"Tenho muita pena que o tenha feito à custa dos contribuintes portugueses, entre os quais me incluo", sublinhou o ex-gestor, referindo-se ao acordo alcançado entre o Santander e o Estado. Para António Varela a resolução do Banif foi "um choque pessoal e profissional muito pesado".
"Banco péssimo"
Varela entrou na administração do Banif em janeiro de 2013, quando o banco foi alvo de uma injeção de capital público, para assegurar condições de solvabilidade. Nessa altura, garante o ex-gestor, "o Banif como um todo não interessava a ninguém. Era um caso demasiado complicado".

"O que era o Banif em 2012? Era um banco muito mau. Era um banco péssimo. Tinha tido uma estratégia completamente errada. Nos últimos anos tinha feito investimentos completamente disparatados no Brasil, em Espanha e outras latitudes", completou.

Varela explicou que o banco fundado por Horácio Roque tinha uma "grande exposição a meia dúzia de clientes", uma "elevadíssima exposição ao imobiliário" e eram utilizados "critérios duvidosos para a concessão de crédito"

Por outro lado, destacou os “recursos humanos muito bons e boa clientela”, que permitiram, na visão do ex-administrador, “que o banco continuasse".
A notícia "criminosa"
Outro alvo das críticas do ex-administrador foi a TVI, que avançou em última hora na noite de 13 de dezembro, um domingo, que o “Banif poderá ser intervencionado esta semana”, notícia pela qual emitiu depois um pedido de desculpas, por ter sido acusada de precipitar uma corrida aos depósitos, que nessa semana ascendeu a quase mil milhões de euros.

António Varela considera que sem essa notícia poderia ter sido adotada outra solução para o Banif, como a criação de um banco de transição.

“Pode ter vindo do acaso ou ter sido maldosamente colocada e podemos ver vários tipos de interesse para que isso pudesse acontecer. E aí não posso especular", afirmou, destacando que a notícia foi “criminosa” e teve um impacto negativo nas propostas apresentadas.

"É de facto responsável pelo que aconteceu, não tenho dúvidas", reforçou.
Saída por razões "pessoais"
António Varela foi notícia recentemente por ter renunciado à administração do Banco de Portugal, onde estava desde setembro de 2014. O responsável garante que a decisão foi "muito pessoal", por não se identificar “suficientemente com a política e a gestão” do banco central.

"Fui para o BdP ser responsável pela supervisão, um mês depois do que aconteceu no BES. E fui tentando a fazê-lo, em nome do interesse público. Quando chegamos à conclusão que aquilo que estamos a dar, a contribuir, não está a ter resultado suficiente, tiramos a conclusão necessária", salientou.

A Comissão de Inquérito à resolução do Banif retoma os trabalhos na próxima terça-feira com a audição de Carlos Costa, governador do Banco de Portugal.
pub