Brexit. À beira do abismo, Theresa May continua a defender acordo

por Andreia Martins - RTP
“Acredito, com cada fibra do meu ser, que o caminho que estabeleci é o certo para o nosso país”, reiterou Theresa May Reuters

Um dia após a aprovação do entendimento, o Governo britânico parece prestes a desmoronar-se como um castelo de cartas. As últimas horas ficaram marcadas por várias demissões dentro do executivo, pelos ataques de partidos de oposição e do próprio Partido Conservador em Westminster, mas também pelas declarações de Theresa May, que se mostrou firme na proteção do entendimento que delineou para o Brexit. Entretanto, o principal partido de oposição já pensa no cenário de eleições antecipadas e mesmo numa nova consulta popular.

“Acredito, com cada fibra do meu ser, que o caminho que estabeleci é o certo para o nosso país”. As palavras são de Theresa May durante a conferência de imprensa desta tarde, em Downing Street. Perante uma sala cheia de jornalistas e ao fim de horas de enorme tensão que culminaram com a demissão de vários ministros e responsáveis do Governo, a primeira-ministra prometeu manter-se em funções e continuar a conduzir o processo de saída do Reino Unido da União Europeia.  

Mas existem ainda várias incertezas quanto ao desfecho deste processo, até porque o pré-acordo delineado por Londres e Bruxelas teve o aval “coletivo” do Governo britânico ainda ontem - após um Conselho de Ministros extraordinário que se prolongou por cinco horas – sendo que o dia de quinta-feira começou com sucessivas demissões, incluindo do próprio ministro britânico para o Brexit, Dominic Raab.

“Lamento dizer que, na sequência da reunião do Conselho de Ministros de ontem sobre o acordo para o Brexit, tenho de me demitir”, disse Dominic Raab. O ministro justificou a demissão ao considerar que o regime regulatório proposto para a Irlanda do Norte "apresenta ameaças muito reais à integridade do Reino Unido" e que este entendimento prevê "um acordo de salvaguarda indefinido, em que a União Europeia mantém poder de veto".

Entre as várias renúncias destaca-se ainda a saída de Suella Vara, vice-ministra para o Brexit; Esther McVey, ministra do Trabalho; Shailesh Vara, ministro para a Irlanda do Norte; e ainda Rehman Chishti, vice-presidente do Partido Conservador.  

De facto, o desenho do acordo para a saída - que levou quase dois anos a ser alcançado – poderá ter sido mesmo a parte mais fácil, uma vez que são várias as vozes de confronto, entre os principais partidos da oposição, mas também entre os tories, que até já esboçam uma possível moção de censura contra a primeira-ministra. 
"Vou levar o processo até ao fim"

O caos político dentro do Governo e do próprio partido que lidera não foram suficientes para demover Theresa May. “Vou conseguir levar isto avante? Sim”, afiançou a primeira-ministra britânica na conferência de imprensa desta tarde.  

"Liderar é saber tomar as decisões certas, nem sempre as mais fáceis. Como primeira-ministra, o meu trabalho é chegar a um acordo que concretize o voto do povo britânico. Acredito que este é um acordo que serve o interesse nacional e vou levar o processo até ao fim", acrescentou.   

Em resposta aos repórteres, Theresa May garantiu que vai levar o acordo a votação na Câmara dos Comuns, onde os deputados "deverão fazer o seu trabalho", uma vez "que serão responsabilizados pelas decisões que tomarem".

Na conferência de imprensa, a primeira-ministra lembrou que a questão da saída do Reino Unido "toca todas as áreas" da vida a nível nacional e que o objetivo primeiro do acordo foi a defesa do interesse nacional.  

A líder conservadora lamentou a saída dos colegas de Governo, mas mostrou-se convicta de que o acordo responde às exigências do povo britânico. "Os meus colegas têm de fazer o que acreditam que é correto, assim como eu", completou.  

Theresa May desafiou os deputados a analisarem o acordo e a considerarem “os votos do povo britânico para deixar a União Europeia e o nosso dever de cumprir esse voto”. Acrescentou que, tal como ela, os deputados “serão responsabilizados pelas decisões que tomarem”.  

“Se não avançarmos para um acordo, ninguém saberá as consequências que se seguirão. Entraríamos num caminho de incerteza profunda e grave, quando o povo britânico apenas quer que avancemos com isto", avisou.  

Em resposta aos jornalistas sobre o novo ministro para o Brexit após a demissão de Dominic Raab, Theresa May lembrou que esteve três horas na Câmara dos Comuns a responder aos deputados.  

A primeira-ministra não confirma que a escolha para a substituição seja Michael Gove, atual ministro do Ambiente, sendo que a imprensa britânica chegou a avançar esta quinta-feira que este seria mais um dos ministros demissionários do Governo de May."Gove está a fazer um excelente trabalho. (...) Farei as nomeações na devida altura", disse.
Turbulência entre os tories

Neste momento são vários os deputados do Partido Conservador, incluindo o influente Jacob Rees-Moog, que já subscreveram uma moção de censura interna à líder.  

Um desafio interno à liderança de Theresa May só poderá ser desencadeado se pelo menos 15 por cento dos membros do Partido Conservador no Parlamento avançarem para a moção de censura contra a primeira-ministra.

Contando o Partido Conservador com 315 parlamentares na Câmara dos Comuns, serão necessárias pelo menos 48 missivas para abrir a porta de saída à líder do partido.  
 
Os próximos passos deste acordo negociado a par com a União Europeia deverão ser dados precisamente nos principais palcos de Bruxelas, a começar pela cimeira europeia extraordinária, a realizar-se a 25 de novembro.  
 
Depois da previsível aprovação do entendimento junto das entidades europeias, o acordo terá ainda de passar pela câmara baixa do Parlamento, em Westminster. Nesta votação, que deverá decorrer durante o mês de dezembro, ainda antes do Natal, o Governo necessita de uma maioria de pelo menos 320 votos.  
 
É certo que o Partido Conservador conta com 315 deputados, pelo que precisaria apenas de mais cinco votos, mas já se sabe que não haverá unanimidade no voto entre os tories.  
 
O equilíbrio de forças na votação poderia ser feito com recurso aos pequenos partidos. Mas mesmo o DUP (Partido Unionista Democrático, os unionistas da Irlanda do Norte), - força política que garantiu a continuidade dos conservadores no poder, ao apoiar o Governo minoritário que resultou das últimas eleições – confirmou na quarta-feira que irá vetar o acordo de May.
 
"Enquanto unionistas, não podemos dar apoio a um acordo que fragmente o Reino Unido", afirmou a líder do DUP (Partido Unionista Democrático), Arlene Foster. A questão da fronteira aduaneira entre as Irlandas foi um dos principais entraves durante as negociações e é agora o principal motivo de discórdia.

Ana Romeu - RTP
Labour pede referendo ou novas eleições
Outra declaração relevante do dia é a do líder trabalhista, Jeremy Corbyn, que admitiu pela primeira vez a hipótese de se realizar uma nova consulta popular sobre o Brexit. Esta é a posição defendida por grande parte do partido e que ficou firmada durante o último Congresso de setembro, mas a que Corbyn parecia resistir.
 
Hoje ao final da tarde, o líder do Partido Trabalhista – o principal partido da oposição - endereçou uma carta aos membros do partido ao final da tarde onde prevê a realização de um referendo.  
 
"Se não conseguirmos ter uma eleição geral, vamos, em linha com a política defendida no nosso Congresso, apoiar todas as opções em cima da mesa, incluindo avançar com a campanha para um voto popular", escreveu o líder trabalhista.  
 
Nesta missiva enviada aos elementos do partido, o líder trabalhista defendeu que a primeira-ministra "perdeu toda a autoridade e está claramente incapaz de apresentar um acordo para o Brexit que reúna o apoio do seu próprio Governo - quanto mais o apoio do Parlamento ou do povo britânico".  
 
"Não aceitamos que a escolha seja entre o acordo do Governo e nenhum acordo. Vamos lutar no Parlamento para travar um cenário de saída sem acordo", apontou Jeremy Corbyn.
 
"Se o Parlamento rejeitar este acordo caótico - que parece o mais provável -, isso irá representar uma perda de confiança no Governo. Nestas circunstâncias, o melhor desfecho para o país será a marcação imediata de eleições legislativas", acrescentou o líder trabalhista. 
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