Chineses no Ártico

por Felipe Pathé Duarte, comentador RTP
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Há novas rotas marítimas que cruzam o Ártico e estão a ficar navegáveis. O degelo também está a facilitar o acesso aos vastos depósitos de recursos naturais da região - hidrocarbonetos, minerais e terras raras. Duas mudanças com consequências geopolíticas que devemos ter em consideração. Pequim passou a olhar para Ártico com grande interesse económico e militar. Em parceria com Moscovo, este interesse solidificou-se na tensão com Washington.

1) As Novas Rotas:

A nova Rota no Mar do Norte estende-se ao longo da costa Norte da Rússia. Conecta o Estreito de Bering ao Mar da Noruega. E traz grandes perspectivas comerciais entre o Leste da Ásia e a Europa. A navegação ao longo desta Rota do Mar do Norte leva muito menos tempo do que os cursos tradicionais do Sul, que passam pelo Pacífico e pelo Índico. Ainda está pouco desenvolvida. Mas a Rússia e a China colaboram para o incremento de infraestruturas que a tornem comercialmente viável. As instalações portuárias em toda a costa ártica da Rússia – que inclui locais como Murmansk, Vladivostok e Arkhangelsk – vão permitir o uso de vias circumpolares para transporte comercial e extração de recursos naturais. Esse acordo bilateral entre a Rússia e a China tem sido chamado de “Rota da Seda Polar”. Até agora, tudo parece bem.

O problema é que este percurso não é apenas para navios mercantes. Pode servir também para navios militares. Por aqui, Pequim pode enviar a sua Marinha de Guerra para Atlântico Norte. E, com possível cooperação russa, poderão recolher informações, ou fazer acções de dissuasão. É uma rota que traz grandes vantagens para a China – evitam-se pontos de estrangulamento críticos (como o Estreito de Malaca e o Canal do Suez) que a Marinha dos EUA poderá facilmente bloquear para prejudicar a economia da China em caso de guerra. Porém, vai tornar o Estreito de Bering, o Mar da Noruega e o chamado GIUK Gap (ponto comum entre a Gronelândia, a Islândia e o Reino Unido) em zonas críticas e de grande relevância estratégica. Logo, na perspectiva chinesa, a segurança da Rota do Mar do Norte dependerá de uma relação estável com a Rússia.

2) Os Recursos Naturais

Estima-se que o Ártico contenha 20 a 25% das reservas mundiais de petróleo e gás inexploradas. Além disso, é rico em minérios (metais ferrosos, platina, paládio, cobalto, urânio) e elementos de terras raras – vitais para a chamada “Quarta Revolução Industrial”, nomeadamente a Internet das Coisas e Inteligência Artificial. A sua extração está a tornar-se cada vez mais fácil e economicamente viável. Veja-se que já em 2015 Pequim começou a investir em operações de mineração na Gronelândia. Em plena Guerra-Fria tecnológica com os EUA, a China quer assumir-se como o fornecedor dominante mundial de elementos de terras raras.

É importante também lembrar que Pequim está a colaborar activamente com a Rússia para desenvolver os recursos energéticos e minerais da Rota do Mar do Norte e da Sibéria, principalmente o campo de gás de Yamal. Em contexto de rivalidade partilhada com os EUA, isto ajuda o propósito de fortalecer a parceria sino-russa.

A China vai aumentar a sua presença no Ártico e vai multiplicar os esforços à medida que a importância da região aumentar. Adoptou, como é hábito, uma retórica que enfatiza a cooperação e os benefícios mútuos. Faz investimentos em países na região, sobretudo em minas e infraestruturas de transporte, que podem ser ferramentas geoeconómicas para exercer influência política e militar. No futuro, por exemplo, estas instalações poderão vir a hospedar uma presença militar. Assim é no caso da Gronelândia e da Islândia.

Nota Final:

As circunstâncias geográficas mudam. E em reposta surgem incentivos estruturais para reorganizar os parâmetros e redefinir as prioridades estratégicas. Tal como no Índico, o crescendo da presença militar chinesa no Ártico é limitado no momento. Mas, a longo prazo, a situação pode mudar. A China está a implementar um conjunto de medidas económicas e diplomáticas para promover os seus interesses nesta região. Será interessante a leitura do Livro Branco onde está patente, mas dissimulada, a estratégia chinesa para o Ártico. Pequim apresenta-se como uma potência quase-ártica e usa os seus meios económicos para expandir a influência na região. Ao fazê-lo desperta tensão. Impulsiona a competição e a divisão entre as nações do Ártico. E no fim, parece estar a preparar o terreno para uma série de disputas e conflitos geopolíticos que se soam a inevitáveis.

Enquanto isto, o aumento da actividade das grandes potências internacionais no Ártico, faz com que outras potencias regionais respondam. A revitalização da fronteira militar russa no Ártico, por exemplo, está a aproximar os países escandinavos, com a Noruega a desafiar as actividades de exploração de energia russa no Mar de Barents. Mas isso ficará para uma outra análise...
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