Covid-19. As fronteiras em que o vírus não pode ser controlado

por Ana Sofia Rodrigues - RTP
Reuters

São fronteiras em zonas vulneráveis, voláteis, onde passam pessoas sem monitorização, gerando situações potencialmente explosivas. Como no Afeganistão, com um sistema de saúde que não aguenta uma explosão no número de casos. Mais de 110 mil pessoas podem morrer de Covid-19.

Em março, mais de 150 mil afegãos regressaram do Irão, um dos países mais atingidos pelo novo coronavírus. Muitos milhares continuam a chegar diariamente. Outros tantos regressaram do Paquistão, um dos mais afetados na Ásia, por fronteiras “porosas” e sem controlo oficial.

“Com o número de pessoas que provavelmente estava infetada e que atravessou a fronteira, é expetável que o número de casos e mortos vá aumentar significativamente”, revela Natasha Howard, docente de saúde global e conflitos da Universidade Nacional de Singapura citada pela BBC. Até agora, o Afeganistão tem 423 casos e 14 mortos.

Se houver uma explosão de casos como assistimos em países como Espanha e Itália, o sistema de saúde do pobre e arrasado pela guerra Afeganistão irá implodir.

O Ministério afegão da Saúde estima que 16 milhões de uma população de mais de 30 milhões podem vir a ser infetados, evocando dados da Organização Mundial de Saúde.
110 mil podem morrer
Waheedullah Mayar, porta voz do Ministério, revela que no pior cenário 700 mil pessoas vão precisar de hospitalização, 220 mil desses casos vão precisar de tratamento de cuidados intensivos. 110 mil pessoas podem morrer devido à covid-19.

O Afeganistão tem 10.400 camas de hospital em todo o país. Na província de Herat serão apenas 12 camas.
“O país não vai ter tal número de camas, nem em dez anos”, reforça Mayar, argumentando que por isso as autoridades estão a apostar nas medidas de prevenção.

Cabul está em quarentena complete e em Herat, os eventos públicos foram banidos. Os testes em Herat escasseiam e demoram quatro ou cinco dias até serem conhecidos os resultados.

No entanto, a população tem problemas de saúde subjacentes como tuberculose, cancro, diabetes e mais de dois milhões de crianças em situação de malnutrição.

Abdul Maez Mohammadi e a família viviam no Irão há oito anos. Quando o patrão da companhia de construção deixou de pagar, ele, a mulher, irmão e filho de um ano voltaram para casa. Passaram a fronteira para Herat como migrantes indocumentados e vão seguir para a vila controlada pelos talibans onde não há instalações de saúde.

“A situação no Irão é muito perigosa e ouvi que não há mais locais para receber doentes”, diz Mohammadi à BBC.
Análise básica
Na fronteira, não há quarentena e as autoridades afegãs tentam fazer uma análise básica de saúde, mas são abalroados pelo número de pessoas na fronteira.

Mohammadi sabe que serão necessárias precuações. “Temos de lavar as mão quando acordamos, lavar os dentes três vezes ao dia, evitar ajuntamentos de pessoas, não devemos viajar e a comida deve ser bem cozinhada”, refere.

A Organização Mundial das Migrações criou centros para providenciar apoio humanitário a quem passa a fronteira rumo ao Afeganistão, referindo que quem mostre sintomas é levado para as unidades de saúde locais.

As autoridades afegãs determinaram colocar em quarentena de 14 dias quatro mil afegãos em Torkham, mas foram rapidamente ultrapassados pelos números. De acordo com a Organização Mundial das Migrações, 60 mil pessoas passaram as fronteiras em três dias, vindas do Paquistão. Milhares delas sem mostrar qualquer documentação nos pontos de fronteira oficiais.

Depois, há milhares que terão passado por zonas absolutamente sem controlo e nesses casos, os números são difíceis de estimar. Uma realidade que tem feito soar os alarmes sobre a propagação do novo coronavírus.

Apesar das poucas respostas de saúde, os afegãos continuam a regressar, forçados pelas quarentenas e interrupção de atividades no Irão e Paquistão que os deixam sem quaisquer recursos financeiros. O medo espalha-se e as pessoas temem não ser atendidas por serem migrantes. E dizem que, se é para morrer, então preferem morrer na sua terra.

Os peritos dizem ser muito tarde para prevenir a propagação do vírus no Afeganistão e não se espera ajuda do exterior, porque todos enfrentam a pandemia dentro das próprias fronteiras.

“A situação poderá ser extremamente desesperante. Podemos considerá-la uma bomba relógio”, diz à BBC Natasha Howard, da Universidade de Singapura.
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