Turquia ameaça EUA: atacaremos se atrasarem retirada da Síria

por Graça Andrade Ramos - RTP
Soldados turcos em operações em Afrin, Síria, em março de 2018, pelo controlo da região Reuters

Depois do discurso inflamatório do Presidente Reccep Tayyip Erdogan, terça-feira, Ancara agravou a retórica contra os Estados Unidos da América, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros.

Mevlut Cavusoglu afirmou, numa entrevista, que a Turquia não depende da retirada das tropas americanas estacionadas na Síria para lançar as operações militares que já tem planeadas contra as milícias curdas-sírias YPG.

A ameaça responde às exigências norte-americanas de proteção das YPG, suas aliadas na luta contra o grupo Estado Islâmico.

Washington quer garantias de que Ancara irá deixar as milícias em paz, mas o Governo turco recusa qualquer compromisso, já que considera as YPG como "terroristas".

O braço de ferro entre os dois aliados da NATO, EUA e Turquia, coincide com a assinatura, esta quinta-feira, de um acordo de cessar fogo na província síria de Idlib, entre os extremistas islâmicos do Hayat Tahrir al-Cham (HTS) afetos à al Qaeda, e os rebeldes, apoiados pela Turquia, da Frente Nacional para a Libertação (FNL).

O acordo seguiu-se a dias de combates ferozes entre os combatentes das duas alianças, que vitimaram numerosos civis. Deu ao HTS o controlo efetivo de toda a região e é um revés para a Turquia, que em 2017 se aliou à Rússia para garantir ali uma zona tampão, sem combates.
"Não precisamos da licença de ninguém"
Mevlut Cavusoglu não comentou, na entrevista desta quinta-feira ao canal de televisão NTV, a conquista de Idlib por parte dos jihadistas, em detrimento das forças rebeldes que Ancara apoia no conflito sírio.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia preferiu assestar baterias contra os Estados Unidos.

"Se a retirada [dos EUA] se atrasar com desculpas ridículas, como os turcos massacrarem os curdos, o que não corresponde à realidade, iremos implementar esta decisão", prometeu Cavusoglu.

"Estamos determinados no terreno e à mesa. Iremos decidir a sua calendarização e não iremos pedir licença a ninguém", frisou.

Ancara considera as YPG e a sua ala política, o Partido Curdo da União Democrática (PYD), como "terroristas" e aliados dos combatentes do Partido dos Trabalhadores de Curdistão, o PKK, cuja existência foi proibida. Condenou desde o início a relação militar estabelecida pelos Estados Unidos com as YPG.

Cavusoglu diz que Washington está agora "nas mãos" dos curdos. "É difícil romper com uma organização terrorista após se envolver a este nível com ela", explicou.

O afastamento entre Washington e Ancara mostra-se paralelo à aproximação da Turquia à Rússia e ao Irão, ambos aliados do governo sírio de Bashar al-Assad e velhos rivais dos interesses dos EUA.

Mevlut Cavusoglu revelou mesmo esta quinta-feira que os líderes da Turquia, da Rússia e do Irão se irão reunir novamente ainda este mês numa cimeira tripartida.

Os ministros dos Negócios estrangeiros do Irão, Rússia e Turquia, num encontro sobre a Síria em Genebra, a 18 de dezembro de 2018 Foto: Reuters

O Presidente Erdogan assumiu já que, após a retirada norte-americana da Síria, e enquanto detentora do segundo maior exército da NATO, a Turquia irá substituir os Estados Unidos na garantia dos "interesses internacionais" no Médio Oriente.
Resposta americana
A Administração Trump não dá mostras de se impressionar com as ameaças turcas.

Numa visita quarta-feira ao Iraque, no âmbito de um périplo pelo Médio Oriente, o responsável pela diplomacia norte-americana não se poupou nas declarações.

Mike Pompeo afirmou não só que a retirada morte-americana se fará independentemente da retórica de Ancara, como prometeu proteção aos curdos.

"É importante fazermos tudo o que pudermos para garantir que aqueles que combateram connosco sejam protegidos e Erdogan assumiu compromissos, percebe isso", declarou.

Ancara nega a existência de tais compromissos por parte do seu Presidente, já que não dá garantias a terroristas.
Declaração de independência
Em dezembro de 2018, o Presidente dos EUA, Donald Trump, prometeu retirar as 2.000 tropas norte-americanas estacionadas na Síria, "em 30 dias". A Turquia decidiu então suspender o lançamento das suas operações contra as YPG.

Desde então, o calendário da retirada americana tem sido revisto e o próprio Trump recuou, afirmando que a retirada se irá fazer afinal de forma "prudente" e oportuna.

O conselheiro para a Segurança Nacional de Trump, John Bolton, precisou por seu lado que, com ou sem retirada da Síria, os Estados Unidos exigiam à Turquia garantias de que não iria atacar as milícias curdas.

A resposta de Ancara a Bolton foi afirmar que o planeamento das operações militares contra as YPG junto à sua fronteira com a Síria está praticamente pronto, seguindo-se uma espécie de declaração de independência por parte de Erdogan e repetida agora por Cavusoglu, ao prometer pôr os seus planos em prática apesar das exigências norte-americanas.
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