Até 2050. Falta de água ameaça metade da população mundial

por Graça Andrade Ramos - RTP
Ameaças até 2050. Falta de água ameaça metade da população mundial Orhan Qereman - Reuters

Dados recolhidos pelo Instituto de Recursos Mundiais, WRI, demonstram que 25 países, onde habita um quarto da população humana, esgotam atualmente todos os anos os seus recursos hídricos. E cerca de quatro mil milhões de pessoas vivem sob condições de angústia hídrica pelo menos um mês por ano.

E o cenário previsto até 2050 não é animador se nada mudar na gestão da água potável, estando previstas quebras significativas do PIB global, produção agrícola em queda num cenário de crescimento populacional generalizado e encarecimento da produção energética.

Num relatório publicado esta quarta-feira, o WRI divulga uma relação de causa e efeito para a crescente falta de água potável no mundo, atribuindo grande parte do problema ao aumento populacional, à industrialização e à má gestão do recurso, assim como às alterações climáticas, responsáveis por fenómenos de secas e inundações extremas.

As áreas ao longo da linha do equador estão entre as mais afetadas do globo pela falta de água potável, mas há outros locais do planeta onde esta começa a escassear de forma significativa, refere o estudo.

A variabilidade crescente devido às alterações climáticas está também a ter um impacto negativo na renovação dos aquíferos e na disponibilidade de água.

"Globalmente, o consumo de água mais do que duplicou desde 1960", explica o documento. Atualmente, a procura já excede a quantidade hídrica disponível em muitos locais.

O apelo é por investimentos em infraestruturas de exploração, distribuição, aproveitamento e limpeza de águas, de forma a proteger a renovação dos aquíferos, perante a pressão do crescimento populacional e industrial, como agricultura irrigada, gado e manufaturas.
Onde falta água
O Atlas aquífero elaborado pelo Instituto considera como stress a relação entre o consumo de água e as suas fontes renováveis. Um país que utilize no mínimo 80 por cento da sua água disponível, está em "stress de água extremo". Já outro que use 40 por cento está apenas sob "stress elevado".

Os dados recolhidos pelo Instituto indicam que o Médio Oriente e o norte de África são as regiões mais hidricamente stressadas do planeta. Mas Inglaterra, Índia, Irão, México e África do Sul começam igualmente a viver políticas de redução de consumo devido à escassez de água.

Os cinco países mais hidricamente stressados são o Bahrein, o Chipre, o Kuwait, o Líbano, Omã e o Qatar. Têm cronicamente reservas escassas de água face à procura doméstica, industrial e agrícola.

Outros 20 países vivem um stress hídrico extremo anualmente, por utilizarem 80 por cento da sua água disponível para irrigação, gado, e consumo doméstico e industrial. São locais onde até mesmo secas de curta duração levam ao risco de falta de água.

No Médio Oriente e no Norte de África estas condições afetam 83 por cento da população, no Sul da Ásia a ameaça abrange 74 por cento.

O WRI prevê que, em 2050, mil milhões de pessoas adicionais vivam sob stress hídrico extremo, mesmo que a subida da temperatura global do planeta não ultrapasse o intervalo de 1,3 a 2,4 graus centígrados, um cenário otimista.

Ao mesmo tempo, a projeção é de que a procura por água vá aumentar 20 a 25 por cento até 2050, enquanto a variabilidade negativa das reservas deverá aumentar 19 por cento. "Para o Médio Oriente e Norte de África, isto significa que 100 por cento da sua população irá viver sob stress hídrico extremo em 2050", indica o relatório do Instituto.
Implicações a médio prazo
A situação poderá ter implicações políticas graves, aumentando a instabilidade, com protestos a intensificarem-se devido à falta de água, como já está a suceder no Irão "após décadas de má gestão de água e de utilização agrícola insustentável", exemplifica a análise.

Os maiores desafios nos próximos 28 anos deverão contudo ocorrer na África subsaariana, onde a procura por água está a aumentar ao ritmo mais célere do mundo. Em 2050 prevê-se que tenha crescido 163 por cento, quatro vezes mais do que a região seguinte com maior aumento de procura hídrica, a América Latina, onde se antevê um aumento de 43 por cento no mesmo período.

A falta de água, ou a sua gestão ineficiente, sobretudo em projetos de irrigação e uso doméstico, ameaça diminuir o PIB de África em seis por cento impedindo o crescimento económico da região. O fracasso na implementação de melhor gestão de recursos hídricos deverá por seu lado levar à perda de sete a 12 por cento do PIB da Índia, da China e da Ásia Central até meados do século.

Também a segurança alimentar mundial está em risco, alerta o Instituto. Os dados indicam que 31 por cento do PIB global [uns 70 biliões de dólares] ficarão sob ameaça de stress hídrico extremo até 2050, um salto dos 15 biliões de dólares, correspondentes a 24 por cento do mesmo PIB, em 2010.

Somente quatro países, Índia, México, Egito e Turquia, englobam mais de metade deste PIB exposto ao stress hídrico.

A falta de água pode ainda levar à interrupção de manufaturas, a quebras de produção de energia como a registada já na Índia, "onde a falta de água para arrefecer centrais de energia termal entre 2017 e 2021, levou à perda de 8,2 terawatt/hora de energia, o suficiente para abastecer 1,5 milhões de casas durante cinco anos", e a produção agrícola fraca.

Atualmente, 60 por cento da agricultura irrigada do mundo enfrenta um stress hídrico extremo, sobretudo na produção de arroz, milho, cana-de-açúcar e trigo. Contudo, para alimentar uma população de dez mil milhões de humanos prevista para 2050, o mundo irá necessitar de mais 56 por cento da quantidade calórica consumida em 2020 indica o estudo.

O WRI é financiado por fundações privadas e empresas, incluindo a Fundação Bill e Melinda Gates, o Fundo da Terra Bezos e o Fundo dos Irmãos Rockfeller.
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