Ex-polícia assassino de Sarah Everard condenado a prisão perpétua

por Graça Andrade Ramos - RTP
Sarah Everard, raptada, violada e assassinada por Wayne Couzens em marçode 2021 MET/Reuters

Wayne Couzens vai passar o resto da vida atrás das grades, a pena mais pesada da justiça inglesa, por ter não só raptado, violado e assassinado Sarah Everard, mas igualmente por ter realizado estes crimes enquanto agente da polícia metropolitana de Londres, a MET.

Esta última consideração da sentença cria jurisprudência no Reino Unido. A condenação a prisão perpétua tinha sido aplicada até agora em casos de duplo homicídio, rapto e assassínio de uma criança e assassínio de um agente da polícia. O assassínio de Sarah abalou e comoveu todo o país, com diversas manifestações e contestação ao papel da MET a marcarem os meses seguintes à sua morte.

Reagindo à decisão judicial, a família de Sarah Everard afirmou que “nada pode melhorar, nada pode trazê-la de volta, mas saber que ele irá ficar detido para sempre traz algum alívio. A Sarah morreu inutilmente e de forma cruel e todos os anos de vida que ela ainda ia desfrutar foram-lhe roubados”.

“Wayne Couzens era uma pessoa de confiança enquanto agente da polícia e estamos revoltados e enojados que ele tenha abusado desta confiança de forma a atrair a Sarah para a morte. O mundo é um lugar mais seguro com ele atrás das grades”, acrescentaram os familiares da vítima.

“A Sarah morreu há quase sete meses e a dor da sua perda é devastadora. Sentimos constantemente a sua falta. Ela era uma mulher linda, na aparência e como pessoa e as nossas vidas estão mais pobres sem ela”, lamentaram.

Nenhum castigo que venha a sofrer irá alguma vez comparar-se à dor e tortura que nos infligiu”, afirmou o pai de Sarah, Jeremy, perante Couzens em pleno tribunal.

“A ideia do que Wayne Couzens fez à Sarah agonia-me. Revolta-me que ele tenha assumido ser polícia de forma a conseguir o que queria”, afirmou por seu lado a mãe da vítima.
O que sucedeu a Sarah
Entretanto demitido da MET, Wayne Couzens, de 48 anos, admitiu os factos, ocorridos em março passado.

O ex-polícia usou a sua identificação e autoridade para deter Sarah, de 33 anos, que caminhava sozinha na rua à noite a 3 de março, algemando-a e forçando-a a entrar no seu carro, sob o falso pretexto de que ela estava a desrespeitar o confinamento decretado devido à pandemia de Covid-19.

Couzens violou Sarah e estrangulou-a depois com o cinto do uniforme policial, acabando por queimar o corpo. Os restos mortais foram encontrados em Ashford, Kent, quase a 100 quilómetros do sudeste de Londres, numa zona arborizada uma semana depois do seu desaparecimento. Imagens captadas por câmaras de vigilância na altura da falsa detenção e o testemunho de um casal ajudaram a condenar Couzens.

O caso provocou um intenso debate na sociedade inglesa sobre a falta de segurança sentida por mulheres sobretudo à noite e sobre o papel da MET na proteção de crianças e mulheres.

A investigação revelou que Wayne Couzens tinha sido condenado por duas vezes por exposição indecente antes de assassinar Everard.

Várias vozes, sobretudo oriundas do Partido Trabalhista, têm exigido a demissão de Cressida Dick, a primeira mulher a chefiar a MET, de forma a abrir caminho à revisão da corporação e à suspensão imediata dos agentes culpados de agredir mulheres.

“As mulheres precisam de confiar que a polícia existe para garantir a sua segurança, não para as colocar em risco”, escreveu a deputada trabalhista Harriet Harman numa carta enviada a Dick. “As mulheres precisam de confiar na polícia, não temê-la”.

A chefe da MET apresentou desculpas formais à família de Everard e quarta-feira afirmou em comunicado sentir-se “enojada, zangada e devastada” pelos crimes de Couzens.
Agravantes da sentença
Nas suas declarações finais, o lorde juiz Fulford que presidiu ao julgamento disse ao ex-polícia que os seus crimes feriram os familiares e amigos da vítima e a sociedade em geral, destroçaram os mais próximos de Sarah e danificaram a confiança do público na polícia, além de trair a sua própria mulher e dois filhos e de ter alimentado o medo sentido pelas mulheres. “O senhor fez aumentar consideravelmente o sentido de insegurança que muitos sentem nas nossas cidades, talvez particularmente as mulheres, quando andam sozinhas e especialmente à noite”, afirmou.

Vários factos agravaram os crimes e ditaram a sentença de prisão perpétua, explicou ainda o juiz.

O motivo principal centrou-se no abuso de autoridade para cometer os crimes, implicando que estes equivaleram para o tribunal a um assassínio por motivos terroristas.

“Não tenho a menor dúvida de que o acusado abusou da sua posição enquanto agente da polícia para, a coberto de um pretexto absolutamente falso, coagir a vítima a entrar no carro que havia alugado com este motivo. É extremamente provável que ele tenha sugerido a Sarah Everard que ela havia violado as restrições de deslocação impostas durante aquela altura da pandemia”, considerou Fulford.

Sarah Everard foi uma vítima completamente inocente de uma série de crimes executados de forma grotesca que culminaram na sua morte e abandono do seu corpo”, acrescentou o magistrado.

Os crimes foram ainda planeados meticulosamente, com premeditação. Fulford afirmou que Couzens passou um mês a preparar os crimes.

“A vítima foi raptada, ocorreu a conduta sexual mais grave, o acusado foi responsável por infligir sofrimento mental e físico considerável à vítima antes da sua morte e ocultou e tentou destruir o corpo”, referiu o juiz.

Apesar de o réu ter admitido a culpa pelos crimes, “não mostrou suficiente contrição”, considerou ainda.
Jurisprudência
Couzens, de fato azul-marinho e de cara coberta por uma máscara, ouviu a sentença de pé, de olhos fechados e cabeça baixa, visivelmente abalado. Após as conclusões, o ex-agente foi levado por dois polícias para fora do tribunal, integrando a partir desta quinta-feira um grupo de 60 pessoas condenadas à prisão perpétua em Inglaterra e no País de Gales.

Foi a primeira vez que o abuso de uma posição de autoridade enquanto agente policial foi invocado para condenar alguém a prisão perpétua em Inglaterra, facto que poderá a partir de agora servir de base a outras condenações judiciais no país.

Fulford explicou a sua decisão, ao referir que “o polícia está numa posição única, essencialmente diferente de qualquer outro funcionário público. Têm poderes de coerção e de controlo que caem numa categoria excecional”.

O magistrado sublinhou esperar que a polícia use estes poderes no interesse público sob pena de diminuir a confiança o primado da lei e da ordem. “Se isso é afetado, uma das garantias duradouras da lei e ordem neste país fica inevitavelmente em perigo”, disse.

A meu ver, o abuso do papel de um agente de polícia como o que ocorreu neste caso para raptar, violar e assassinar uma vítima sozinha equivale em gravidade a um assassínio levado a cabo com o móbil de impor uma causa política, religiosa, racial ou ideológica”, justificou Fulford.

“Todas estas situações atacam aspetos diferentes das bases fundamentais do nosso modo de vida democrático. É este fator vital que, do meu ponto de vista, torna a seriedade deste caso excecionalmente elevada”, rematou.
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