Defesa e comércio. Dois pratos a girar nas relações entre América e China

por Carlos Santos Neves - RTP
Vasos de guerra e caças chineses fotografados em abril deste ano durante manobras no Mar do Sul da China Reuters

O pêndulo das relações entre as duas maiores potências económicas do planeta não pára. Nas últimas horas, a Administração Trump e o Governo chinês mobilizaram recursos humanos em duas frentes. Enquanto permitem que a troca de palavras azede no domínio militar, a propósito do peso estratégico do Mar do Sul da China, Washington e Pequim procuram aliviar, à mesa de negociações formais, o atrito comercial.

“Irresponsável”. Pequim encara assim a forma como o secretário norte-americano da Defesa se referiu, este sábado, à política do colosso asiático para o Mar do Sul da China: uma declarada proliferação militar que James Mattis classificou de “intimidação” para com países vizinhos.China, Vietname, Filipinas, Taiwan e Malásia reclamam soberania sobre as ilhas Paracel e Spratly, no Mar do Sul da China. Pequim argumenta que esta soberania lhe pertence há séculos. Trata-se de uma região rica em recursos piscatórios e - acredita-se - em reservas de petróleo e gás.


A resposta coube ao tenente-general He Lei. Tal como Mattis, foi em Singapura, durante o Diálogo Xangri-Lá (reunião anual sobre segurança), que o graduado chinês quis deixar vincado que “não se pode aceitar quaisquer comentários irresponsáveis”. E que a China tem o direito de posicionar tropas e armamento “no seu próprio território”.

Ainda segundo He Lei, a máquina de guerra destacada para as ilhas do Mar do Sul da China – onde a engenharia de Pequim tem feito nascer, literalmente, território para a instalação de bases militares – enquadra-se numa política de “defesa nacional”.

“O objetivo é evitar que sejamos invadidos por outros. Enquanto for o nosso próprio território, podemos destacar o exército e armas”, insistiu o tenente-general, antes de recusar o que descreveu como “interferências nos assuntos internos” da China.

A preceder esta tomada de posição, o general James Mattis afirmara que Pequim havia destacado com sucesso material pesado, nomeadamente baterias de mísseis anti-vasos de guerra, mísseis terra-ar e sistemas de bloqueio eletrónico.

“Apesar das afirmações em sentido contrário da China, o posicionamento destes sistemas de armamento está diretamente ligado a utilizações militares com os objetivos de intimidação e coerção”, acusou o número um do Pentágono.

“A política no Mar do Sul da China contrasta claramente com a abertura que a nossa estratégia promove e levanta questões sobre os objetivos mais alargados da China”, carregou Mattis.



O secretário da Defesa dos Estados Unidos ainda contrapôs que Washington pretende “prosseguir uma relação construtiva e orientada para resultados com a China”, preservando a “cooperação sempre que possível”. Mas fê-lo depois de ter acusado o Presidente chinês de ter faltado à palavra, numa alusão à promessa deixada por Xi Jinping na Casa Branca em 2015, quando este descartou a militarização das ilhas disputadas.

Pelas águas do Mar do Sul da China, parcialmente reivindicadas por Filipinas, Vietname, Malásia, Brunei e Taiwan, passa cerca de um terço do comércio internacional.
Um americano em Pequim

Enquanto Mattis e Lei se digladiavam em Singapura, o secretário norte-americano do Comércio aterrava na capital chinesa para nova ronda de conversações com as autoridades locais. A finalidade: desapertar a válvula da tensão originada pelas políticas protecionistas do 45.º Presidente dos Estados Unidos.

De acordo com a televisão estatal chinesa CCTV, Wilbur Ross manteve alguns contactos “de pequena escala”, prevendo-se para domingo o início de negociações “formais”. À France Presse um responsável da Administração norte-americana indicou que o secretário do Comércio se avistou durante a manhã com o vice-primeiro-ministro chinês Liu He, próximo de Xi Jinping e tido como o arquiteto das políticas económicas da China.As políticas comerciais da China foram um dos principais cavalos de batalha de Donald Trump na campanha para a eleição presidencial de 2016.

Por ora, apesar de um certo recrudescimento da tensão bilateral em redor de práticas comerciais, o tom, neste capítulo, é ainda distante daquele que foi ouvido no Diálogo Xangri-Lá. O que não significa que as pastas em cima da mesa pesem menos.

Os norte-americanos reivindicam maior abertura do mercado chinês e uma redução anual em 200 mil milhões de dólares, ou 171 mil milhões de euros, do défice das trocas comerciais com a China, que no ano passado atingiu os 375 mil milhões de dólares. Uma pretensão ainda sem resposta oficial por parte do interlocutor asiático.

Depois de em maio China e Estados Unidos terem calado os tambores da guerra comercial, a Administração Trump voltou à carga com a ameaça de taxas de 25 por cento sobre produtos chineses. O que levou Pequim a ameaçar retaliar com “medidas firmes”.

Na véspera da chegada de Wilbur Ross a Pequim, Hua Chunying, porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, parecia ensaiar uma vez mais o tradicional tom contido da diplomacia.

“A nossa porta para negociações e consultas está muito aberta. Em matéria económica e comercial, as duas partes devem, durante as suas discussões, estar imbuídas de uma atitude sincera e de um espírito de igualdade e respeito mútuo, tendo em vista uma solução mutuamente aceitável”, prescreveu.
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