O juiz John Bates arquivou, na terça-feira, o processo contra Mohammed bin Salman por conspiração para o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, afirmando que o príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita goza de imunidade. Isto apesar de “alegações credíveis” de que esteve envolvido no caso.
Na decisão, Bates salientou que a lei norte-americana e a separação de poderes, que obriga o poder judicial a mostrar deferência pelas opiniões do poder executivo sobre imunidade estrangeira, obrigou-o a concordar com a decisão da Administração democrata sobre o caso. Sem dexar de reconhecer que as circunstâncias em torno da imprevista nomeação do príncipe Mohammed para o cargo de primeiro-ministro eram "suspeitas".
"O poder executivo continua responsável pelos negócios estrangeiros, inclusive com a Arábia Saudita, e uma decisão contrária sobre a imunidade de Bin Salman por parte deste tribunal interferiria indevidamente com essas responsabilidades", escreveu o juiz.
A decisão do juiz Bates chega anos depois de o então candidato à Casa Branca, Joe Biden, ter prometido que responsabilizaria MBS pelo homicídio, se fosse eleito presidente dos Estados Unidos, e que Mohammed bin Salman deveria ser tratado como um “pária” pelo alegado envolvimento no assassinato.
A Administração Biden divulgou um relatório não classificado dos serviços secretos que concluiu que MBS, como é conhecido o príncipe saudita, tinha provavelmente aprovado o assassinato. Mas não se seguiram mais sanções contra Bin Salman ou os seus interesses comerciais nos Estados Unidos Queixa apresentada pela noiva de Khashoggi
A decisão de indeferir a queixa civil contra o príncipe herdeiro saudita foi apresentada pela noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz, e pelo grupo pró-democracia Dawn, fundado pelo jornalista assassinado, e marca, provavelmente, o fim dos esforços para responsabilizar o futuro rei saudita pelos acontecimentos de 2018.
A destituição da ação civil contra Mohammed bin Salman e dois dos seus colaboradores mais próximos - Saud al-Qahtani e Ahmed al-Asiri – significa que o príncipe herdeiro pode viajar livremente para os Estados Unidos. Apesar de o caso não ter sido apresentado por procuradores norte-americanos com poder para o deter, se tivesse sido permitido prosseguir com a acusação, teria criado um imbróglio legal para o príncipe herdeiro, se este fosse considerado culpado. E poderia ter colocado em risco os seus interesses financeiros em solo norte-americano.
“Um episódio da nossa luta contra a justiça para Jamal pode ter terminado, mas a batalha nunca terá terminado até que todos os responsáveis, incluindo Mohammed bin Salman, sejam levados à justiça”, afirmou ao Guardian o diretor da Dawn na Arábia Saudita, Abdullah Alaoudh.
Os dissidentes e críticos sauditas do príncipe já tinham expressado sérias preocupações sobre a possibilidade de ser concedida imunidade a Mohammed bin Salman, frisando que qualquer decisão desse tipo selaria a aura de impunidade em torno do príncipe de 37 anos de idade, e poderia ser vista como uma licença para atingir outros jornalistas e opositores em todo o mundo.
Protesto internacional
O brutal assassinato de Khashoggi, em 2018, gerou um coro internacional de protestos. Uma investigação de Agnes Callamard, então relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, descobriu que o jornalista tinha sido vítima de uma "execução deliberada e premeditada" pela qual o Estado da Arábia Saudita era responsável.
Usando gravações de conversas no interior do consulado saudita em Istambul, onde Khashoggi terá sido assassinado e desmembrado com uma serra, Callamard relatou que o jornalista do Washington Post tinha sido confrontado, nos momentos finais, por funcionários sauditas, incluindo um que disse: "Estamos a chegar para o apanhar".
Em declarações ao Guardian, Agnes Callamard, que agora é diretora-geral da Amnistia Internacional, enumerou vários fatores que "contribuíram para a impunidade do assassinato de Jamal Khashoggi", da própria Arábia Saudita ao presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, e a a Joe Biden.
"E não estou a mencionar todos os governos e os chefes de empresas, eventos desportivos e culturais que cortejaram, venderam e compraram ao Estado responsável pelo assassinato de Jamal Khashoggi. Esta é a realidade do nosso mundo. A liberdade de imprensa e os Direitos Humanos foram traídos. Repetidamente. Mas continuamos de pé. E continuamos a lutar. E não estamos derrotados. Sabemos a verdade", acrescentou.
Mohammed bin Salman nega qualquer envolvimento pessoal no homicídio.