Afeganistão. Governo propõe partilha de poder com os Taliban

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Representantes taliban participam nas negociações de paz no Qatar Reuters

Uma fonte governamental do Afeganistão revelou à Al Jazeera que Cabul fez uma proposta aos taliban de partilha de poder em troca da interrupção da violência no país. O porta-voz do grupo extremista já veio recusar a oferta. A proposta surge numa altura em que os insurgentes avançam rapidamente no país e se aproximam da capital, tendo já conquistado 11 das 34 capitais de província afegãs.

A fonte do Governo afegão revelou à Al Jazeera que Cabul quer avançar com uma proposta de tréguas que prevê mesmo uma partilha de poder com os extremistas em troca do fim da violência no país.

A oferta de partilha de poder foi apresentada aos taliban de forma indireta através do Qatar, onde se localiza o gabinete político do grupo extremista islâmico e onde decorrem as negociações de paz. A notícia foi também avançada pela agência de notícias France-Presse (AFP), que cita igualmente uma fonte governamental.

No entanto, o palácio presidencial em Cabul não confirmou a oferta, afirmando apenas que não houve qualquer alteração no seu plano desde que decorrem as negociações de paz em Doha, capital do Qatar.

Abdullah Abdullah, presidente do Conselho Superior para Reconciliação Nacional do Afeganistão tem participado nas reuniões que decorrem há dois dias em Doha com autoridades dos EUA, China, Rússia e vizinhos regionais do Afeganistão. Esta quinta-feira, Abdullah afirmou que o plano de paz de Cabul foi partilhado com o Governo do Qatar, mas não fez qualquer referência à suposta proposta de partilha do poder.
Por sua vez, o porta-voz dos taliban, Zabihullah Mujahid, disse à agência Reuters não ter conhecimento de qualquer oferta, mas descartou desde logo partilhar o poder com um Governo cuja autoridade não reconhece.

“Não aceitaremos nenhuma proposta como essa porque não queremos ser aliados do Governo de Cabul. Não ficaremos nem trabalharemos um único dia com ele”, asseverou Mujahid.

A alegada proposta por parte de Cabul surge numa altura em que os insurgentes avançam rapidamente no país, tendo esta quinta-feira conquistado a estratégica cidade de Ghazni, localizada a 150 quilómetros da capital afegã. Esta foi a décima capital de província a cair nas mãos dos taliban numa semana.

"Posso confirmar que Ghazni caiu esta manhã nas mãos dos taliban. Eles assumiram o controlo de áreas chave da cidade: o gabinete do governador, a sede da polícia e a prisão", disse à AFP o chefe do conselho provincial de Ghazni, Nasir Ahmad Faqiri.

Com a conquista de Ghazni, os taliban controlam agora cerca de dois terços do país e os EUA temem que o grupo tome Cabul em 90 dias.
Taliban conquistam Herat e avançam para Kandahar
O grupo armado continua a avançar pelo país e assumiu já o controlo de Herat, a terceira maior cidade do Afeganistão, segundo confirmou fonte governamental à AFP. Das 34 capitais de província que existem no Afeganistão, esta é a décima primeira a cair totalmente nas mãos dos taliban.

Os taliban entraram também na cidade de Kandahar, a segunda maior do Afeganistão, segundo relatos de residentes à Al Jazeera que descrevem uma situação “desastrosa”. O grupo extremista anunciou no Twitter que conquistou a cidade, mas a informação ainda não foi confirmada.

As hostilidades entre os taliban e o exército afegão intensificaram-se em maio, após o anúncio da retirada completa das tropas norte-americanas do Afeganistão, que deve estar concluída no final deste mês.

A decisão do presidente norte-americano, Joe Biden, tem recebido várias críticas por parte dos cidadãos do Afeganistão, mas Biden já disse não se arrepender de ter mandado retirar as tropas do país, apelando à união entre os líderes do país.
Trump responsabiliza Biden
O ex-presidente Donald Trump também se pronunciou esta quinta-feira, responsabilizando o seu sucessor pelo avanço “inaceitável” dos taliban no Afeganistão.

Se eu fosse presidente atualmente, o mundo saberia que a nossa retirada do Afeganistão estaria sujeita a condições”, disse Trump. “Teria sido uma retirada muito diferente e muito mais bem-sucedida, e os taliban sabiam disso melhor do que ninguém”, acrescentou.

Foi ainda com Trump na Casa Branca que os EUA negociaram um acordo com o grupo extremista islâmico, em 2020, que pressupunha a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão até maio de 2020 em troca de várias garantias de segurança por parte dos insurgentes. Os taliban comprometeram-se a participar nas negociações de paz com o Governo afegão, a abster-se de atacar as forças americanas e a cortar todos os laços com a Al-Qaeda.

Joe Biden suspendeu as operações de retirada ao chegar à Casa Branca e em maio ordenou a retirada completa dos militares do Afeganistão, sem terem sido estabelecidas condições para tal. A data foi adiada inicialmente para 11 de setembro, depois para 31 de agosto.
EUA e Grã-Bretanha enviam tropas para retirar funcionários e cidadãos

Os Estados Unidos vão reenviar tropas para o Afeganistão para garantir a retirada de parte do pessoal da embaixada em Cabul, que será reduzida face ao avanço dos talibans, anunciou o Departamento de Estado norte-americano.

Segundo o porta-voz da diplomacia norte-americana, Ned Price, ao mesmo tempo, Washington vai acelerar, com voos diários, a evacuação de intérpretes e outros contratados que apoiaram o exército dos Estados Unidos, que podem ser ameaçados de represálias se os talibãs tomarem o poder.

As tropas norte-americanas vão garantir apoio terrestre e aéreo na segurança das operações, nomeadamente dos norte-americanos enviados ao aeroporto de Cabul, disse o oficial, que pediu anonimato ao abordar um plano ainda não divulgado.

A medida, refere a agência Associated Press (AP), sugere uma falta de confiança do Presidente norte-americano, Joe Biden, na capacidade de o governo afegão garantir segurança diplomática suficiente na capital, enquanto os talibans continuam com uma vasta ofensiva.

A Grã-Bretanha também anunciou esta quinta-feira que enviará centenas de militares para o Afeganistão para ajudar a retirar do país funcionários e cidadãos britânicos. “Autorizei o envio adicional de militares para apoiar a presença diplomática em Cabul, ajudar os britânicos a deixar o país e apoiar a realocação de ex-funcionários afegãos que arriscaram as suas vidas ao servir ao nosso lado”, disse o secretário de Estado da Defesa, Ben Wallace, em um comunicado.

Wallace também referiu que a embaixada britânica em Cabul será transferida para um local seguro e permanecerá apenas com uma equipa central.

c/agências
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