Ameaças nucleares. Até onde poderá ir Vladimir Putin?

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Reuters

O mundo ficou em alerta depois de o presidente russo, Vladimir Putin, ter ordenado ao comando militar do seu país a colocação das forças de dissuasão em alerta máximo, o que engloba as capacidades nucleares. Rapidamente, todo se questionaram sobre a gravidade das ameaças de Putin, e a resposta para as verdadeiras intenções do presidente russo não é unânime. Se por um lado há quem considere que Putin pretendia apenas "assustar o Ocidente", por outro há quem alerte para o sentido de imprevisibilidade do presidente russo, para além do risco de um erro de cálculo e de se "tropeçar numa guerra nuclear por engano".

“Oficiais de alto escalão nos principais países da NATO têm feito comentários agressivos sobre o nosso país, portanto, ordeno ao ministro da Defesa e ao chefe do Estado-Maior que coloquem a força de dissuasão do Exército russo em alerta de combate”, disse Vladimir Putin no domingo.

O anúncio do presidente russo fez soar os alarmes por todo o ocidente, que temem uma escalada da ofensiva militar russa à Ucrânia, iniciada na passada quinta-feira. Mas a pergunta que se coloca agora é: quão sérias e reais são as ameaças nucleares do presidente russo?

Para vários analistas, as intenções práticas por detrás das palavras de Putin não são totalmente claras. Há quem defenda que a ameaça nuclear deve ser levada “terrivelmente a sério”, mas a maioria parece concordar que Putin estava apenas a lançar o pânico no Ocidente perante as pesadas sanções que lhe têm sido impostas, e não a manifestar uma intenção real de usar tais armas, que Putin sabe que resultaria numa resposta também nuclear.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, procurou tranquilizar o povo norte-americano quanto à ameaça de utilização de armas nucleares. Em resposta a uma pergunta sobre se os cidadãos dos EUA deveriam estar preocupados com uma guerra nuclear, Biden foi categórico: "não".

Os Estados Unidos disseram na segunda-feira não ter detetado qualquer alteração "concreta" na postura nuclear da Rússia desde que Vladimir Putin colocou as suas forças dissuasoras em alerta máximo. "Estamos sempre a monitorizar e vigiar o mais de perto possível" e "não vimos nada de concreto [na postura nuclear mantida pela Rússia] como consequência da sua decisão. Pelo menos ainda não", disse um alto funcionário do Pentágono aos jornalistas.

Especialistas sugerem que as palavras de Putin pretendiam servir como um lembrete de que a Rússia é uma potência nuclear, numa altura em que os EUA e a União Europeia disparam com as sanções mais duras de sempre contra a Rússia.

“Putin provavelmente está a fazer isto para assustar o Ocidente e levá-lo a fazer concessões”
, disse Hans Kristensen, diretor do projeto de informação nuclear da Federação de Cientistas Americanos à Deutsche Welle (DW). “Esse é o seu tipo de provocação”, acrescentou.

Há também quem defenda que a ameaça de Putin pode ter sido motivada pelo insucesso na guerra até agora, podendo Putin ter subestimado a resistência que enfrentaria no campo de batalha na Ucrânia. "Este é um sinal de raiva, frustração e deceção", disse-me um general britânico recém-aposentado.

"A Rússia já jogou a maioria das suas cartas e não tem muitos mais recursos para resolver esta crise a seu favor. O alerta nuclear parece mais um ato de frustração do que uma jogada tática calculada", disse Todd Sechser, professor de política na Universidade de Virgínia, nos EUA, à CNN.

Para o ministro português da Defesa, o acionamento do sistema de armas nucleares mostra "alguma desorientação" por parte do presidente russo. “Mostra que a guerra não lhe está a correr bem e que o impacto das sanções já se começa a sentir na Rússia e na elite russa”, explicou João Gomes Cravinho em entrevista à RTP.

O ministro português descreveu ainda as palavras de Putin como "irresponsáveis e extremamente perigosas". “Quero acreditar que ainda há um fundo de racionalidade, embora não o tenhamos visto nos últimos dias, na liderança russa e que não volte a falar de armas nucleares desse modo leviano”, afirmou João Gomes Cravinho.
Quais são os riscos?
A política da Rússia sobre armas nucleares, que o próprio presidente Putin aprovou em 2020, indica que o país só recorreria às armas nucleares em quatro casos: quando mísseis balísticos fossem disparados contra a Rússia ou território de um aliado; quando um inimigo usasse armas nucleares; em resposta a um ataque a uma instalação de armas nucleares russas ou em resposta a um ataque não nuclear que ameaça a existência do Estado russo. Nenhum destes casos se aplica à atual guerra contra a Ucrânia.

“Se [Putin] realmente estivesse a planear um ataque nuclear, provavelmente veríamos a dispersão dos mísseis móveis em terra e o presidente russo teria ordenado que todos os submarinos fossem para o mar. Também veríamos o armamento dos bombardeiros e o acionamento de forças nucleares não estratégicas", explicou Kristensen à DW. "Um lançamento [de um ataque nuclear] é altamente improvável, a menos que a Rússia e a NATO estejam em confronto militar direto onde a Rússia está a perder", acrescentou

Kristensen observa ainda que um ataque nuclear à Ucrânia – um país que não faz parte da aliança da NATO e que não possui armas nucleares – é visto pelos especialistas como improvável. "Não faria o menor sentido. Se o objetivo é tomar a Ucrânia, a Rússia não quer ocupar uma pilha de detritos radioativos".

No entanto, mesmo que a ameaça de Putin não passe de um aviso e de uma forma de demonstrar força, como defende a maioria dos analistas, há sempre o risco de erro de cálculo.

"Se eles fizerem o terrível cálculo de utilizar uma arma nuclear, não importa quão grande ou pequena, isso custará tudo [a Putin] e à Rússia", disse Ben Hodges, general aposentado do Exército dos EUA que serviu como comandante das Forças Armadas dos EUA na Europa.

Tom Collina, direto do Ploughshares Fund, que defende a eliminação dos perigos representados pelas armas nucleares, explicou à CNN que não existe margem para erro. “A minha preocupação é que, à medida que aumentam o nível de alerta, ou o nível de prontidão das suas forças nucleares, isso torna mais fácil tropeçar numa guerra nuclear por engano”, afirmou Collina, explicando que se uma arma nuclear fosse detonada agora durante uma guerra, isso provocaria uma retaliação por parte das potências que têm stock nuclear.

"Seria apenas um evento catastrófico e devastador para essas pessoas no terreno, mas também para o mundo daqui para frente", disse Collina.


Ao mesmo tempo, especialistas advertem para o sentido de imprevisibilidade de Putin e que o uso de armas nucleares não deve ser totalmente descartado. "Vimos uma série de linhas vermelhas a serem cruzadas por Putin em poucos dias. E todas as vezes pensávamos que ele não iria tão longe", disse Marc Finaud, chefe da divisão de proliferação de armas do Centro de Política de Segurança de Genebra, uma fundação internacional com sede na Suíça.
Qual o stock nuclear da Rússia?
Rússia é a maior potência em armas nucleares, com cerca de 6250 ogivas nucleares, seguindo-se os Estados Unidos, que têm mais de 5500.

De acordo com uma avaliação da Associação de Controle de Armas, a Rússia tem cerca de 1458 ogiva em 527 mísseis balísticos intercontinentais, mísseis lançados de submarinos e bombardeiros. Já os EUA têm 1389 ogivas em 665 mísseis balísticos intercontinentais, mísseis lançados de submarinos e bombardeiros.

As armas nucleares da Rússia são parte de sua estratégia de "dissuasão". A Rússia assumiu o controlo das armas de outras ex-repúblicas soviéticas, incluindo Ucrânia e Bielorrússia, na década de 1990.

Agora, nos dias que se seguiram à invasão da Ucrânia, a Bielorrússia, que é aliada de Moscovo, renunciou ao estatuto de Estado não-nuclear, o que teoricamente poderá permitir que a Rússia coloque mais armas nucleares naquele país.

"Isto é muito perigoso, isto é muito perigoso. Sabemos o que significa a Bielorrússia passar a ser um país nuclear: significa que a Rússia colocará armas nucleares na Bielorrússia, e este é um caminho muito perigoso", advertiu na segunda-feira o Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança, Josep Borrell.

c/agências
Tópicos
pub