Assassínio de Khashoggi. Juiz norte-americano arquiva processo contra Bin Salman

por Cristina Sambado - RTP
A decisão do juiz Bates chega anos depois de o então candidato à Casa Branca, Joe Biden, ter prometido que responsabilizaria MBS pelo homicídio Reuters

O juiz John Bates arquivou, na terça-feira, o processo contra Mohammed bin Salman por conspiração para o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, afirmando que o príncipe herdeiro e primeiro-ministro da Arábia Saudita goza de imunidade. Isto apesar de “alegações credíveis” de que esteve envolvido no caso.

John Bates, juiz do Tribunal do Distrito de Columbia com um longo historial de casos que envolvem a segurança nacional, reconheceu “inquietação” ao tomar a decisão, mas frisou que estava de mãos atadas pela recente recomendação da Administração Biden para que fosse dada imunidade ao príncipe Mohammed bin Salman. Jamal Khashoggi foi assassinado a 2 de outubro de 2018 no consulado da Arábia Saudita em Istambul, onde se deslocou para obter uma certidão de nascimento.

Na decisão, Bates salientou que a lei norte-americana e a separação de poderes, que obriga o poder judicial a mostrar deferência pelas opiniões do poder executivo sobre imunidade estrangeira, obrigou-o a concordar com a decisão da Administração democrata sobre o caso. Sem dexar de reconhecer que as circunstâncias em torno da imprevista nomeação do príncipe Mohammed para o cargo de primeiro-ministro eram "suspeitas".

"O poder executivo continua responsável pelos negócios estrangeiros, inclusive com a Arábia Saudita, e uma decisão contrária sobre a imunidade de Bin Salman por parte deste tribunal interferiria indevidamente com essas responsabilidades", escreveu o juiz.

A decisão do juiz Bates chega anos depois de o então candidato à Casa Branca, Joe Biden, ter prometido que responsabilizaria MBS pelo homicídio, se fosse eleito presidente dos Estados Unidos, e que Mohammed bin Salman deveria ser tratado como um “pária” pelo alegado envolvimento no assassinato.

A Administração Biden divulgou um relatório não classificado dos serviços secretos que concluiu que MBS, como é conhecido o príncipe saudita, tinha provavelmente aprovado o assassinato. Mas não se seguiram mais sanções contra Bin Salman ou os seus interesses comerciais nos Estados Unidos Queixa apresentada pela noiva de Khashoggi
A decisão de indeferir a queixa civil contra o príncipe herdeiro saudita foi apresentada pela noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz, e pelo grupo pró-democracia Dawn, fundado pelo jornalista assassinado, e marca, provavelmente, o fim dos esforços para responsabilizar o futuro rei saudita pelos acontecimentos de 2018.

A destituição da ação civil contra Mohammed bin Salman e dois dos seus colaboradores mais próximos - Saud al-Qahtani e Ahmed al-Asiri – significa que o príncipe herdeiro pode viajar livremente para os Estados Unidos. Apesar de o caso não ter sido apresentado por procuradores norte-americanos com poder para o deter, se tivesse sido permitido prosseguir com a acusação, teria criado um imbróglio legal para o príncipe herdeiro, se este fosse considerado culpado. E poderia ter colocado em risco os seus interesses financeiros em solo norte-americano.

Um episódio da nossa luta contra a justiça para Jamal pode ter terminado, mas a batalha nunca terá terminado até que todos os responsáveis, incluindo Mohammed bin Salman, sejam levados à justiça”, afirmou ao Guardian o diretor da Dawn na Arábia Saudita, Abdullah Alaoudh.

Os dissidentes e críticos sauditas do príncipe já tinham expressado sérias preocupações sobre a possibilidade de ser concedida imunidade a Mohammed bin Salman, frisando que qualquer decisão desse tipo selaria a aura de impunidade em torno do príncipe de 37 anos de idade, e poderia ser vista como uma licença para atingir outros jornalistas e opositores em todo o mundo.
Protesto internacional
O brutal assassinato de Khashoggi, em 2018, gerou um coro internacional de protestos. Uma investigação de Agnes Callamard, então relatora especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, descobriu que o jornalista tinha sido vítima de uma "execução deliberada e premeditada" pela qual o Estado da Arábia Saudita era responsável.

Usando gravações de conversas no interior do consulado saudita em Istambul, onde Khashoggi terá sido assassinado e desmembrado com uma serra, Callamard relatou que o jornalista do Washington Post tinha sido confrontado, nos momentos finais, por funcionários sauditas, incluindo um que disse: "Estamos a chegar para o apanhar".

Em declarações ao Guardian, Agnes Callamard, que agora é diretora-geral da Amnistia Internacional, enumerou vários fatores que "contribuíram para a impunidade do assassinato de Jamal Khashoggi", da própria Arábia Saudita ao presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, e a a Joe Biden.

"E não estou a mencionar todos os governos e os chefes de empresas, eventos desportivos e culturais que cortejaram, venderam e compraram ao Estado responsável pelo assassinato de Jamal Khashoggi. Esta é a realidade do nosso mundo. A liberdade de imprensa e os Direitos Humanos foram traídos. Repetidamente. Mas continuamos de pé. E continuamos a lutar. E não estamos derrotados. Sabemos a verdade", acrescentou.

Mohammed bin Salman nega qualquer envolvimento pessoal no homicídio.
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