Donald Trump adia discussão sobre posse de armas nos Estados Unidos

por Andreia Martins - RTP
Donald Trump na chegada a Porto Rico esta terça-feira. O presidente norte-americano vai amanhã a Las Vegas Jonathan Ernst - Reuters

O presidente norte-americano referiu-se a Stephen Craig Paddock, autor do pior tiroteio da história dos Estados Unidos - 59 mortos e fez mais de 500 feridos - como um homem "doente e demente". Tal como no rescaldo de outros tiroteios e assassínios em massa, a opinião pública norte-americana volta a debater a legislação para a compra e posse de armas. A opinião do Trump sobre o assunto é pouco clara e tem mudado ao longo dos anos.

Depois da consternação e choque, os norte-americanos tentam compreender o que se passou no domingo em Las Vegas. Na segunda-feira, Donald Trump dirigia-se aos cidadãos com palavras de afeto e união e condenava um ataque de "pura maldade", sem qualquer referência direta ao atirador ou às motivações na origem do tiroteio. O ataque foi reivindicado pelo Estado Islâmico, mas o FBI veio esclarecer que ainda não encontrou quaisquer ligações do atirador ao grupo terrorista.  
 
Quase 24 horas depois, o presidente norte-americano voltou a falar sobre Las Vegas e para afirmar que o homem de 64 anos era "doente e demente". Donald Trump falou aos jornalistas à entrada para o helicóptero presidencial antes da visita a Porto Rico, território afetado pelo furacão Maria. Esta quarta-feira, o Presidente norte-americano desloca-se a Las Vegas para estar com as famílias das vítimas.  
 
"Era um homem doente, um homem demente. Com muitos problemas, penso eu. Estamos a investigá-lo com muita seriedade", referiu Donald Trump numa curta declaração aos jornalistas.
 
Ainda não se sabe quais foram os motivos de Stephen Paddock, um homem de 64 anos, para o morticínio de domingo. O atirador tinha 23 armas no 32.º andar do hotel Mandalay e um vasto arsenal de guerra em sua casa, situada na pequena cidade de Mesquite, a cerca de 130 quilómetros do local do tiroteio.
 
Responsáveis ligados à investigação do tiroteio acreditam que Paddock, que não tinha cadastro e era desconhecido da polícia, tinha problemas mentais. Na segunda-feira, a polícia federal descartou qualquer ligação do atirador a grupos de terrorismo internacional. 
Um padrão familiar
Sobre a questão das leis sobre armamento nos Estados Unidos, o presidente garantiu que iria analisar a legislação "com o passar do tempo", sem especificar quais poderão ser os próximos passos da administração Trump em relação a este tema. Na segunda-feira, a Casa Branca considerava que esta não é a altura para debater a questão.

"Hoje é um dia triste, um dia de sofrimento, um dia de gratidão pelos que se salvaram. Penso que haverá tempo para discutirmos a política sobre a posse de armas, mas esta não é a altura", referiu Sarah Huckabee Sanders, assessora política da administração Trump.

Quando questionado se o tiroteio de domingo poderia ser caracterizado como "terrorismo doméstico", o presidente recusou-se a rotular este ataque dessa forma.

Para já, prevê-se a repetição de um "padrão muito familiar" na política norte-americana, como refere a CNN. Aos tiroteios e mortes em massa, segue-se um momento de comoção, de apelo generalizado por leis mais restritivas no acesso a armas de fogo. Com o passar do tempo, o assunto morre e acaba por ficar tudo na mesma.

Várias vozes, sobretudo dentro do Partido Democrata, pedem uma mudança efetiva depois do mais mortífero tiroteio das últimas décadas.

O antecessor de Trump, Barack Obama, já veio apelar à imposição de medidas mais restritivas para o controlo da posse de armas. Hillary Clinton, candidata do Partido Democrata que perdeu a eleição presidencial de 2016, escreveu no Twitter que os políticos norte-americanos "devem colocar a política de lado" e enfrentar o lóbi da NRA (National Rifle Association), de forma a "evitar que isto aconteça novamente".

Mitch McConnel, lider dos Republicanos no Senado, já veio dizer que a discussão de uma solução legislativa "é prematura", considerado que é "pouco apropriado politizar um evento como estes".

A questão da posse de armas continua a ser fraturante não só na política, mas também na sociedade norte-americana. Segundo um estudo publicado em junho último pelo Pew Research Center, 83 por cento dos norte-americanos considerava que a violência com armas nos Estados Unidos é "um grande problema". No entanto, a sondagem revela que 47 por cento dos inquiridos por este estudo considera que o direito à posse de uma arma é "essencial" à sua liberdade.
"Amiga" da Casa Branca
Neste dossier problemático, como em muitos outros, o atual presidente norte-americano tem mudado de opinião nos últimos anos e é incerta a resposta que pretende dar.

Num livro, publicado em 2000, Donald Trump criticava os republicanos, que considerava reféns do NRA. Em The America We Deserve, Trump escrevia que era geralmente opositor quanto ao controlo de armas, mas que “apoiava a proibição de armas de assalto e a imposição de um período de espera mais longo para adquirir uma arma”.

Dezasseis anos depois, já durante a campanha eleitoral que conduziu Trump até à Casa Branca, o então candidato admitia que frequentemente transportava consigo uma arma e que se sentia “mais confortável” quando os seus empregados transportavam armas para o trabalho.

Desde que se tornou presidente, em janeiro, Trump elogiou a NRA, que considera ser “uma verdadeira amiga da Casa Branca”. A organização pela defesa da posse de armas doou pelo menos 21 milhões de dólares (cerca de 17 milhões de euros) à campanha presidencial do candidato republicano.

Em fevereiro, o presidente aprovou uma resolução que bloqueia uma ordem executiva de Obama, que impedia que cerca de 75 mil pessoas com problemas mentais - ao que tudo indica, pessoas como Stephen Paddock - adquirissem armas.

A lei tinha sido aprovada na sequência do mortífero tiroteio de 2012 na escola de Sandy Hook, no Connecticut, onde morreram 26 pessoas, das quais duas dezenas eram crianças.

“Eu nunca vou interferir no direito que todos temos de guardar e transportar armas. Nunca.”, disse o presidente em abril, numa referência à segunda emenda da Constituição norte-americana.
pub