Bolsonaro, um fura-quarentenas muito determinado

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Ueslei Marcelino, Reuters

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro prossegue na sua relação dialética com a pandemia do novo coronavírus, numa altura em que o país ultrapassa pelo terceiro dia consecutivo o milhar de novos casos positivos de covid-19. O Brasil regista agora 299 mortos e quase oito mil infectados às mãos de um vírus que matou mais de 52 mil pessoas em todo o mundo. Números que não impressionam Bolsonaro, agora indignado por o governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, ter proibido as saídas para a praia. Coisa de "ditadura", acusa o presidente.

“Proibir as pessoas de ir à praia? Meu deus (…) As praias são ar livre. Não tem qualquer problema em ir”.

Foi desta forma que o presidente Jair Bolsonaro reagiu à quarentena que está a ser imposta aos 17 milhões de habitantes do Rio de Janeiro, uma orientação que conta com o apoio da maioria dos Estados brasileiro, onde os governadores confrontam o presidente no que já foi apelidado de um grande movimento de desobediência civil.

Após na terça-feira o presidente ter ensaiado o que parecia um passo atrás num discurso populista, de desvalorização da crise sanitária, admitindo mesmo que o Brasil enfrentava “o maior desafio da nossa geração”, apenas dois dias depois Bolsonaro retomou na quinta-feira aquele primeiro tom laxista com que vem menosprezando a ameaça do novo coronavírus, numa invectiva contra o governador do Rio de Janeiro.

“O que é que ele pensa? Que isto é uma ditadura? Mas o que é que vem a ser isto?”, questionou o presidente brasileiro durante uma entrevista aos media, referindo-se às ordens do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.

Já no último domingo o presidente se havia insurgido com as medidas cautelares de confinamento postas em prática por alguns líderes políticos locais: “Vi um cara sendo autuado porque estava andando na praia de Santos. Vi no Rio também um senhor que foi algemado porque estava na praia. Não pode ir pra praia? A praia é o lugar mais saudável que tem aberto. Orientem a não ir, mas não exijam, não proíbam. Deixem eles dar uma relaxada”.

São considerações de um presidente que contraria tanto as directivas da Organização Mundial da Saúde, como as de um elemento-chave dentro do seu gabinete para fazer face a esta crise, o seu próprio ministro da Saúde, Luiz Mandetta, que, ignorando Bolsonaro, pediu já a todos os brasileiros que mantenham “o máximo grau de isolamento social possível”.

Uma rebelião que, de acordo com a imprensa brasileira, conta nas suas fileiras com aqueles que terão sido os maiores aliados de Jair Bolsonaro antes de a pandemia atingir o país: Sérgio Moro, o ministro da Justiça, e Paulo Guedes, o ministro das Finanças.

Bloquear as directivas do presidente é já a nota dominante no mapa brasileiro, com a generalidade dos governadores a remarem no mesmo sentido: confinamentos e quarentenas são a arma a usar contra o novo coronavírus. Apenas os governadores de três Estados pareciam manter-se fiéis à linha defendida por Jair Bolsonaro: Amazonas, Rondónia e Roraima aceitaram a ideia da população nas ruas com lojas e serviços abertos.

Ciro Gomes, figura proeminente da esquerda brasileira, afirmava esta semana que a única forma de salvar vidas no Brasil é “uma extensa campanha de desobediência civil que parta dos governadores, autarcas, uma maioria considerável dos líderes religiosos e dos media”. Ciro Gomes sublinhava que a desobediência civil, um movimento que já estava em marcha, é “um gesto de protecção para o povo brasileiro”.

Mas Ciro Gomes foi mais longe na apreciação de Bolsonaro como líder do país: “Bolsonaro é um completo fascista e um irresponsável. Sempre foi toda a sua vida”.
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