Centeno afasta cenários de mudança interna com presidência do Eurogrupo

por Andreia Martins - RTP
Mário Centeno e Jeroen Dijsselbloem em conferência de imprensa após a votação que ditou a eleição do ministro português das Finanças Yves Herman - Reuters

O ministro das Finanças foi eleito esta segunda-feira como presidente do Eurogrupo e irá substituir Jeroen Dijsselbloem já a partir de 13 de janeiro. Centeno reconhece que ocupar este cargo é “uma honra”, mas sublinha que o trabalho de consenso cabe a todos os Estados-membros. Em relação à política interna, Centeno garante que o novo lugar de destaque nada muda na relação com os parceiros parlamentares.

"Sou presidente do Eurogrupo até 12 de janeiro e a 13 de janeiro Mário Centeno toma posse”. A gaffe de Dijsselbloem ao início do dia viria a confirmar-se horas depois. Pela primeira vez desde a criação do cargo, em 2005, o Eurogrupo elege um ministro das Finanças do sul da Europa - de um país saído há poucos anos de um resgate financeiro - para coordenar o fórum de 19 ministros das Finanças da zona euro.  

A votação decorreu esta segunda-feira em Bruxelas e ditou a vitória de Mário Centeno ao fim da segunda ronda. O ministro português, candidato oficial dos socialistas europeus,  apontado como favorito nesta votação, impôs-se perante a letã Dana Reizniece-Ozola, o eslovaco Peter Kazimir e, por fim, o luxemburguês Pierre Gramegna.  

Até ao momento, os números e pormenores da votação não foram revelados pelos responsáveis europeus.

Mário Centeno será o terceiro presidente do Eurogrupo desde que o cargo foi criado. Sucede ao holandês Jeroen Dijsselbloem, presidente nos últimos cinco anos, e ao luxemburguês Jean-Claude Juncker, atual líder da Comissão Europeia, e que esteve à frente do Eurogrupo entre 2005 e 2013.

O ministro português das Finanças assume funções a 13 de janeiro de 2018, com o mandato a prolongar-se por dois anos e meio, até meados de 2020 – para lá da atual legislatura em Portugal. 

Ao lado de Jeroen Dijsselbloem, que ainda preside ao Eurogrupo, e de Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos, Mário Centeno considerou “uma honra” assumir a presidência do grupo de ministros da zona euro. 

“Devido à relevância deste grupo, à qualidade dos meus colegas e à importância do trabalho que temos de fazer nos próximos anos”, referiu. 

Mário Centeno lembra, no entanto, que o trabalho de consensos e entendimentos “tem de ser feito por todos os membros”, até porque “gerar consensos é a única maneira de avançar”, reforçou.  

Horas depois, numa conferência para a imprensa portuguesa, o presidente eleito do Eurogrupo garantia que a eleição “não muda nada” no quadro da política nacional. 

“Nós temos um princípio de credibilização e de responsabilização das políticas económicas em Portugal, ela é feita com certeza no contexto económico e monetário em que Portugal se encontra, e isso era assim antes desta eleição, e vai ser assim após esta eleição", asseverou.

Mário Centeno referiu ainda que o “conjunto de compromissos na governação em Portugal não são de todo colocados em causa com esta eleição”. 

“Temos um conjunto de princípios que são do PS, que estão no programa de Governo e que em nada prejudicam a governação que está acordada com os nossos parceiros parlamentares, que, como é evidente, honramos e que vai continuar a ser também parte daquilo que é a política nesta legislatura", acrescentou ainda Mário Centeno.

Questionado pelos jornalistas sobre os avisos que Centeno, presidente do Eurogrupo, fará a Centeno, ministro português das Finanças, garantiu que irá assumir as responsabilidades e realçou que o seu papel será "coordenar reuniões" e não “enviar recados” a colegas.
Elogios de Costa, avisos de Marcelo, o exemplo de Juncker
Na primeira reação, já ao final da tarde, o primeiro-ministro António Costa considerou que esta eleição é sinal de “reconhecimento” da credibilidade internacional de Portugal. 

A partir de Marrocos, onde participa na Cimeira Luso-Marroquina, o chefe de Governo falava de um “momento importante para todos os portugueses”, que significa reconhecimento “numa área tão sensível por onde passámos com tantos e tantos sacrifícios". 

António Costa refere mesmo que o dia de hoje marca o virar de página “definitivo” e não teme passar a ter um ministro em regime “part-time”, lembrando que o presidente do Eugrupo é obrigatoriamente ministro das Finanças de um país da zona euro, pelo que os dois cargos são intrínsecos.

Em relação à eventual pressão acrescida sobre a política orçamental a ser seguida por Portugal, o primeiro-ministro assegura que as políticas se mantêm as mesmas, ou seja, as que estavam programadas antes da eleição desta tarde. 

Já o Presidente da República assume uma postura mais cautelosa, sem deixar de reconhecer que este é um momento de alegria para todos os portugueses. 

Marcelo Rebelo de Sousa considera ainda que este é um momento de influência de Portugal na Europa. "É belo a Europa ver Portugal com outra consideração, muito diferente daquela que tinha há dois anos, quando tinha dúvidas sobre este Governo e a sua política", referiu.  

Apesar dos elogios, as preocupações e os avisos. "O senão é uma responsabilidade. Agora que temos a presidência do Eurogrupo, somos ainda mais responsáveis do que éramos anteriormente. Não pode haver nem descuidos nem aventuras em matéria financeira em Portugal", acrescentou.

“Não nos esquecemos de contribuir para a Europa mas também não nos esquecemos cá em Portugal de uma política financeira firme, consequente, sem desvios nem aventuras. O ministro das Finanças chega a presidente do Eurogrupo por ser ministro das Finanças de Portugal", lembrou o chefe de Estado.

Jean-Claude Juncker, que foi o primeiro presidente do Eurogrupo e que chefiou o fórum entre 2005 e 2013, considerou noutras ocasiões que este é o “part-time” mais difícil das instituições europeias.  

Pela experiência do atual presidente da Comissão Europeia, a liderança do Eurogrupo consome três dias por semana em contactos permanentes com os Parlamentos nacionais, com o Parlamento Europeu, com os restantes 18 ministros das Finanças da zona euro e com tantas outras instituições e entidades.  

O correspondente da RTP lembra que o ex-presidente do Eurogrupo e ex-ministro luxemburguês das Finanças foi acusado de se ter desleixado nas obrigações que tinha no seu país.  
Os novos desafios de Centeno
Numa carta enviada a Centeno pouco depois de ser conhecido o resultado da votação, o atual presidente da Comissão Europeia ressalvava: “Pela minha experiência pessoal sei muito bem que esta é uma posição exigente e plena de desafios. Estou certo de que o Ministro Centeno possui todas as qualidades necessárias para assumir tão importante responsabilidade”. 



Em termos práticos, Mário Centeno passa a presidir a um ”grupo informal dos ministros das Finanças”, à luz do Tratado de Lisboa. O presidente poderá optar por assumir um papel de mero coordenador ou materializar a liderança com um papel mais ativo e reformista.

Olhado com desconfiança e suspeita pelas instituições europeias nos primeiros meses de Governo - pelo seu próprio antecessor, que em janeiro próximo lhe passará a pasta de presidente do Eurogrupo - o ministro português enfrenta agora os desafios que se impõem à moeda única depois de ter contribuído para o cumprimento de metas e regras impostas por Bruxelas a nível nacional.

A reforma da zona euro é uma das grandes prioridades, prevendo-se uma mudança estrutural com a criação de um Fundo Monetário Europeu. Há ainda a questão da união bancária, que é vista como essencial para um melhor funcionamento da zona euro.  

Um caminho trilhado no sentido de “garantir uma União Económica e Monetária mais coesa, mais eficiente, mais forte, mais democrática”, como pede o presidente da Comissão Europeia na missiva endereçada a Centeno esta tarde.  

No horizonte imediato estará, no entanto, a avaliação do programa de assistência à Grécia. A economia helénica será a primeira prova de fogo do ministro português, que tem sido crítico da forma como foi gerido o resgate financeiro e a intervenção da Troika junto de Atenas.  

Outro dos desafios que aguarda Centeno é melhorar a transparência do próprio órgão informal a que irá presidir. Nos últimos meses, o ministro português das Finanças tem reconhecido a necessidade de reformar o Eurogrupo. O grupo é amplamente criticado por conduzir os trabalhos à porta fechada e sem prestar esclarecimentos, com o próprio comissário europeu Pierre Moscovici a reconhecer que existe “um “défice democrático” nesta instituição.  

Ao mesmo tempo, o Eurogrupo foi o palco principal de algumas das mais importantes decisões da União Europeia em anos recentes, sobretudo durante a crise económica e financeira e durante a gestão dos resgates aplicados à Grécia, Irlanda e Portugal.
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