O partido de André Ventura assoma às eleições de 10 de março com o élan conferido por uma ascensão meteórica em apenas cinco anos de existência, que as sondagens indicam não ter ainda alcançado o apogeu. Nesta escalada, que replica um movimento observável de norte a sul na Europa atual, o patamar seguinte parece apontar para um de dois cenários estratégicos: a subida do Chega ao Governo ou uma investida sobre o PSD, para lhe reclamar a liderança da direita.

No princípio deste ano, durante o discurso de encerramento da convenção do Chega, André Ventura declarava-se "preparado para ser primeiro-ministro" e alçava o seu partido ao estatuto de única opção para a derrota do PS do "mentiroso" Pedro Nuno Santos, ignorando ostensivamente o Partido Social Democrata e o seu líder. 

Em fevereiro, depois de divulgada uma sondagem que colocava o seu partido num sólido terceiro lugar nas intenções de voto e favorecia a direita na relação de forças na Assembleia da República, após as eleições de março, Ventura temperou a euforia do mês anterior e iniciou uma nova fase de pré-campanha em pressão alta sobre o PSD.

Razões táticas informadas pela perspetiva de recolha de 16 a 19 por cento dos votos nas próximas legislativas (assim o sugerem os últimos estudos de opinião realizados) levaram o líder do Chega a carregar sobre Luís Montenegro no sentido de o forçar a abrir o jogo e a esclarecer se conta com o Chega num hipotético governo liderado pela AD ou se “saltará para os braços do PS” num provável cenário de maioria relativa.

Essa clarificação acabou por acontecer, com o presidente do PSD, no frente-a-frente televisivo com André Ventura, em 12 de fevereiro, a invocar “uma questão de princípio”- para rejeitar liminarmente qualquer hipótese de entendimento político com “alguém que tem políticas e opiniões muitas vezes xenófobas, racistas, populistas, excessivamente demagógicas”; e uma questão de “decência política”- fundamentada na opinião de que “a linguagem” de André Ventura “não se compadece com os princípios sociais-democratas”. Na resposta, o presidente do Chega evidenciou a “irresponsabilidade” de Montenegro e a “incapacidade” para aproveitar a oportunidade de acabar com anos de governação do PS, funcionando como “o idiota útil da esquerda.



Luís Montenegro prosseguiu num ataque cerrado ao programa eleitoral do Chega, que condensa quase 600 medidas, não quantificadas no seu impacto orçamental, mas que já haviam sido reduzidas pelo PSD a “banha da cobra” e “populismo puro” por terem custos impossíveis.Durante o frente-a-frente com Ventura, o líder social-democrata cifrou o peso das medidas eleitorais do Chega em mais de 25.500 milhões de euros e concluiu que tal significaria uma “bancarrota inevitável” para o país. Surpreendentemente, não surgiu contestação do outro lado da mesa.


Este debate serviu para demonstrar as diferenças, aparentemente inconciliáveis, entre os dois principais adversários políticos do Partido Socialista (um deles, o Chega, inimigo figadal), sendo que as sondagens dão como certa a ideia de que, com o PS ou com a AD ao leme, o próximo Governo será de maioria relativa, o que implica que a sua sobrevivência passe por algum tipo de entendimento parlamentar entre vencedores e vencidos. Com a declaração de incompatibilidade total de Montenegro relativamente ao Chega, não restam muitas hipóteses além de um eventual encontro tático entre PS e AD, que nos últimos dias tem começado a ser timidamente aflorado por ambas as partes. Uma possibilidade sonoramente criticada por André Ventura, mas também por ele explorada com o intuito de aumentar o pecúlio de votos no Chega a 10 de março, dispondo-se a acolher no seu seio todos os que deploram essa eventual reedição do Bloco Central.
Um partido “nacional, conservador, liberal e personalista”
Com o sugestivo título de “Programa Limpar Portugal”, o Chega apresenta-se às eleições pondo em cima da mesa um pacote de propostas de onde sobressaem desafio e contestação ao poder político estabelecido. Por exemplo, em promessas de auditorias financeiras às contas do Governo e dos partidos; de redução do número de deputados à Assembleia da República para “entre 100 e 180”; de emagrecimento do número de ministérios para 12; de abolição das isenções fiscais dos partidos e das pensões vitalícias associadas a cargos políticos, administrativos e judiciais.

Desafio, contestação… e muita, muita despesa: as 575 medidas enunciadas no seu manifesto eleitoral, marcadamente ideológicas, mas pouco ou nada explicadas do ponto de vista da viabilidade de concretização (em matéria orçamental, logo à cabeça), tentam cativar os titulares de rendimentos mais baixos, com promessa de aumento de salários; os reformados, com a garantia de pensões mais generosas; certas classes profissionais, como professores, médicos e forças de segurança, dando-lhes expectativas de melhor retribuição, estabilidade e futuro profissionais; o público mais jovem, onde reside uma grande fatia de abstencionistas, acenando com perspetivas de incremento das condições de vida e com um mercado de trabalho mais acessível e justo; os pequenos e médios empresários, acenando com um Estado menos taxador e regulamentador; e, de uma forma geral, o setor do eleitorado mais conservador, que constitui a sua grande base de apoio, preconizando o aumento de restrições ao acolhimento e permanência de imigrantes e afunilando o acesso à atribuição da nacionalidade portuguesa.
Sempre a crescer
Há apenas quatro anos e meio, em vésperas das legislativas de 2019, o recém-fundado Chega participava (tal como a IL e o Livre, aliás) nos debates televisivos pré-eleitorais incluído na ronda final com os partidos de votação residual.
 
A história é conhecida: slogans fraturantes, como a reivindicação de uma Justiça mais punitiva, em que já se incluíam a instauração da pena de prisão perpétua, a castração química de agressores sexuais de menores, a deportação de imigrantes ilegais ou daqueles que cometam crimes de resulte pena de prisão efetiva; a privatização dos sistemas públicos de Saúde e de Educação; a eliminação definitiva das subvenções vitalícias a ex-titulares de cargos políticos e dos subsídios a minorias étnicas como a comunidade cigana; o aumento do controlo das fronteiras e o robustecimento das Forças Armadas e das forças de segurança, entre outras medidas igualmente polémicas, levaram o Chega a obter 1,3 por cento dos votos, garantindo a eleição do seu primeiro deputado.

Com André Ventura, a direita radical entrava em São Bento pela primeira vez desde o 25 de Abril.

O Chega ascendia em Portugal e isso não passou despercebido a partidos como, em França, a União Nacional de Marine Le Pen; na Alemanha, a AfD de Tino Chrupalla; em Itália, a Liga Norte de Mateo Salvini; ou, em Espanha, o Vox de Santiago Abascal, que abriram os salões da extrema-direita europeia a André Ventura, vendo nele um líder com carisma bastante para ajudar a disseminar um ideário político marcado pelo discurso nacionalista, conservador, eurocético, contra a globalização e contra a imigração, especialmente a originária do mundo islâmico.
O culto do líder
Sempre sob batuta do ex-PSD, ex-vereador da Câmara Municipal de Loures e ex- comentador de futebol na CMTV, a popularidade do Chega aumentava, apesar de rotulado de partido de extrema-direita, populista, xenófobo, antieuropeísta e próximo de movimentos neofascistas.
 
Crises internas que redundaram em demissões de dirigentes e em acusações de autoritarismo da direção foram geridas de modo a não afetar a imagem mediática do Chega junto do seu eleitorado, uma imagem exclusiva e intencionalmente focada em André Ventura, ofuscando a restante cúpula do partido. Uma estratégia que em breve rendeu mais valiosos dividendos, creditados logo no terceiro lugar obtido nas presidenciais de 2021, em que o candidato André Ventura se autoproclamou investido por vontade divina na “difícil mas honrosa missão de transformar Portugal”, deixando claro que o seu grande objetivo não era Belém, mas São Bento. Não foi a primeira vez que o presidente do Chega recorreu a este expediente mais místico para tocar corações crentes. Ajudado ou não por poderes superiores operando longe da vista desarmada, o grande salto do Chega aconteceu nas legislativas antecipadas de 2022, com o, até então, partido de um deputado só a acumular votos suficientes para eleger 12, tornando-se na terceira força política da Assembleia da República, suplantando largamente BE e CDU e contribuindo decisivamente para o inédito desaparecimento do CDS das lides parlamentares pós-25 de Abril de 1974.

Nessa altura, muitos se lembraram da promessa feita por Ventura pouco antes do escrutínio de 2019: “Em quatro anos, se entrarmos na Assembleia da República, vamos engolir o CDS e em oito anos vamos engolir o PSD. Vamos ser o maior partido de Portugal”.
O devir
A próxima etapa desta suposta profecia - “engolir o PSD” - poderá ser demasiado ambiciosa, pelo menos no curto prazo. Até agora, a sondagem mais favorável ao Chega para as eleições de março atribuiu-lhe 19 por cento no início de fevereiro, o que, não chegando para cumprir o desígnio do líder, já representaria uma subida meteórica face aos 7,2 por cento de 2022.

Estudos de opinião mais recentes posicionam o Chega ligeiramente abaixo, na casa dos 16 por cento, refletindo os naturais movimentos tectónicos do eleitorado em reação aos debates televisivos - especialmente Montenegro/Ventura e Pedro Nuno Santos/Montenegro. Mas os dias decisivos da campanha eleitoral ainda estão pela frente, pelo que estes números vão continuar a oscilar.

Para 2024, o Chega apresenta-se como de início: um partido que diagnostica um sistema político “ultrapassado”, que afasta os cidadãos do processo democrático. Em alternativa, propõe uma visão do país e do mundo que a - até agora - grande maioria dos portugueses e europeus considera retrógrada e indesejável, mas que parece estar consistentemente a trilhar o seu caminho neste Velho Continente em início de século.