À beira de uma guerra civil. O que se está a passar no Haiti?

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Ralph Tedy Erol - Reuters

Mergulhado numa grave crise política e de segurança há vários anos, o Haiti foi assolado por uma onda de violência no início do mês quando vários gangues uniram esforços para derrubar o primeiro-ministro Ariel Henry, atirando o país para a beira de uma guerra civil e de um desastre humanitário. O país está agora em suspenso enquanto se aguarda a formação de um governo de transição, depois de o primeiro-ministro ter apresentado a demissão.

O Haiti está atualmente sob estado de emergência depois de vários gangues terem lançado uma onda de violência, no início do mês.

Os gangues armados, que têm aumentado o seu poder nos últimos anos e controlam áreas inteiras do país, incluindo 80% da capital Porto Príncipe, uniram esforços para derrubar o governo do primeiro-ministro Ariel Henry, que assumiu o cargo pouco tempo antes do assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 2021. Desde então, Henry, de 74 anos, tem liderado o país de forma oficialmente interina.

Aproveitando a ausência do primeiro-ministro no início do mês, que estava numa viagem ao Quénia, os gangues lançaram o caos, atacando várias infraestruturas, incluindo esquadras de polícia e escritórios governamentais.

Duas das maiores prisões do Haiti foram atacadas
, provocando a fuga de cerca de 3.600 reclusos, muitos deles líderes de bandos
.

A fuga levou a uma nova escalada de violência no país, que já provocou mais de 17 mil deslocados, e obrigou à imposição do estado de emergência na zona da capital.

Desde então, várias pessoas têm sido mortas e todos os dias são encontrados corpos nas ruas. Esta terça-feira, cerca de 15 corpos sem vida foram encontrados num subúrbio rico de Porto Príncipe, onde elementos de gangues realizaram vários ataques desde a madrugada.

Sem conseguir regressar ao país e sob pressão interna e externa, Ariel Henry anunciou, a semana passada, que renunciaria ao cargo assim que fosse estabelecido um conselho presidencial de transição e fosse escolhido um sucessor.

Numa reunião de emergência realizada no mesmo dia do anúncio da renúncia, com representantes do Haiti, da ONU e dos Estados Unidos, entre outros, a Comunidade das Caraíbas (Caricom) e os seus parceiros encarregaram os partidos políticos haitianos e o setor privado do país de criarem as autoridades de transição.

Mas as negociações para formar este órgão de sete membros votantes atrasaram-se, especialmente devido a divergências internas.
Renúncia de Henry “não importa”
O anúncio da renúncia de Ariel Henry pouco fez, no entanto, para acalmar os líderes dos gangues, que também contestam a intervenção externa nos assuntos do Haiti e defendem a independência e a soberania nacional.

O líder de uma das maiores coligações de gangues, Jimmy Cherizier, também conhecido por “Barbecue”, disse que a renúncia de Ariel Henry “não importa”.

"Vi os países da Caricom a decidirem pelo povo haitiano. Continuaremos a luta pela libertação do Haiti", disse.

Os gangues opõem-se ao envio de uma missão multinacional para o Haiti, liderada pelo Quénia, para ajudar a polícia nacional a responder à violência e agitação generalizadas. O envio desta missão foi aprovado em outubro pelo Conselho de Segurança da ONU, mas o seu envio continua pendente.

À medida que a insegurança aumentou, a presença internacional no Haiti diminuiu. As Nações Unidas e as embaixadas dos EUA e do Canadá retiraram funcionários este mês.

No fim de semana, a República Dominicana – que partilha a ilha de Hispaniola com o Haiti – retirou dezenas dos seus cidadãos de helicóptero, enquanto a agência estatal de notícias PNA das Filipinas disse que iria repatriar pelo menos 63 dos 115 cidadãos.

O Haiti, um dos países mais pobres do mundo, enfrenta agora uma escassez cada vez maior de alimentos. O Programa Alimentar Mundial da ONU alertou esta semana que o Haiti “está à beira de uma crise de fome devastadora”.

"A população haitiana foi apanhada no meio do fogo cruzado", disse a chefe da UNICEF Catherine Russel, advertindo que "os espaços para as crianças foram transformados em campos de batalha".
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