O presidente brasileiro Jair Bolsonaro prossegue na sua relação dialética com a pandemia do novo coronavírus, numa altura em que o país ultrapassa pelo terceiro dia consecutivo o milhar de novos casos positivos de covid-19. O Brasil regista agora 299 mortos e quase oito mil infectados às mãos de um vírus que matou mais de 52 mil pessoas em todo o mundo. Números que não impressionam Bolsonaro, agora indignado por o governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, ter proibido as saídas para a praia. Coisa de "ditadura", acusa o presidente.
Foi desta forma que o presidente Jair Bolsonaro reagiu à quarentena que está a ser imposta aos 17 milhões de habitantes do Rio de Janeiro, uma orientação que conta com o apoio da maioria dos Estados brasileiro, onde os governadores confrontam o presidente no que já foi apelidado de um grande movimento de desobediência civil.
Após na terça-feira o presidente ter ensaiado o que parecia um passo atrás num discurso populista, de desvalorização da crise sanitária, admitindo mesmo que o Brasil enfrentava “o maior desafio da nossa geração”, apenas dois dias depois Bolsonaro retomou na quinta-feira aquele primeiro tom laxista com que vem menosprezando a ameaça do novo coronavírus, numa invectiva contra o governador do Rio de Janeiro.
“O que é que ele pensa? Que isto é uma ditadura? Mas o que é que vem a ser isto?”, questionou o presidente brasileiro durante uma entrevista aos media, referindo-se às ordens do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.
Já no último domingo o presidente se havia insurgido com as medidas cautelares de confinamento postas em prática por alguns líderes políticos locais: “Vi um cara sendo autuado porque estava andando na praia de Santos. Vi no Rio também um senhor que foi algemado porque estava na praia. Não pode ir pra praia? A praia é o lugar mais saudável que tem aberto. Orientem a não ir, mas não exijam, não proíbam. Deixem eles dar uma relaxada”.
Uma rebelião que, de acordo com a imprensa brasileira, conta nas suas fileiras com aqueles que terão sido os maiores aliados de Jair Bolsonaro antes de a pandemia atingir o país: Sérgio Moro, o ministro da Justiça, e Paulo Guedes, o ministro das Finanças.
Bloquear as directivas do presidente é já a nota dominante no mapa brasileiro, com a generalidade dos governadores a remarem no mesmo sentido: confinamentos e quarentenas são a arma a usar contra o novo coronavírus. Apenas os governadores de três Estados pareciam manter-se fiéis à linha defendida por Jair Bolsonaro: Amazonas, Rondónia e Roraima aceitaram a ideia da população nas ruas com lojas e serviços abertos.
Ciro Gomes, figura proeminente da esquerda brasileira, afirmava esta semana que a única forma de salvar vidas no Brasil é “uma extensa campanha de desobediência civil que parta dos governadores, autarcas, uma maioria considerável dos líderes religiosos e dos media”. Ciro Gomes sublinhava que a desobediência civil, um movimento que já estava em marcha, é “um gesto de protecção para o povo brasileiro”.
Mas Ciro Gomes foi mais longe na apreciação de Bolsonaro como líder do país: “Bolsonaro é um completo fascista e um irresponsável. Sempre foi toda a sua vida”.