Críticas severas aos EUA em cimeira tensa sobre a Síria

por Graça Andrade Ramos - RTP
Hassan Rouhani, Presidente do Irão (esq), Vladimir Putin, Presidente da Rússia (ctr) e Recep Tayyip Erdogan, Presidente da Turquia, na cimeira em Sochi, Rússia, de 14 de fevereiro 2019, sobre a Síria. Reuters

Rússia e Irão de mãos dadas quanto à Síria, Turquia de pé atrás. Putin, Rouhani e Erdogan, mostraram-se optimistas após se reunirem em Sochi, Rússia. Houve, contudo, sinais de tensão.

Os líderes das três potências regionais mostraram-se unidos no desejo de que a saída militar dos EUA da Síria, anunciada pelo Presidente Donald Trump, se dê em breve.

Só que Moscovo e Ancara não se entendem quanto ao uso do vazio criado por essa retirada, já que têm objetivos diferentes para a região de Idlib, na fronteira com a Turquia.

Moscovo quer que o seu aliado, o Presidente sírio al Assad, recupere o controlo da totalidade do seu território. Ancara quer que ele deixe o poder, e rédea livre para intervir militarmente na região para combater as milícias armadas curdas sírias.

Por isso, se Hassan Rouhani apoiou de imediato os planos de Vladimir Putin para acabar em conjunto e de forma concreta com o "viveiro de terroristas" na província norte da Síria, dizendo que os terroristas "não devem ser deixados à vontade", Erdogan manteve silêncio, sem se comprometer.
"Passo positivo"

"O nosso ponto de vista comum é que a realização desta etapa [a retirada dos EUA] seria um ponto positivo que iria ajudar a estabilizar a situação", disse o Presidente russo, Vladimir Putin, durante a conferência de imprensa que encerrou o encontro.

Compassivo, Putin sublinhou que Trump está a tentar "cumprir promessas eleitorais", mas nem sempre o consegue devido a "questões políticas internas". Não deixou de  lamentar apesar disso a falta de sinais concretos "que apontem para uma retirada das tropas norte-americanas da Síria".

Erdogan, um aliado dos EUA na NATO, anunciou então a possibilidade da retirada norte-americana da Síria ocorrer em abril ou maio de 2019, mas acrescentou que a agenda permanece fluida.

As críticas mais severas a Washington vieram aliás do Irão, alvo por sua vez de uma outra cimeira em curso na Polónia, convocada pelos EUA para tentar isolar Teerão na cena internacional.

Em Sochi, o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, considerou esta cimeira de Varsóvia, "vazia e sem resultados".
Paz duradoura na Síria
Rouhani suspirou mesmo por uma "mudança de estratégia dos EUA na região", afirmando que a presença norte-americana na Síria e noutros países não é útil.

"A Síria necessita de paz duradoura e de estabilidade", afirmou, apoiando também medidas propostas por Moscovo para estabilizar a região de forma a "garantir a segurança da Turquia".Rouhani acusou ainda as Nações Unidas de falta de medidas "tangíveis" na Síria para restaurar a paz e a segurança.

"A cimeira em Sochi foi muito útil e construtiva para restaurar a paz e a segurança na Síria, na região e no mundo", referiu, enquanto recomendava que fossem "os sírios, incluindo os curdos, quem deveria decidir o seu futuro na Síria".

Esta é uma opinião de Rouhani certamente não subscrita pelo Presidente turco. Recep Tayyip Erdogan ameaçou em ocasiões recentes intervir militarmente em território sírio para dispersar as milícias curdas YPG, que considera terroristas e aliadas do PKK, o grupo de resistência turco que Ancara combate há décadas.
Turquia na corda bamba
"Não devíamos suportar a presença de grupos terroristas em Idlib", disse Putin a Erdogan e a Rouhani no início da cimeira.

"É por isso que proponho que consideremos passos práticos e concretos, que a Rússia, a Turquia e o Irão possam dar para destruir completamente este viveiro de terroristas", acrescentou.

O Presidente russo, talvez para pressionar Erdogan, lembrou também que a zona desmilitarizada acordada entre ambos em 2018 para Idlib, com o objetivo de limpar a província de armas pesadas e de combatentes jihadistas, é uma solução "temporária".

Moscovo tem-se aliás queixado de Ancara não ter cumprido a sua parte desse acordo, o que permitiu às milícias armadas afetas ao grupo islamita da ex-Frente al Nusra ganhar o controlo de quase toda a zona no início do ano.
Ameaça velada de Moscovo
Estas são, contudo, milícias que a Turquia tem abrigado na sua luta contra Assad, o que lhe permite manter influência na área de forma a combater as YPG.

Uma ofensiva sírio-russa para limpar Idlib, como pretende Putin, não serve os interesses de Ancara, pouco interessada também em receber no seu território uma nova vaga de refugiados dos combates com os islamitas.

As pretensões turcas de estabelecer uma "zona de segurança" em Idlib receberam mesmo um balde de água muito fria por parte de Moscovo, esta quinta-feira, com um recado direitinho a Erdogan.

A criação de tal "zona" depende do consentimento de Assad, disse uma porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo.

"A questão da presença de um contingente militar sob as ordens de um terceiro país no território de um país soberano e especialmente a Síria, deve ser decidida diretamente por Damasco", referiu Maria Zakharova. "Essa é a nossa posição base".
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