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Cultura de "beber um copo" está a tornar-se um problema grave na China
É o assunto do momento nas redes sociais chinesas. Será que, para conseguir ou manter um emprego, uma pessoa tem de beber álcool socialmente? Será impossível no mundo dos negócios ser-se e manter-se abstémio? Ou será que, numa cultura em que "jantamos e falamos" implica "embriaga-mo-nos", recusar um copo resulta inevitavelmente no ostracismo?
A discussão entrou no menu do dia devido a um simples jantar de empresa, em Pequim.
Um jovem recém-executivo, de apelido Yang, agradeceu, pediu desculpa e recusou, uma bebida alcoólica insistentemente oferecida pelo seu chefe, diretor no Xiamen International Bank. Outro executivo, gerente de balcão, interveio, e insultou-o e agrediu-o por ousar recusar uma bebida oferecida por um superior. O mais novo abandonou o jantar sob uma chuva de comentários trocistas dos seus novos colegas.
Foi para casa e, na manhã seguinte, contou o sucedido no WeChat, uma aplicação de mensagens, num grupo formado para dar apoio a recém-contratados. Queria ser esclarecido. "Se eu não bebo álcool, isso não está de acordo com o que a empresa requer?", perguntou.
O que Yang queria mesmo saber é se a sua abstinência lhe iria custar o emprego. "Deixei de ter ilusões quanto à industria da Finança", escreveu. Pois ao ser convidado para o jantar tinha avisado o chefe de que não bebia álcool, por razões pessoais. E este quis ainda assim força-lo a trocar a sua bebida por outra, alcoólica.
Em 2019, um estudo publicado pela The Lancet previu que, em 2030, o consumo de álcool per capita na China irá superar o dos Estados Unidos. Nos anos 90 do século XX, os chineses bebiam em média o equivalente a sete litros de álcool puro por ano, contra 10 litros consumidos pelos americanos. Desde então, o consumo de álcool aumentou 70 por cento na China e não há sinais de abrandamento.
Quando subiu ao poder, em 2012, o atual Presidente, Xi Jinping proibiu o álcool em banquetes e receções oficiais militares, de forma a evitar o desperdício do dinheiro dos impostos. Em 2013, a proibição estendeu-se ao consumo de bebidas caras, em eventos patrocinados pelo governos locais ou pelas empresa estatais.
A proibição provocou uma queda nas vendas, mas muitos funcionários governamentais continuaram a beber em segredo.
O objetivo dos banquetes é "a embriaguez"
Em setembro de 2017, 20 responsáveis foram punidos na província de Yunnan, durante uma receção oficial. Em abril do mesmo ano, na província de Guangxi, um funcionário local morreu de envenenamento por álcool quando celebrava o seu primeiro dia de trabalho com os novos colegas. Sete destes, que beberam com ele, foram despedidos.
O caso de Yang seria suficientemente banal para se manter na obscuridade mas, segunda-feira, o banco pediu-lhe, oficialmente e publicamente, desculpas.
Num comunicado que, em traços gerais, confirmava a história contada pelo empregado, o Xiamen International Bank reconheceu que dois dos seus diretores tinham tido comportamentos verbais e físicos inadequados, devido a um estado de embriagues num jantar privado, e atrapalhado e causado mal a Yang.
Os dois diretores sofreram cortes de seis meses e três meses, respetivamente, nos bónus a que teriam direito e receberam avisos por "mau comportamento embriagado".
Imagens da história descrita por Yang e do comunicado oficial do Banco espalharam-se pela Weibo, a plataforma chinesa de microblogs. As reações multiplicaram-se, pois a cultura da embriaguez nos meios profissionais parece ser endémica em toda a China.
A maioria das pessoas referiu que nunca tinha sido obrigada a beber contra-vontade. Mas um advogado fez notar que, em grandes grupos sociais, as mesas se podiam dividir entre os que bebem muito e os que bebem moderadamente ou são abstémios.
As mulheres referiram um clima de intimidação nos banquetes, durante os quais se sentem obrigadas a rir das piadas dos seus chefes e são persuadidas a beber. Alguns relatos descreveram táticas para se fingir que se bebe quando se lança na verdade a bebida ao chão.
No mundo inteiro, beber álcool com os colegas de trabalho ou com futuros sócios é um catalisador de negócios e um lubrificante seguro para subir na carreira e estabelecer ligações profissionais. Na China, o hábito está tornar-se uma cultura e uma ameaça.
"Para o melhor e para o pior, o objetivo dos banquetes e dos jantares na China é a embriaguez", escreveu a novelista Yan Ge num artigo do New York Times, em novembro passado. "Quando corre mal, pode tornar-se feio. Podem dar-se lutas e as mulheres serem vítimas de abuso", referiu.
"Quando corre bem, perdoam-se erros, os comensais suam, devoram, riem e cantam juntos e então, e só então, se fazem negócios", concluiu.