"É claro que nem todos são tratados por igual". Amnistia Internacional denuncia dualidade de critérios no tratamento dos refugiados

por RTP
EPA

Com mais de 12 milhões de ucranianos deslocados desde a invasão do país pela Rússia a 24 de fevereiro, cinco milhões dos quais cruzaram as fronteiras, os observadores da ONU identificaram um "padrão duplo" no tratamento dos refugiados. Os ucranianos foram em geral bem acolhidos, enquanto os migrantes de outras nações atingidas por conflitos são evitados por países ocidentais, chegando mesmo a morrer enquanto tentam chegar à Europa.

O maior conflito armado no solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial tem gerado um nível de solidariedade e de acolhimento diferente do de outras guerras.

“Enquanto os refugiados de outros conflitos são frequentemente rejeitados com violência nas fronteiras, os ucranianos têm recebido apoio muito amplo e sustentado de diferentes países e foram recebidos com solidariedade pelos países europeus”, nota Oksana Pokalchuk, diretora executiva da Amnistia Internacional na Ucrânia. 

Pokalchuk admite que a proximidade e identificação pelo facto de partilharem o mesmo continente pode estar na origem da maior solidariedade que se verifica nos países europeus.

Ainda no início da semana, morreram pelo menos 27 pessoas na passagem entre o enclave espanhol de Melilla e Marrocos. A Amnistia Internacional Portugal defendia então a necessidade de rotas "legais e seguras" e apelava às autoridades dos dois países para que não recorram ao uso excessivo da força nem a "expulsões sumárias". 

A Amnistia Internacional observava que o tratamento dado a estes migrantes "contrasta com o acolhimento" proporcionado em Espanha a mais de 124 mil migrantes ucranianos, defendendo não dever existir "uma dualidade de critérios" para pessoas que são "forçadas a sair do seu país, quer por repressões políticas, quer por temerem a sua segurança e a da sua família, quer por já não conseguirem ter uma vida digna no local onde se encontram".

Mas também na Ucrânia se vêem exemplos de discriminação de refugiados. “A nossa organização documentou alguns casos em que pessoas racializadas e não ucranianas sentiram que foram discriminadas pelas forças ucranianas enquanto tentavam deixar o país no início da guerra”, recordou Oksana Pokalchuk, em entrevista à Al Jazeera. Por outro lado, estrangeiros que não falavam ucraniano, contaram com o apoio de civis durante os primeiros dias da guerra.

A crise dos refugiados ucranianos poderá, na opinião de Oksana Pokalchuk, inspirar quem decide sobre as questões de migrações nos Governo europeus a alterar a forma de tratamento e apoio a outros refugiados de guerras de diferentes continentes.

Com cerca de sete milhões de pessoas deslocadas dentro da Ucrânia, a diretora executiva da Amnistia Internacional neste país nota as assimetrias na facilidade de realocação, com as regiões mais pobres a terem sido mais atingidas. A nível individual, os recursos financeiros e a falta de saúde constituem os maiores obstáculos à capacidade de mobilidade.

Crimes de guerra

Sobre o ataque ao Teatro Académico Regional de Donetsk, a 16 de março e no qual morreram 600 pessoas, que a Amnistia Internacional Ucrânia classifica de “um claro crime de guerra”, Oksana Pokalchuk refere que o processo de recolha de provas passou pela conversa com pessoas que estavam no local ou testemunharam a explosão e incluiu o recurso a imagens de satélite.

"Até consultámos físicos que criaram um modelo matemático da explosão, apenas para entender qual tipo específico de bomba foi usada para causar essa explosão”, acrescenta.

“Podemos dizer com confiança que, primeiro, foi um ataque aéreo. Em segundo lugar, foi cometido pelas forças armadas russas. E terceiro, foi claramente um crime de guerra por várias razões. O teatro era claramente um objeto civil e os russos estavam cientes de que não havia presença de militares ucranianos”, concluiu.

Apesar de reconhecer que a Amnistia Internacional Ucrânia também investiga alegados crimes de guerra ucranianos, Oksana Pokalchuk admite que a sua organização enfrenta dificuldades de acesso aos territórios. 

“Para os nossos investigadores, é muito importante poder estar no terreno e investigar com os nossos próprios olhos. Assim, logo que o território for liberado, estaremos lá e poderemos vir recolher informações, investigar e saber mais sobre as ações do lado ucraniano também”, garante.
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