Bielorrússia. Eleições presidenciais abrem porta a fim da era Lukachenko

por Graça Andrade Ramos - RTP
Milhões de bielorrussos fizeram fila junto às assembleias de voto a 09 de agosto de 2020, para votar em eleições presidenciais históricas Reuters

A repressão crescente dos últimos dias pareceu galvanizar os eleitores da Bielorrúsia, ansiosos por mudanças políticas no país, e que este domingo fizeram longas filas junto às assembleias de voto. Estas abriram às 8h00 horas locais (6h00 em Lisboa) e fecharão às 20h00, nas eleições presidenciais mais surpreendentes das últimas décadas no país.

São esperados resultados provisórios ainda esta noite e a oposição já está a planear manifestações, através das redes sociais, entre ameaças do poder de que não irá tolerar "o caos".

O país sustém a respiração. Pela primeira vez em anos, muitos bielorrussos acreditam que a mudança e a expulsão do Presidente Alexandre Lukachenko, no poder desde 1994, são possíveis.

A razão de tal esperança chama-se Svetlana Tikhanovskaïa, nome de uma professora de inglês com 37 anos e completamente desconhecida até há poucos meses. Tornou-se o polo de atração de todos os que querem o fim do regime, atraindo aos seus comícios multidões cada vez maiores, que carinhosamente entoam "Sveta! Sveta!".

"É muito difícil marcar passo durante 26 anos", reagia Vadim Svichkarev, agente de segurança de 49 anos, à Agência France Presse, depois de votar na esperança de uma mudança nesta ex-República Sociética de 9,5 milhões de habitantes, dominada com mão de ferro há um quarto de século.

Muitos apoiantes de Tikhanovskaïa usaram este domingo no pulso uma pulseira branca, em sinal da sua lealdade e de apoio à sua escolhida
. Esta desafiou-os a publicar fotos dos seus boletins de voto, de forma a organizar uma contagem independente.

A oposição denunciou igualmente a realização de um voto postal que está a decorrer desde terça-feira, que, afirmam, irá dar lugar a fraudes.

"As pessoas colocaram em mim a sua esperança, todos os seus desejos de mudança", disse 'Sveta' em entrevista à AFP, referindo que "será impossível" impedir "as fraudes", já "escandalosas" desde o início do voto por correio.
Ameaças de Lukachenko
Às 16h00 locais tinham votado presencialmente 73,4 por cento dos eleitores, incluindo o Presidente Alexandre Lukachenko, que pretende um sexto mandato após várias alterações sucessivas à Constituição e que deixou avisos quanto a eventuais mudanças.

"Ninguém irá autorizar uma eventual perda de controlo. Tudo se irá manter sob controlo, garanto-vos. Não duvidem", afirmou Lukachenko aos jornalistas, de acordo com imagens veiculadas pela cadeia de televisão nacional, Belarus 1.

Alexandre Lukachenko, Presidente da Bielorrússia desde 1994, candidatou-se a um sexto mandato em 09 de agosto de 2020 Foto Reuters

Na capital, Minsk, as patrulhas de polícia foram reforçadas e instalados controlos nas entradas da cidade. A circulação foi condicionada a uma única via nas principais artérias, como testemunham textos e imagens difundidas nas redes sociais, apesar de cortes de sinal ou bloqueio de sites da oposição.

Jornalistas da Agência France Presse na Bielorrússia e outros cidadãos, falam em dificuldades de acesso à Internet, nomeadamente a sites de informação próximos da oposição, como o Tut.by ou Radio Liberty. O site Tchestnie Lioudi, uma ONG que segue o ato eleitoral, e até o da Comissão Eleitoral, estavam em baixo.

Outros internautas mencionam lentidão no YouTube, na rede de mensagens Telegram ou a impossibilidade de aceder a redes privadas virtuais, vulgo VPN.

Nalguns pontos de acesso veem-se carros blindados e militares. Os edifícios públicos e administrativos foram cercados de barreiras metálicas e o estacionamento nestas zonas foi proibido.
Regime apreensivo
Desde a chegada de Alexander Lukachenko ao poder, nenhuma corrente da oposição conseguiu afirmar-se no panorama político bielorrusso. Muitos dos seus dirigentes foram detidos e, em 2019, nenhum opositor foi eleito para o Parlamento.

O regime multiplicou esforços para dissuadir Svetlana Tikhanovskaïa de se candidatar. Apesar do medo, a jovem professora foi em frente e galvanizou como nunca os bielorrussos descontentes.

Face à maré aparentemente imparável, as autoridades locais de várias cidades proibiram a realização do comício de encerramento de campanha, marcado para esta semana. A candidata falou em bloqueio.

Sábado, a polícia deteve a sua chefe de campanha, Maria Moroz, pela segunda vez em três dias. No mesmo dia, interpelou outra aliada de Tikhanovskaïa.Lukachenko tem denunciado desde julho uma conspiração internacional, orquestrada pela Rússia, para o destronar e para deixar o país a ferro e fogo. A teoria começou a circular sobretudo depois de 'Sveta' se tornar uma ameaça credível.

Nada faria crer que a professora, que renunciou à carreira para se consagrar ao filho mais velho, nascido com dificuldades auditivas, se iria tornar um tal fenómeno.

Foi a detenção em maio do seu marido Serguei, um video-blogger, após este ter anunciado a sua candidatura à presidência, que a fez reagir.
"Estou cansada de ter medo. E vocês?"
Serguei tinha prometido esmagar "a barata" Alexandre Lukachenko. Após a sua prisão, Svetlana pegou na chama, "por amor" pela sua "paixão à primeira vista", encontrada há 16 anos quando ela era estudante e ele dono de uma discoteca.

Para surpresa geral, não só conseguiu reunir as assinaturas necessárias, como a Comissão Eleitoral do país validou a sua candidatura, depois de ter rejeitado a de dois outros candidatos considerados mais sérios.

Svetlana Tikhanovskaïa, a professora de 37 anos que se tornou uma ameaça para o Presidente da Bielorrússia, Alexander Lukachenko. Foto Reuters

Tikhanovskaïa tem-se apresentado como uma "mulher normal, uma mãe, uma esposa", que lidera uma batalha por dever, apesar das ameaças que a levaram a enviar para o estrangeiro a filha, de cinco anos e o filho, de 10.

"Abandono a minha vida tranquila pelo Serguei, por todos nós. Estou cansada de ter de suportar tudo, estou cansada de me calar, estou cansada de ter medo. E vocês?", perguntou a uma multidão de dezenas de milhares de pessoas em delírio, em Minsk, dia 30 de julho.

O programa de Svetlana Tikhanovskaïa é vago. Promete libertar os presos políticos, incluindo o seu marido, a realização de um referendo constitucional e, depois, de novas eleições, desta vez "livres".

Há quem lhe chame uma "Joana d'Arc acidental". Um cognome que se deve talvez à garra com que a candidata tem denunciado o que designa de narrativas e mentiras do regime, com segurança e prestação comunicativa crescentes.
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