EUA, árabes e Israel unidos em Varsóvia contra o Irão

por Graça Andrade Ramos - RTP
Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos, em Varsóvia, Polónia, a 14 de fevereiro de 219 Reuters

Duas notas marcam a importância da cimeira desta quinta-feira em Varsóvia que, sob influência dos Estados Unidos, representados ao mais alto nível, pretendia acima de tudo isolar o Irão na cena internacional.

Por um lado, a presença pacífica de Israel ao lado dos ricos Estados Árabes sunitas do Golfo, como a Arábia Saudita, o Kuwait, Oman, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain - nenhum dos quais reconhece o Estado hebreu. Por outro, o crescente distanciamento dos Estados Unidos das estratégias políticas internacionais da União Europeia.

Ambas resultam da nova estratégia de Washington para o Médio Oriente - em vez da utilização de tropas no terreno, garantir influência através da diplomacia e ação por procuração, via potências aliadas.

Esta mudança implica fazer o jogo dos seus aliados árabes e isolar o Irão, um regime muçulmano xiita bem implantado, cuja influência e aliança com a Rússia concorre diretamente com os interesses de Washington e dos países muçulmanos sunitas na região.

Em troca, as potências árabes aceitaram esbater diferenças com Israel, outro inimigo de Teerão, seguindo o velho adágio "os inimigos do meu inimigo, meus amigos são".

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, saudou mesmo "um ponto de viragem histórico" para uma aliança contra o regime iraniano dos Ayahtolas. A cimeira foi importante porque os Árabes e outros líderes "se sentaram com Israel de forma a prosseguir com o interesse comum de guerra com o Irão" - uma declaração impetuosa, temperada depois pela diplomacia israelita.

Deste objetivo decorre o distanciamento entre Washington e Bruxelas.
Ataque a Bruxelas
Depois da obtenção em 2015, do Acordo para o Programa Nuclear do Irão, que recolocou Teerão na cena internacional após longos anos de isolamento, as potências europeias lançaram-se numa série de negócios e de acordos de desenvolvimento com os iranianos.

Resistem agora a qualquer pressão para voltar a isolar o regime xiita e recusam seguir os EUA na decisão de denunciar o acordo.

França e Alemanha, nem sequer enviaram delegações de alto nível a Varsóvia, e não esconderam o seu ceticismo perante uma iniciativa sobre o Médio Oriente que excluiu Teerão. Só o Reino Unido enviou o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, e Jeremy Hunt foi apenas falar dos problemas do Iémen, tendo abandonado a cimeira antes dos principais eventos.Esta quinta-feira, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, acusou assim na Polónia os poderes europeus de enfraquecerem a pressão de Washington sobre o Irão, ao tentar subverter as sanções impostas pela Administração Trump contra Teerão.

"Infelizmente, alguns dos nossos principais aliados europeus não têm sido tão cooperantes", lamentou. "De facto, lideraram o esforço de criação de mecanismos para contornar as nossas sanções".

"É um passo insensato que só irá fortalecer o Irão, enfraquecer a UE e distanciar ainda mais a Europa e os Estados Unidos", avisou Pence.

O vice-presidente referia-se ao mecanismo financeiro desenvolvido pela França e pela Alemanha, que permite a troca de petróleo e gás iranianos por produtos europeus.

Este mecanismo irá ter efeitos limitados, já que os próprios diplomatas que o desenvolveram reconhecem que será utilizado apenas para trocas de, por exemplo, produtos humanitários ou alimentos, autorizados por Washington.
Irão "sem defensores"
As palavras de Pence provocaram alguma urticária nas delegações europeias. "Discordamos veementemente", afirmou um diplomata de uma das potências europeias, à agência Reuters. "Queremos empurrar o Irão para bons resultados e não queremos empurrar o Irão para fora dos seus compromissos nucleares", explicou.

A realização da cimeira na Polónia foi outra alfinetada de Washington a Bruxelas, que acusa o atual Governo nacionalista polaco de tentar por freio à independência judicial e à liberdade de expressão.

Esta sexta-feira, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, é esperado em Bruxelas para uma reunião com Federica Mogherini, a líder da diplomacia da União Europeia. Em conferência de imprensa, Pompeo reconheceu a existência de diferenças entre ambos quanto à pressão a exercer sobre o Irão, mas sublinhou a unanimidade, incluindo por parte dos europeus, de que Teerão é uma ameaça global.

"Digo-o com toda a clareza, precisamos de mais sanções, de mais pressão sobre o Irão", afirmou. "Não existia um único defensor do Irão na sala. Nenhum país. Nenhum país se levantou para negar os factos básicos que apresentamos sobre o Irão, a ameaça que coloca, a natureza do regime".

Na Cimeira sobre o Médio Oriente participaram 60 países, exceção feita ao próprio Irão, à Rússia e aos Palestinianos.
Resposta oficiosa de Teerão
O encontro ficou marcado por protestos no local da Cimeira, da diáspora iraniana contra o regime de Teerão, exigindo "mudança". A manifestação, organizada pelo Conselho Nacional de Resistência no Irão, levantou ao alto bandeiras iranianas e cartazes contra a repressão política que grassa na República Islâmica.

O ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Javad Zarif, que já dissera há dois dias que a cimeira estava "morta à partida", descreveu esta quinta-feira o encontro como "o circo de Varsóvia" e disse não ser coincidência que o Irão tenha sido atingido por um ataque terrorista no sudoeste.

"Especialmente quando coortes dos mesmos terroristas o aplaudem nas ruas de Varsóvia e o apoiam através de perfis automáticos no Twitter. Os Estados Unidos parecem fazer sempre as mesmas escolhas erradas, mas esperam resultados diferentes", comentou Zarif, na rede Twitter.

O ministro referia-se ao atentado suicida contra membros da influente Guarda Revolucionária do Irão, que fez 25 mortos entre os seus membros, quarta-feira, o primeiro dia dos trabalhos da cimeira.

em Sochi, na Rússia, onde se reuniu com os seus homólogos russo e turco, Vladimir Putin e Tayyip Erdogan, o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, referiu-se à cimeira de Varsóvia como "vazia e sem resultados".
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