Famílias britânicas em risco de escolher entre "comer ou aquecer-se" este inverno

por Graça Andrade Ramos - RTP
A subida dos preços de energia arrisca deixar milhares de famílias britânicas perante a escolha entre "comer ou aquecer-se" Reuters

O regulador do fornecimento de energia do Reino Unido, Ofgem, anunciou esta quarta-feira que mais três empresas fornecedoras de energia vão encerrar. Cerca de 230 mil clientes da Enstroga, Igloo Energy e Symbio Energy, terão se ser transferidos para outras empresas com tarifas muito mais caras.

A Enstroga tem seis mil clientes, Igloo Energy 179 mil e Symbol Energy cerca de 48 mil. Com a falência destas três empresas, sobe a nove o número de fornecedores de energia a abandonar o negócio devido ao aumento recorde dos preços de energia. Mais de um milhão e meio de consumidores enfrenta a perspetiva de faturas mais pesadas e este número deverá aumentar nas próximas semanas.

As tarifas de energia no Reino Unido estão protegidas para a maioria dos clientes domésticos, o que significa que as empresas intermediárias mais pequenas, com menos margens para suportar a diferença entre a venda aos consumidores e o custo do retalho, não têm conseguido suportar os recentes aumentos registados no mercado internacional.

Os preços do gás no retalho subiram 250 por cento desde o início do ano e 70 por cento desde agosto no Reino Unido. Toda a Europa está a ser afetada. Perceba porquê aqui.

Igloo, o maior dos três fornecedores a deixar de operar, referiu que o preço nivelado tornou o negócio insustentável. “A base sobre a qual o limite é calculado pelo Ofgem está desenhada para favorecer os fornecedores de maior dimensão e todos os apelos para rever isto continuam a enfrentar resistência”, acusou a empresa numa notificação enviada aos seus clientes.

O limite tarifário é revisto duas vezes ao ano, através de uma fórmula que relaciona os custos de energia por atacado e taxas sociais e ambientais. Deverá aumentar 12 a 13 por cento a partir de sexta-feira, conforme um anúncio feito em agosto, mas os preços no mercado grossista têm subido muito acima do esperado desde então.
Aumentos em flecha
O Ofgem -  sigla para a agência governamental britânica dos Mercados de Gás e Eletricidade - garantiu que os consumidores serão protegidos e ser-lhes-á encontrado um novo fornecedor. Neil Lawrence, o diretor de retalho do regulador, disse que esta era a prioridade absoluta, perante um colapso inédito da indústria.

“O crédito que tiverem nas vossas contas com Enstroga, Igloo Energy ou Symbio Energy está protegido e não irão perder os montantes que vos são devidos”, informou Lawrence. “Sabemos que esta é uma altura preocupante para muitas pessoas e a notícia de que o vosso fornecedor de energia declarou falência pode ser inquietante”. As garantias da Ofgem podem não ser suficientes para aqueles que usufruíam de tarifas mais baixas com os seus fornecedores, abaixo dos limites fixados, já que poderão ver as suas faturas de energia aumentar precisamente no período de inverno.


Para 580 mil clientes da Avro Energy – a maior das fornecedoras a declarar falência - a fatura energética poderá aumentar de 870 libras para 1.267 libras com o novo fornecedor Octopus Energy.

E 360 mil consumidores até agora fornecidos pela Green Network verão as suas tarifas de energia aumentar de 976 libras para 1.277 libras com a EDF Energy.

Mesmo podendo mudar de fornecedores a qualquer momento, muitos clientes terão dificuldade em encontrar contratos mais favoráveis e o Governo britânico tem evitado socorrer as empresas em dificuldades apesar do receio de que poucas são suficientemente sólidas para absorver milhares de clientes.

Algumas estimativas apontam para que restem apenas 10 empresas fornecedoras em todo o país até final do ano, apesar do Governo não esperar tal cenário. O Ofgem admite apenas que várias outras firmas irão abrir falência em breve e que milhões de consumidores se verão forçados a mudar no meio do caos.

O gabinete de Boris Johnson admite que algumas pessoas se verão este inverno perante a escolha entre “comer ou aquecer-se” e negaram pedidos da indústria para acabar com os limites que protegem milhares das famílias mais pobres.
Regresso ao nuclear
Na origem da crise estará a tentativa do Reino Unido em fornecer-se de energia através das alternativas solar e de vento, menos fiáveis, ficando à mercê de fornecedores energéticos do mercado internacional. O problema está a relançar o debate em torno da segurança energética e do regresso às centrais nucleares.

O país irá perder daqui a um ano mais de um quinto da sua capacidade nuclear de geração energética quando for forçado a encerrar duas centrais devido à idade dos reatores.

As notícias dos aumentos coincidem com revelações de que as famílias deverão pagar milhares de milhões de libras para apoiar os clientes das empresas fornecedoras de energia falidas. Um estudo da Investec concluiu que o colapso de sete destas poderá custar 820 milhões de libras, uma cifra que só irá aumentar à medida que outras encerrarem ao longo do inverno.

As empresas podem assumir os clientes de rivais falidas beneficiando da recuperação de custos, incluindo a compra de eletricidade e de gás mais caros dos mercados retalhistas para abranger os novos consumidores.

Esta vantagem é financiada por um imposto da indústria pago nas faturas de todos os consumidores. Para já cada lar irá pagar 30 libras para socorrer os clientes das firmas que encerraram. Com a perspetiva de que muitas mais irão fechar portas levando ao agravamento deste imposto.
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