Abstenção com aumento contínuo e números recordes são registados a leste

por Lusa

Lisboa, 27 abr 2019 (Lusa) -- De votação em votação, as eleições europeias têm vindo a mobilizar cada vez menos eleitores ao longo de quase quatro décadas de escrutínios, com a abstenção a ser particularmente elevada, como foi o caso em 2014, no leste europeu.

Em média, na União Europeia (UE), mais de um eleitor em cada dois tem-se distanciado das urnas quando é chamado para escolher os representantes do respetivo país no Parlamento Europeu, segundo dados fornecidos pelas agências internacionais e pelos serviços europeus, que apontam igualmente que a progressão da abstenção também tem afetado alguns dos países fundadores do bloco comunitário (França, Holanda, Itália e Alemanha).

Nas últimas eleições europeias, realizadas em maio de 2014, a taxa de abstenção final europeia situou-se nos 57,39% e a taxa de participação nos 42,61%.

As eleições europeias de 2019 vão ter lugar de 23 a 26 de maio.

Cinco aspetos a ter em conta sobre a abstenção nas eleições europeias:

- Um aumento contínuo:

Em junho de 1979, os nove Estados-membros que integravam a então Comunidade Económica Europeia (Alemanha Ocidental, Bélgica, Dinamarca, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda e Reino Unido) participaram no primeiro escrutínio europeu e elegeram, por sufrágio universal, os respetivos eurodeputados. Na altura, 30,08% dos eleitores não votou.

Desde então, a taxa de abstenção tem vindo a aumentar após cada eleição. Nas eleições mais recentes, em 2009 e em 2014, a taxa de abstenção registada foi 57% e 57,39%, respectivamente.

Em mais de 30 anos, o aumento da abstenção foi na ordem dos 27 pontos percentuais.

Paradoxalmente, a abstenção aumentou ao mesmo tempo que o Parlamento Europeu viu os seus poderes a serem amplificados.

O hemiciclo, cujas prerrogativas eram muito limitadas em 1979, é agora, em várias temáticas, um colegislador em pé de igualdade com o Conselho Europeu.

- A ideia de uma Europa distante:

Em quase todos os Estados-membros, a taxa de abstenção é maior nas eleições europeias do que nas eleições legislativas.

"A diferença é, em média, de 25 pontos percentuais e é observada tanto na parte ocidental como na parte leste", referiu, em declarações à agência noticiosa francesa France Presse (AFP), Olivier Rozenberg, professor no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po).

Trata-se de um "fenómeno normal para uma eleição que se desenrola a nível `federal`, ou seja, menos próxima dos cidadãos do que os níveis nacional e local", segundo uma análise do Instituto Jacques Delors (centro de informação e de reflexão fundado pelo ex-presidente da Comissão Europeia), publicada em 2014.

Em 2018, apenas 48% dos europeus sentia que a sua voz "contava na UE", contra os 62% que respondeu positivamente quando questionados em relação ao seu próprio país, de acordo com o último Eurobarómetro do Parlamento Europeu (publicado em outubro passado).

O mesmo estudo de opinião revelou, porém, que, em média, 60% dos cidadãos acredita que pertencer à UE é positivo, tendo mais de dois terços afirmado que o seu país beneficiou com a adesão. Tratou-se do resultado mais elevado desde 1983.

Divulgado a menos de um ano da realização das europeias, cerca de um terço dos inquiridos do Eurobarómetro indicou então que conhecia a data do escrutínio e 50% demonstrou interesse nas mesmas.

- O voto obrigatório:

Em 1979, o voto era obrigatório em três dos nove países da Comunidade Económica Europeia (CEE) - Itália, Bélgica e Luxemburgo - que representavam um pouco mais de um quarto (26%) dos eleitores europeus.

Esta proporção caiu para cerca de 5% desde o abandono do voto obrigatório pela Itália na década de 1990, o que poderá ter tido "provavelmente um papel importante no declínio da taxa de participação global" dos europeus, segundo analisou o Instituto Jacques Delors em 2014.

A taxa de participação nas eleições europeias de 2014 foi de 42,54% (cinco anos antes, em 2009, tinha sido de 43%).

O voto obrigatório nem sempre garante uma participação forte e muitos são os eleitores que não hesitam em infringir a lei.

Embora a abstenção seja ainda baixa na Bélgica e no Luxemburgo (entre 10% e 15%), outros países com voto obrigatório registaram nas europeias de 2014 níveis considerados altos como foi o caso da Grécia (40%) e do Chipre (56%).

Em maio, cinco dos 28 países que vão às urnas têm voto obrigatório: Bélgica, Grécia, Bulgária, Chipre e Luxemburgo.

- Os números recordes na Europa de leste:

Nas eleições europeias de 2014, a Eslováquia estabeleceu um recorde de abstenção: 87%.

A par do caso eslovaco, figuram, entre os 12 países com a maior taxa de abstenção, 10 países do antigo bloco de leste.

Anteriormente sob o domínio comunista, estes países, encarados como jovens democracias, aderiram à UE durante os alargamentos de 2004, 2007 e de 2013.

O ato de votar é "um pouco menos santificado" do que em outros países europeus, segundo a reflexão de Olivier Rozenberg, do Instituto de Estudos Políticos de Paris.

"Para nós, o voto é sinónimo de democracia, enquanto esse vínculo é menos óbvio nos países de leste onde subsiste a memória de votações não pluralistas" da era comunista.

O professor da Sciences Po lembra ainda que nestes países verifica-se uma forte instabilidade do sistema partidário, com partidos a mudarem de nome, alianças, entre outros aspetos.

"Isso não favorece a identificação partidária e, portanto, o voto", conclui.

- Os países fundadores da UE também são afetados:

À exceção da Bélgica e do Luxemburgo, os países fundadores do bloco comunitário também viram as respetivas taxas de abstenção aumentarem ao longo dos últimos quase 40 anos de eleições europeias.

Em França e na Holanda, aumentou de cerca de 40% em 1979 para cerca de 60% em 2014.

Já em Itália (que deixou o voto obrigatório na década de 1990) subiu de 14% (em 1979) para 43% nas últimas eleições.

A Alemanha registou, no mesmo período de análise, uma progressão de 34% para 51,90%.

A erosão da participação dos eleitores não diz respeito apenas às europeias, mas também às eleições nacionais.

De acordo com Olivier Rozenberg, a abstenção estabilizou desde 2004 em países como França e Alemanha.

"Um patamar foi alcançado", refere o professor, que avança com uma possível explicação: "Uma certa consciência na população, especialmente com a crise, de que a UE fazia parte do problema e talvez da solução".

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