Bélgica. Escolas incendiadas em manifestações contra programa de educação sexual

por Rachel Mestre Mesquita - RTP
Johanna Geron - Reuters

Um clima de tensão marca o arranque do ano letivo na Bélgica, com a intensificação de manifestações e ações judiciais contra o programa de "educação para as relações, a vida afetiva e sexual" (EVRAS), a culminar em atos de vandalismo em escolas de Bruxelas e da Valónia, nos últimos dias. Uma campanha de desinformação - levada a cabo por extremistas religiosos muçulmanos e católicos, que acreditam que o objetivo do programa é hipersexualizar as crianças - está na origem dos desacatos, avança o Le Monde.

Apesar de a educação sexual ser obrigatória na Bélgica desde 2012, foi adotado pelo Parlamento da Federação da Valónia-Bruxelas no início do mês, dia 7, o projeto do decreto do programa "educação para as relações, a vida afetiva e sexual" (Evras) nas escolas de língua francesa, promovido pela ministra belga da Educação francófona, Caroline Désir.

Trata-se de uma formação anual obrigatória, com a duração de apenas duas horas, destinada a pré-adolescentes e adolescentes, que visa promover “o respeito pelos outros” e a “igualdade”, assim como “prevenir a violência nas relações”, "desconstruir estereótipos sexistas e homofóbicos", "prevenir gravidezes não planeadas" e "reduzir as infeções sexualmente transmissíveis".

Apesar de ser considerado um "instrumento de saúde pública para as escolas", como explica o jornal belga Le Soir, o programa de educação sexual não foi bem aceite por muitos dos pais e associações de origem conservadora, nomeadamente católicos e muçulmanos, que o desvirtuaram ao considerá-lo um "projeto de sexualização de crianças" ou "de pedofilia institucional", como noticia o jornal francês Le Monde.

O controverso programa Evras tem sido objeto de vários mal-entendidos, fake news e teorias da conspiração difundidas nas redes sociais, o que espoletou o ataque a pelo menos oito estabelecimentos de ensino, na parte francófona da Bélgica, só na última semana.

Estão em curso investigações para determinar a causa dos incêndios, no entanto as autoridades não têm dúvidas de que se trata de um ato criminoso, motivado pela ira dos opositores do programa. É possível ler nas paredes das escolas vandalizadas "No Evras", o que significa não à "educação para a vida relacional, afetiva e sexual".

Apesar de os atos de vandalismo não terem causado feridos e os prejuízos materiais serem pequenos, em entrevista à RTBF Paul Magnette, presidente da câmara de Charleroi, a maior cidade da região da Valónia, no sul do país, considerou os ataques como um "ato de terrorismo" contra a "liberdade pública, a liberdade de ensino".

"Estes ataques, estes atos de pura barbárie contra as escolas, devem ser levados muito a sério", afirmou Paul Magnette.

De acordo com a RTL Info, na manhã desta segunda-feira, as autoridades belgas nacionais e locais de Charleroi e Liège, estiveram reunidas com o Organismo de Coordenação para a Análise da Ameaça (OCAM) para fazer um ponto de situação, após o fim de semana de desacatos, mas não foram tomadas novas medidas. O atual sistema em vigor, revisto e reforçado na passada sexta-feira, vigorará enquanto for considerado adequado e suficiente.
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