EUA. Usar máscara improvisada pode ser perigoso para os negros

por Marcos Celso -RTP
Segurança e pandemia lado a lado Reuters

As recomendações das autoridades de saúde vão no sentido de se cobrir a cara, mesmo que improvisando. Mas, para os americanos negros, isso pode representar o medo de se ser confundido com um assaltante.

Aaron Thomas, um afro-americano, vive em Columbus, Ohio, e confessa num artigo de opinião no Boston Globe: “Entrar numa loja com uma máscara facial pode matar-me!”.

Perante o número crescente de infeções pelo SARS-CoV-2 nos EUA - mais de 1800 pessoas mortes nas últimas 24 horas -, as autoridades sanitárias recomendam à população que se proteja e que improvise. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças pede que as máscaras usadas pelos profissionais de saúde sejam destinadas apenas a uso médico. E, como há falta dessas máscaras no mercado, o Centro aconselha os americanos a usarem outra forma de proteção facial, seja com cachecóis, lenços ou outro tecido que ajude a cobrir narizes e bocas.
A ideia é bem intencionada, mas há quem receie ainda mais essa solução do que o próprio vírus.

“Para mim, o medo de ser confundido com um assaltante ou assaltante armado é maior do que o medo de contrair a Covid-19”, desabafa este americano. Diz que, ao pensar em ir às compras, deu consigo a lembrar-se de que era um “homem negro” e que não poderia entrar numa loja com um lenço cobrindo a maior parte do rosto sem temer pela própria vida.

"Confio nas orientações do CDC. Mas o meu medo de ser confundido com um ladrão armado é maior que o meu medo de Covid-19", sublinha Aaron Thomas.

 “Para onde podemos ir, como podemos aparecer, o que podemos vestir, o que podemos dizer - isso nunca acaba”. 
  
A pandemia volta a fazer emergir os receios de muitos que vivem numa América onde as questões raciais surgem mesmo em tempos difíceis, como é o caso da Covid-19. Muitos dos afro-americanos lamentam situações que classificam ser de ódio e fanatismo num país em que – entendem - “são julgados, condenados e sentenciados por raça, género, orientação sexual e classe”.

As estatísticas referem que, em algumas regiões, são os americanos negros os mais atingidos pela atual pandemia. Alguns especialistas sugerem que são os fatores sociais a influenciar e a determinar que isso seja dessa forma, devido a casos de pobreza e, em particular, por falta de acesso aos cuidados de saúde.

Covid-19 acorda questões raciais e socias

Há relatos nos EUA de um aumento da discriminação anti-asiática, uma vez que a Covid-19 surgiu em Wuhan, na China.

Nos Estados Unidos, a questão da discriminação racial tornou-se ainda mais atual com o surgimento desta pandemia. O distanciamento social aconselhado pelos médicos é visto como “um luxo” de alguns, pois as classes mais desfavorecidas têm de se deslocar nas ruas para trabalhar. Logo, estão mais sujeitas a serem infetadas.

Mesmo num dia de compras, a questão torna-se uma realidade, como refere Aaron Thomas.

 “Não acredito que possa entrar em uma mercearia com o rosto coberto e não ser incomodado. Não confio que não serei seguido. Não acredito que me seja permitido existir na minha pele negra e poder comprar mantimentos ou outras necessidades sem um confronto e sem ter de explicar a minha intenção e a minha presença. Não acredito que usar uma máscara improvisada me permita voltar para minha casa.”
São sentimentos que tornam ainda mais difícil o combate à pandemia. Num momento em que a união e o respeito devem ser o mais importante nas relações humanas, vem ao de cima o receio de que seja ainda mais visível aquilo que marca negativamente a sociedade atual. Deseja-se que seja a exeção e não a regra. 
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