Economia, pilar social e abertura. Começou a presidência portuguesa da União Europeia

por Inês Moreira Santos - RTP
António Pedro Santos - Lusa

O primeiro-ministro, António Costa, recebeu esta terça-feira, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, no primeiro encontro oficial da presidência portuguesa da União, que terá como prioridades a recuperação económica, o pilar social e uma política externa de abertura.

Arrancou oficialmente a presidência portuguesa da União Europeia. António Costa e Charles Michel encontraram-se em Lisboa na tarde desta terça-feira.

"Hoje, com a visita do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, começa a Presidência Portuguesa", começou por afirmar o primeiro-ministro numa conferência de imprensa conjunta, no Centro Cultural de Belém.

Esta é a quarta presidência portuguesa, mas é a primeira que decorre sob a vigência do Tratado de Lisboa e, por isso, "é diferente" das anteriores.

"É uma presidência em que queremos trabalhar de uma forma muito estreita com todas as instituições, mas muito em especial com o presidente do Conselho", continuou António Costa, lembrando que trabalha com Charles Michel há cinco anos.

De acordo com o primeiro-ministro, nesta primeira reunião foi possível delinear "o calendários dos diferentes temas até junho" e "reafirmar quais são as três grandes prioridades desta presidência".
"É tempo de agir"
A primeira prioridade, apontada por António Costa, foi a recuperação económica: "É tempo de agir para assegurar uma recuperação justa, verde e digital".

Para tal, é necessário "garantir que os parlamentos nacionais aprovam o aumento do teto dos recursos próprios da União Europeia", assim como que "o Parlamento Europeu aprove o regulamento do Fundo de Recuperação" e que seja concluída a "aprovação dos 27 planos nacionais de recuperação".

António Costa garantiu que esta recuperação vai assentar em dois pilares fundamentais: a transição climática e a transição digital.

A segunda prioridade é o desenvolvimento do pilar social da União Europeia. Segundo o primeiro-ministro, "precisamos de uma base sólida para dar confiança a todos para enfrentarmos os desafios da transição climática e da transição digital".

A terceira e ultima grande prioridade, indicada por Costa, é aumentar a autonomia estratégica de uma Europa aberta ao mundo.

"Uma Europa que se afirma como ator global, que pode estar mais presente nas diferentes cadeias de valor, mas que recusa o protecionismo e continua aberta ao mundo", argumentou Costa, que considera que se o deve fazer "de uma forma plural".

Em tom de conclusão, António Costa afirmou que é uma honra para o país começar esta Presidência Portuguesa, que esteve a cargo da Alemanha nos últimos seis meses.
UE "otimista"
De visita à capital portuguesa, Charles Michel fez questão de dizer que a sua presença "é um sinal de compromisso muito forte".

Falando a seguir ao primeiro-ministro português, o presidente do Conselho Europeu relembrou o trabalho conjunto com Portugal e afirmou-se "muito otimista" com a Presidência Portuguesa.

"Temos agora o Sol e o leme", continuou Charles Michel, numa analogia ao logótipo da presidência.

O presidente do Conselho Europeu lembrou como a pandemia da Covid-19 "desmoronou" todos os sistemas na Europa em 2020, mas considera que agora há a "oportunidade para reafirmar as prioridades da Presidência Portuguesa".

"Vamos trabalhar permanentemente", reiterou, reforçando a necessidade de diálogo, compreensão e capacidade de decisão conjunta.

Assinalando que os países da União Europeia estão ainda a enfrentar a pandemia e que Portugal assume a presidência neste contexto, Charles Michel apelou à importância de haver mobilização e união entre a Comissão Europeia e os vários governos.

"É preciso controlar o vírus para que seja realmente dominado", afirmou.
Recuperação é "renovada esperança"
As prioridades apontas por António Costa "estão alinhadas" com os "objetivos a médio e longo prazo na União Europeia".

Na ótica do presidente do Conselho Europeu, a recuperação económica é "uma renovada esperança", na possibilidade de termos capacidade para mobilizar meios financeiros.

Além disso, Michel referiu ainda que tanto a transição climática como a digital são mudanças que se prevê que sejam implementadas nesta presidência portuguesa.

"O acordo climático é a nossa maior ambição", afirmou. "A Europa tem a possibilidade de abraçar o desafio climático".

Quanto ao pilar social, Charles Michel afirma que "é a Europa das pessoas, que pertence às pessoas".

"Este projeto visa colocar na linha da frente a vida dos cidadãos europeus. A Europa não é só um projeto financeiro, é um projeto de valores", rematou.

Referindo-se à terceira prioridade, a uma Europa global, o Presidente do Conselho Europeu disse que é a Europa " que se apodera do seu prórpio destino e que utiliza todos os seus recursos para devolver a 150 milhões de europeus a capacidade de se inovar, de se expressar e exprimir as suas posições a nível internacional para garantir a sua segurança".

"Esta ambição pressupõe também que a União Europeia tenha de ser um parceiro comprometido a nível da cooperação internacional", acrescentou Michel, sendo "esta a chave para se abraçar novos desafios".

Portanto, Charles Michel considera que "temos uma agenda bastante ambiciosa", mas que Portugal e a União Europeia partilham os mesmo valores.

Charles Michel mostrou-se confiante no trabalho com António Costa, sublinhando estar "extremamente feliz" por saber "desde já que partilhamos com fortíssima convicção nos valores europeus, no território da União Europeia".

"Estamos no mesmo barco e temos esta convicção fortissíma", disse ainda, acrescentando que "este é o momento decisivo para fazer avançar a Europa".
Costa pede menos ansiedade com vacinas
Adiante o primeiro-ministro advertiu, em resposta aos jornalistas, que é preciso moderar a ansiedade dos cidadãos em relação às vacinas contra a Covid-19, salientando que o plano de vacinação abrange 450 milhões de europeus e "acompanhará todo o ano de 2021".

"Termos conseguido assegurar que as vacinas eram distribuídas a todos os Estados-membros, de acordo com a sua população, foi um momento fundamental de aproximação entre a Europa e os cidadãos", explicou António Costa.

"Toda a gente pode ter acesso à vacina, simultaneamente e de forma justa".

Questionado sobre a possibilidade de as doses de vacinas já encomendadas pela Comissão Europeia não chegarem para as necessidades da população europeia, até porque algumas das multinacionais contratadas não têm ainda as vacinas aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento, o primeiro-ministro defendeu que "é preciso ter-se consciência do momento que se está a viver na história da humanidade".

"Nunca como agora esteve em curso um processo de vacinação em que só na Europa serão vacinados 450 milhões de pessoas. É preciso que se compreenda que nem se produzem num dia 450 milhões de doses, nem se administram num dia 450 milhões de doses. Este é um processo que vai acompanhar todo o ano de 2021", advertiu o chefe do Executivo português.

Em relação ao calendário de vacinação previsto pela Comissão Europeia, António Costa referiu que "pode sofrer alterações, seja porque as empresas não conseguem aumentar a capacidade de produção, ou porque podem registar-se problemas ao longo do processo de produção".

"Temos de saber gerir a nossa ansiedade. Percebo bem que todos estejam fartos desta ameaça da Covid-19", observou.

O primeiro-ministro português elogiou depois a ação da Comissão Europeia em matéria de vacinação, apontou que cada Estado-membro tem "a liberdade de poder definir o seu próprio plano de vacinação" e manifestou-se confiante de que todos os Estados-membros procuram fazer o melhor possível para conseguir atingir objetivos.

"O grosso da vacinação vai ocorrer no segundo e terceiro trimestres deste ano, mas o plano desenvolve-se ainda até ao primeiro trimestre do próximo ano. É preciso ter consciência de que a descoberta da vacina, a sua posterior produção, compra, distribuição e inoculação não se faz num dia", avisou.

Neste ponto, António Costa reforçou que este processo de vacinação "requer método, terminação e execução".

Antes, em resposta a uma anterior pergunta, já o primeiro-ministro tinha afirmando que ele, tal como outros líderes políticos europeus, "estão a fazer figas" para que a Agência Europeia do Medicamento aprove mais vacinas contra a covid-19.

"Mas, nessa aprovação, sabemos que o critério fundamental é o da segurança", acrescentou.
Costa desvaloriza caso do procurador europeu
Questionado pelos jornalistas sobre a controvéria em torno da nomeação de José Guerra para procurador europeu, o primeiro-ministro considerou o caso "irrelevante" para a presidência portuguesa da União Europeia, ao passo que o presidente do Conselho Europeu manifestou confiança em Portugal.

Questionado sobre as consequências do facto de o Governo português ter enviado, em 2019, para a União Europeia dados incorretos sobre o currículo profissional de José Guerra, depois nomeado procurador europeu, António Costa desvalorizou.

"Não foi um tema abordado nesta reunião e creio que não tem qualquer relevância para a presidência portuguesa, nem para a forma como a presidência portuguesa vai decorrer", respondeu.

Perante esta pergunta, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmou: "A questão do procurador não foi abordada, mas posso garantir-vos que temos total confiança em Portugal para levar a bom cabo a presidência".

"Esse assunto não foi evocado", acentuou Charles Michel.

Quanto às migrações, António Costa diz que Portugal vai trabalhar para ser, simultaneamente, "fronteira externa da União Europeia, um país de larga tradição de emigração, um país que tem sido referenciado pelas boas práticas de imigração e de integração de migrantes para dar o nosso melhor, para ajudar a unir os 27 em torno de um tema central da Europa".
Formato de cimeira com África aguarda decisão africana
O formato de uma eventual cimeira com África não pode ser decidido apenas pela União Europeia (UE), sendo necessário esperar pela decisão dos líderes africanos, sublinhou ainda o presidente do Conselho Europeu, em Lisboa.

"Devemos esperar agora que as autoridades africanas se pronunciem sobre o formato. Não podemos decidir sozinhos sobre o formato", disse Charles Michel em resposta aos jornalistas na conferência de imprensa conjunta com o primeiro-ministro português.

Charles Michel recordou que chegou a estar prevista uma reunião com a União Africana (UA) para meados de dezembro, "mas a Covid-19 tornou essa reunião impossível e foi adiada".

Agora aguarda-se "o que as autoridades africanas têm a dizer sobre o momento e o formato em que tal reunião poderá acontecer".

O presidente do Conselho Europeu sublinhou, porém, que, "mais importante do que o formato é o objetivo" dessa cimeira.

"A UE está muito empenhada com o conjunto dos países africanos, porque temos muito a fazer em comum, nomeadamente estimular os investimentos, apoiar a estratégia de desenvolvimento sustentável para África, desenvolver as parcerias operacionais", enumerou.

Charles Michel adiantou ainda que existe um "acordo político de princípio" para "relançar o debate sobre a questão da dívida dos países africanos", que se tornou mais premente em contexto de pandemia.
Europa mais social é vacina contra populismos
O primeiro-ministro considerou também que a existência de avanços no pilar social da União Europeia, que é uma das prioridades da presidência portuguesa, é essencial para combater os populismos e responder "aos medos" dos cidadãos.

Questionado sobre a tradicional oposição de Estados-membros europeus mais liberais (casos da Irlanda ou da Holanda) a um aprofundamento de regras de caráter social na União Europeia, o primeiro-ministro português defendeu a importância da cimeira social prevista para 7 de maio no Porto, onde se procurará um compromisso comum em torno do pilar social.

"No dia seguinte, no dia 8 de maio, também no Porto, haverá um Conselho informal, onde será trabalhada uma declaração que reafirme o compromisso de todos os Estados-membros no sentido de desenvolver este pilar social - um pilar que não vale por si só, mas que deve ser encarado como uma base sólida para dar confiança a todos os cidadãos", reagiu António Costa.

De acordo com o primeiro-ministro, a União Europeia enfrenta os desafios das transições climática e digital "e ninguém deve ficar para trás".

"O medo é aquilo que mais alimenta o populismo. Se queremos combater o populismo de forma eficaz, temos de dar confiança aos cidadãos - confiança perante aquilo que são os receios", sustentou.

No presente, António Costa apontou a Covid-19 como o principal receio manifestado pelos cidadãos, razão pela qual o processo de vacinação em curso na União Europeia "é fundamental".

"Mas há também outros receios. As pessoas têm receio que com a digitalização o seu posto de trabalho seja ocupado por um robô, e têm medo de que com a transição climática haja impacto em indústrias tradicionais como a do automóvel. Temos também de nos vacinar contra esses medos", argumentou.

Para António Costa, uma das vacinas contra o medo passa pela existência "de um pilar social forte" na União Europeia, que dê prioridade "às qualificações e às requalificações dos cidadãos".

"Temos de investir na inovação para que haja maior competitividade, mas também tem de haver proteção alargada para que ninguém fique para trás e todos participem na sociedade do futuro, que se pretende mais sustentável do ponto de vista ambiental e mais digital", acrescentou.

Do programa da visita de Charles Michel constou, além da reunião de trabalho com António Costa, uma breve visita ao Mosteiro dos Jerónimos, local onde foi assinado o Tratado de Adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, em 1985, e o espetáculo inaugural da presidência portuguesa, com um concerto da Orquestra Sinfónica Portuguesa, conduzido pela maestrina Joana Carneiro.
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