Áustria chega à segunda volta das Presidenciais em reboliço interno

por Andreia Martins - RTP
Alexander Van der Bellen e Norbert Hofer, no último debate antes das eleições. Leonhard Foeger - Reuters

No dia em que os italianos votam um conjunto de reformas constitucionais num polémico referendo, também na Áustria toma uma decisão de peso. Norbert Hofer, candidato da extrema-direita derrotado a 22 de maio, exigiu a repetição da segunda volta destas eleições presidenciais, por suspeitas de irregularidades na contagem dos votos. Ao fim de sete meses de várias peripécias internas que congelaram a política austríaca, o escrutínio deste domingo pode nem ser conclusivo, sete meses depois de iniciado o processo de escolha do novo Chefe de Estado.

Com os olhos postos em Roma, mas sem deixar de espreitar Viena. É assim que a Europa vive este domingo o importante referendo em Itália, um dia que pode também consagrar a subida ao poder do inesperado Norbert Hofer, candidato ligado ao Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), de extrema-direita.

Alexander Van der Bellen, candidato independente ligado aos Verdes, também chegou de forma surpreendente à segunda volta das eleições presidenciais. Nenhum dos candidatos habituais dos partidos do centro mereceu no entanto a confiança do voto popular e os dois candidatos improváveis mais votados, der Bellen e Hofer, não conseguiram maioria absoluta a 24 de abril, o que ditou a realização de um novo voto. 

A confusão começou precisamente na segunda volta das eleições, a 22 de maio, quando Norbert Hofer foi dado como vencedor após a primeira contagem de votos, sendo-lhe atribuídos 51,9 por cento dos votos. 

Mas no dia seguinte, um diferente vencedor surgia nos noticiários austríacos. Afinal, der Bellen era o grande vencedor, incluídos na contagem os votos via postal, com uma vantagem de apenas 30 mil votos sobre o seu adversário. 

A Europa podia respirar de alívio. O candidato com ideais anti-Europa e anti-Islão não conseguia chegar ao poder. No entanto, pouco depois da atualização de resultados ter sido divulgada pelo Governo, o FPÖ denunciava “graves irregularidades” na contagem dos votos e recorreu mesmo ao Supremo Tribunal austríaco. Afinal, o próprio ministro austríaco do Interior, Wolfgang Sobotka, admitira “desleixo” na contagem de votos. 

Na Justiça, o veredicto foi favorável a um novo escrutínio. O Supremo Tribunal afastou a hipótese de fraude eleitoral, mas reconheceu a existência de irregularidades formais, como a contagem de votos por funcionários desacreditados para o fazer. "Bananen-Republik"
Há vários meses sem Presidente eleito, a Áustria avançava então para a repetição da segunda volta, marcada para 2 de outubro. Mas continuava a desorganização do próprio executivo austríaco. O mesmo ministro do Interior admitia em setembro alguns problemas técnicos com os votos via postal, um método muito usado no país: resumidamente, os envelopes autocolantes onde os votos deviam ser enviados não colavam. 

Para complicar ainda mais a situação, uma gráfica de Viena responsável pela impressão de boletins de voto foi assaltada nesse mesmo mês. Num clima de completa confusão, o Parlamento austríaco optou por adiar as eleições para este domingo. 

Todos estes incidentes trouxeram ao espaço público austríaco o uso recorrente da expressão “Bananen-Republik", ou seja, República das Bananas. Dá-se o facto de o país não ter Chefe de Estado há já mais de sete meses e a imprevisibilidade dos resultados deixar os austríacos à beira de um ataque de nervos. 

"Se nem umas eleições conseguimos organizar, talvez seja melhor tornarmo-nos um protetorado da ONU”, escrevia em setembro o jornalista Rainer Nowak, diretor do diário vienense Die Presse". 
Influência externa?
O resultado final poderá ser conhecido na noite do próximo domingo, mas o empate técnico entre os dois candidatos, registado nas últimas sondagens, deixa prever mais uma agonizante contagem até ao último voto. Na pior das hipóteses, o vencedor será conhecido até à próxima terça-feira. 

Neste ponto, os austríacos parecem apenas pedir um resultado efetivo que termine a novela das eleições presidenciais, que já se arrasta há sete meses. 

A Agência Reuters sublinhava no sábado que esta passagem de tempo poderia ter influência no processo de escolha dos austríacos. É que desde o voto de maio, aconteceram os dois eventos políticos do ano: o referendo britânico em favor do Brexit e a eleição de Donald Trump pelos norte-americanos. 

Van der Bellen, candidato independente pelos Verdes, tem focado a campanha precisamente nesses dois pontos e pede aos eleitores que “não brinquem com o fogo”. O adversário, Norbert Hofer, vem da extrema-direita e é frequentemente associado a uma retórica populista e anti-establishment, e chegou mesmo a prometer um referendo sobre a permanência na União Europeia, um poder que não lhe é no entanto conferido, enquanto Presidente da República.  

Isto porque na Áustria, o chefe de Estado está geralmente limitado a funções mais simbólicas ou cerimoniais, dispondo, ainda assim, de vários poderes que lhe permitem alterar as mais importantes instituições de poder, nomeadamente impedir ou ajudar à formação de coligações de Governo.
 
Um dos objetivos de Norbert Hofer é, precisamente, acabar com o predomínio dos dois partidos do centro que têm governado o país nas últimas décadas. Uma hegemonia que foi desde logo posta em causa em abril, quando nenhum dos dois candidatos presidenciais apoiados pelo centro conseguiu passar a esta confusa segunda volta. 
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