Covid-19. Como a Nação Navajo se revelou a mais afetada nos EUA

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
Uma sinalização rodoviária alerta os nativos para o cumprimento do recolher obrigatório Andrew Hay - Reuters

A Nação Navajo tem o maior número de infeções por Covid-19 per capita nos Estados Unidos, ultrapassando o Estado de Nova Iorque, entre os mais afetados do país. A pobreza, doenças crónicas e as condições sanitárias precárias estão entre os motivos que explicam o grande impacto da pandemia, mas os líderes indígenas e alguns especialistas dizem que os números são reflexo de séculos de negligência por parte do Governo norte-americano.

Na segunda-feira, de acordo com os dados oficiais, a Nação Navajo registava 4.794 casos de infeção por Covid-19 entre os 173 mil habitantes, um número que poderá ser superior com o aumento da testagem. Há ainda a registar 157 óbitos.

O número de infeções per capita neste território índio é o mais elevado nos Estados Unidos. Há 2.563 casos de infeção por cada 100 mil habitantes, um número superior à taxa de Nova Iorque e Nova Jérsia, os Estados norte-americanos mais atingidos pela pandemia.

Entre os motivos que explicam esta grande predominância de casos de Covid-19 na região estão o elevado número de doenças crónicas e a falta de água. Cerca de 30 por cento das casas da Nação Navajo não têm água potável, o que impossibilita o cumprimento das normas de higienização recomendadas para a prevenção de infeção do novo coronavírus.

Disseram que devemos lavar as mãos durante 20 segundos. Eu pergunto-me como vou fazer isso se não tenho água nem para beber, cozinhar ou limpar”, disse Marie Hoskie, habitante de uma das comunidades da Nação Navajo, à BBC. Hoskie faz parte dos 40 por cento do povo indígena que não têm acesso a água potável.

Para além disso, as condições de habitação são também precárias. A maior parte das casas são habitadas por várias gerações da mesma família, o que facilita a propagação do novo coronavírus.

"Acredito que a forma como o coronavírus se espalhou tão rápido tem a ver com as próprias condições em que vivem as comunidades", disse à BBC Carolina Batista, médica brasileira, explicando que por vezes chegam a viver na mesma casa quatro gerações da mesma família.
“Tempestade perfeita”
Para Mark Charles, residente da Nação Navajo e candidato independente à presidência dos Estados Unidos, a elevada taxa de infeção na região é um problema que remonta a 250 anos atrás, “à forma como esta nação foi fundada”. Esta é a razão pela qual “os cuidados de saúde são precários”, argumentou Charles à Al Jazeera, sublinhando que os “acordos não estão a ser respeitados”.

O candidato presidencial refere-se ao acordo assinado em 1868 que estabeleceu que a Nação Navajo teria um governo próprio, ainda que dependente de Washington. A Nação Navajo é um território semi-autónomo de 71 mil quilómetros quadrados e abrange áreas do Arizona, Novo México e Utah. Se o território nativo fosse um Estado americano, seria o mais pobre e o mais atingido pela pandemia no país.

Após a apropriação de território da maioria das tribos indígenas durante a expansão territorial dos EUA, o Estado comprometeu-se a oferecer apoio aos povos nativos. O acordo entre os EUA e os nativos garante um financiamento para cuidados de saúde, infraestruturas e outras áreas essenciais. “No entanto, na prática, o Governo federal falha no financiamento adequado a esses programas”, explicou Allison Barlow, diretora do Centro Johns Hopkins para a Saúde dos Indígenas Americanos, à BBC. “Não importa quem esteja no comando da Casa Branca, republicanos ou democratas. Os maus tratos às populações indígenas são uma constante”, acrescentou Barlow.

Para Barlow, a situação que se vive há décadas na Nação Navajo proporcionou uma "tempestade perfeita" para a crise do novo coronavírus. "O que vemos hoje é resultado de um sistema falido e disfuncional que perdura há gerações", disse Barlow à BBC.
Sistema de saúde subfinanciado
A Nação Navajo, assim como outros territórios indígenas reconhecidos pelo Governo norte-americano, recebe apoio médico do Indian Health Service (IHS), uma agência do executivo dos EUA.

No entanto, o IHS tem sido acusado de um atendimento “inaceitável” o que, por sua vez, é justificado pela pouca ajuda financeira de Washington.

Não temos camas hospitalares suficientes para os doentes recuperarem, tivemos de mandar pessoas para casa, onde o vírus se propagou”, explicou o presidente da Nação Navajo, Jonathan Nez no início de Maio, citado por The Guardian.

Michelle Tom, médica na Nação Navajo, revela à BBC que para toda a região existem apenas 25 camas de cuidados intensivos, o que faz com que muitos pacientes precisem de ser transportados por via aérea para outros hospitais a centenas de quilómetros de distância “e nesta doença, esse tempo determina a vida e a morte”. A profissional de saúde acrescenta que também há carência de equipamentos de proteção individual.

O Congresso aprovou em março um pacote de ajuda de oito mil milhões de dólares a tribos, mas no início de maio, a Nação Navarro tinha ainda recebido cerca de 600 milhões desse fundo monetário.

O líder do território índigena acusa os EUA de se terem “esquecido” da Nação Navajo, apesar de se tratar de cidadãos americanos. Mark Charles apelou ao Governo norte-americano para “que comece imediatamente a honrar os acordos que foram assinados e que comece a construir relacionamentos verdadeiros de nação para nação com nações indígenas”.

A curva epidemiológica na região está a achatar, mas Charles e o presidente Nez dizem que se deve em grande parte aos esforços dos próprios índios navajo.

“Testes, monitorização de contactos e ordens de saúde pública que foram implementadas meses atrás, exigindo máscaras de proteção e confinamento obrigatório, estão a funcionar e a achatar a curva”, disse Nez à Al Jazeera.

Na Nação Navajo foi imposto um recolher obrigatório entre as 20h e as 5h nos dias úteis e ao fim-de-semana apelam a que se cumpra o confinamento. Apesar de se considerar que o pico de casos de infeção já foi atingido, teme-se uma ameaça de segunda vaga na região à medida que Estados vizinhos vão levantando as medidas de restrição.
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