Covid-19. Milhares de trabalhadores marroquinos retidos em Espanha

por Joana Raposo Santos - RTP
O Governo marroquino garantiu que as fronteiras vão reabrir aos cidadãos e residentes a 14 de julho, mas essa medida poderá não ser suficiente para ajudar os trabalhadores retidos. Foto: Juan Medina - Reuters

Mais de sete mil pessoas de origem marroquina, na maioria mulheres, estão retidas em Espanha depois de o seu país natal ter fechado fronteiras para evitar a propagação do novo coronavírus. Muitas chegaram a território espanhol em março para a colheita da fruta, atividade comum entre marroquinos, que enviam depois para casa o dinheiro que ganham durante essa época.

São cerca de 7.200 as pessoas retidas na província de Huelva, em Espanha, quase sem dinheiro e sem saber quando poderão regressar a casa, de acordo com um comunicado lançado por um grupo de organizações não-governamentais de Direitos Humanos espanholas e marroquinas.

Na quinta-feira, a situação levou um grupo de 15 mulheres a realizar um protesto na cidade de Cartaya, em Huelva. “Estamos aqui sem trabalho, não temos nada, o dinheiro que tínhamos já o enviámos para as nossas famílias”, lamentaram, segundo um vídeo obtido pela CNN através de um grupo de ativistas.

“Já não temos dinheiro para comer, precisamos de voltar. Pedimos ao rei Mohammed VI que envie alguém que nos possa ajudar a regressar”, apelou uma das mulheres no protesto. “As nossas crianças estão sozinhas em Marrocos, não têm ninguém que cuide delas, precisamos de voltar”.

O ministro marroquino dos Negócios Estrangeiros já garantiu que as fronteiras vão reabrir aos cidadãos e residentes a 14 de julho, próxima terça-feira. Essa medida poderá, porém, não ser suficiente para ajudar as mulheres retidas em Espanha, uma vez que os ferries com destino a Marrocos vão partir apenas dos portos de Sète, em França, e Genoa, em Itália – ambos a mais de mil quilómetros de distância de Huelva.

Além disso, quem queira viajar em algum desses ferries ou em voos para Marrocos terá de fornecer os resultados negativos de um teste de diagnóstico à Covid-19 com menos de 48 horas, assim como cumprir com medidas de higiene que ainda não foram especificadas pelo Governo marroquino. Mas muitas das mulheres não possuem os recursos nem para realizar os testes, nem para comprarem voos ou para se deslocarem até aos portos de onde partem os ferries.
Condições de habitação preocupam ativistas
A Interfresa, uma das maiores associações agroalimentares de Espanha, contou que algumas das trabalhadoras chegaram ao país vizinho em dezembro, antes sequer de o novo coronavírus ter sido noticiado. A entidade tem estado “em contacto diário” com os governos de Espanha e de Marrocos para garantir os direitos das trabalhadoras.

Madrid e Rabat assinaram, em 2001, um acordo que garante aos trabalhadores sazonais vistos temporários para a colheita de fruta em Espanha. Agora, tendo em conta as circunstâncias, o Governo espanhol decidiu prolongar os vistos até 30 de setembro, mas expressou a vontade de que as mulheres possam regressar às suas casas.

“Estamos em contacto permanente com as autoridades marroquinas. É uma operação complexa e os detalhes ainda não foram definidos”, disse à CNN na quinta-feira um porta-voz do Ministério espanhol dos Negócios Estrangeiros.

Já um porta-voz do governo regional da Andaluzia, onde se localiza a província de Huelva, avançou que 106 mulheres e cinco crianças foram repatriadas por via aérea. Além disso, tem sido distribuída comida e bens essenciais aos trabalhadores e os seus empregadores concordaram em deixá-los permanecer nos alojamentos onde estavam durante a época da apanha da fruta.

Várias organizações de Direitos Humanos espanholas têm, no entanto, expressado preocupação em relação às condições de habitação dos trabalhadores. “As quintas a que tivemos acesso não são adequadas a uma estadia de longa duração. Muitas têm módulos pré-fabricados que não estão preparados para condições meteorológicas extremas, e recebem uma grande concentração de pessoas em espaços muito pequenos”, lamentou uma porta-voz da ONG Mujeres 24h.

“Quando choveu, [os trabalhadores] disseram-nos que ficaram molhados e, agora com o calor, tiveram de dormir no exterior das habitações”, revelou a entidade, acrescentando que muitos dos espaços não têm água nem eletricidade.
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