China e Estados Unidos ainda à beira da guerra comercial

por Carlos Santos Neves - RTP
O secretário do Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, à entrada para o encontro com o vice-primeiro-ministro chinês Liu He, em Pequim Andy Wong - Reuters

Acabou com palavras polidas, este domingo, a ronda de contactos que o secretário norte-americano do Comércio, Wilbur Ross, manteve em Pequim, a propósito das políticas protecionistas da Administração Trump. Mas os adjetivos reservados às conversações - ditas “amigáveis e francas” - foram insuficientes para tapar a tensão: a China não quer ouvir falar de tarifas acrescidas.

Nenhum entendimento poderá entrar em vigor se Donald Trump insistir em levar por diante um agravamento de tarifas sobre produtos chineses. Foi esta a mensagem essencial confiada a Wilbur Ross para posterior entrega ao Presidente dos Estados Unidos, ao cabo de dois dias de conversações na capital da segunda maior economia do mundo.“Se os Estados Unidos introduzirem sanções comerciais, incluindo um aumento de tarifas, nenhuma das conquistas negociadas entre as duas partes terá efeito”, resumiu Pequim numa declaração difundida pela agência Xinhua.


Ross esteve este domingo reunido com o vice-primeiro-ministro Liu He, tido como o cérebro da política económica do colosso asiático. O pano caiu sobre as negociações sem que tivesse sido produzida qualquer declaração conjunta. E nenhum dos interlocutores foi generoso em detalhes sobre o diálogo.

Depois de as duas potências terem acenado, em maio, com um “calar das armas” no conflito comercial, a Casa Branca de Trump recolocou sobre a mesa, na passada terça-feira, a ameaça de agravamento de tarifas aduaneiras sobre importações de produtos da China, num montante de 50 mil milhões de dólares anuais. O que levou o Governo chinês a repudiar os sucessivos avanços e recuos de Washington e a ameaçar retaliar com “medidas firmes”.

Na despedida da capital chinesa, o secretário do Comércio dos Estados Unidos classificou as discussões do fim de semana como “amigáveis e francas”. E Liu He congratulou-se, por sua vez, com o que descreveu como “progressos positivos e concretos” em domínios “como a energia e a agricultura”, que, temperou, “precisam de ser confirmados”.

Pequim disse-se mesmo “pronta a aumentar as suas importações” de produtos dos Estados Unidos. Todavia, não deixou de martelar a ideia de que o diálogo sino-americano “parte do princípio de que as partes não devem entregar-se a uma guerra comercial”.

É precisamente esse, contudo, o caminho que continua a ser trilhado pela atual Administração norte-americana. Em múltiplas frentes.
O que exige a América?

A Administração Trump pretende que o poder político chinês dê passos concretos para uma maior abertura do mercado do país, tendo em vista uma redução em 200 mil milhões de dólares do défice das trocas comerciais norte-americanas com a China – no ano passado este desequilíbrio da balança foi favorável aos chineses em 375 mil milhões de dólares.

Washington reivindica, em suma, de Pequim “mudanças estruturais”. Uma fórmula repetida no sábado, em solo canadiano, por outro responsável norte-americano, o secretário do Tesouro Steven Mnuchin.

À margem da reunião de ministros das Finanças do G7, no resort de esqui de Whistler, Mnuchin falou mesmo de “uma concorrência livre” na China, algo que acabaria por “atuar sobre o défice comercial”.

Na passada quarta-feira, o Governo chinês chegou a anunciar a intenção de reduzir direitos aduaneiros sobre diferentes produtos, entre os quais roupas, sapatos, cosméticos e eletrodomésticos, e afiançou ter vontade de tomar medidas para a proteção da propriedade intelectual. Ainda assim, o tom de confrontação de Trump persiste. Para com a China. Mas não só.

Enquanto os ministros das Finanças do G7 encarregavam Steven Mnuchin de fazer chegar ao Presidente dos Estados Unidos a “desilusão” causada pelas políticas protecionistas norte-americanas, Donald Trump vertia para a rede social Twitter nova litania contra o livre-comércio, estimando que a América, com um défice comercial global de aproximadamente 800 mil milhões de dólares, é “roubada por outros países há anos”.


Também o encontro ministerial do G7 terminou sem uma declaração conjunta, ouvindo-se, antes, críticas severas à decisão norte-americana de impor taxas sobre o aço e o alumínio da União Europeia, do Canadá e do México.

Em declarações citadas pela France Presse, Bruno Le Maire, o ministro francês das Finanças, referiu-se à reunião como um “G6+1”, com os Estados Unidos “sozinhos contra todos” e a alimentar “o risco de desestabilização económica do planeta”.
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