Fraude ou bio-terrorismo. O mistério das sementes enviadas da China

por RTP
Imagens de envelopes contendo sementes, alegadamente enviados da China para os EUA, divulgadas a 28 de julho de 2020 pelo Departamento de Agricultura de Maryland Lusa - EPA

As autoridades de pelo menos oito Estados norte-americanos têm estado a ser alertadas para o envio, não solicitado, de envelopes com sementes para os seus cidadãos. O Departamento da Agricultura dos EUA, USDA, avisou quem as receber que não deve planta-las, devido aos riscos envolvidos. Em vez disso, as sementes deverão ser colocadas em sacos de plástico selados até serem entregues às autoridades competentes.

Os serviços agrícolas estaduais já começaram a recolher as sementes, para as analisar e determinar se serão um perigo ambiental ou agrícola, enquanto autoridades desde Washington até à Virgínia, recomendaram aos seus cidadãos que não as plantem no solo, uma vez que poderão desenvolver-se plantas invasoras que podem revelar-se uma ameaça a colheitas ou a animais autóctones. Não se sabe exatamente quando começaram os envios nem quantos envelopes foram já distribuídos. Os relatos oficiais começaram a surgir na semana passada.

Imagens, difundidas pelos departamentos agrícolas de Estados tão diversos como Washington, Virginia, Utah, Kansas, Louisiana e Arizona, mostram os envelopes, brancos ou amarelos, com sementes de vários tamanhos, formatos e cores.

Alguns estavam etiquetados como joias, ou 'anel', com caracteres aparentemente chineses e semelhantes aos utilizados pelos serviços postais oficiais da China.

Pequim solicitou esta terça-feira a devolução dos envelopes e prometeu uma investigação quanto à origem dos envios.

"A importação ou envio de sementes de plantas são proibidas, ou aceites apenas sob dadas condições, pelos países membros da União Postal Universal", frisou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China.

Wang Wenbin acrescentou, durante uma conferência de imprensa, que "os Correios da China seguem intransigentemente as recomendações da UPU e proíbem o envio de sementes por via postal."

"Os serviços postais dos Estados Unidos encontraram recentemente pacotes de sementes com etiquetas de morada aparentemente enviadas a partir da China", referiu Wenbin. Após uma "verificação" com os serviços de correios chineses, percebeu-se que tais etiquetas "se revelaram falsas, com configurações e verbetes incorretos", garantiu.

"O Correios da China já contactaram os USPS, solicitando o envio dos envelopes falsos para a China, para serem investigados", revelou ainda o porta-voz.
Bio-terrorismo...
O USDA iniciou já a sua própria investigação, em cooperação com os serviços aduaneiros norte-americanos e de Segurança Interna, para averiguar a proveniência dos envelopes.

Os governos de Washington e de Alabama, entre outros, consideraram estes envios como "contrabando agrícola".

O mistério surge numa altura em que as tensões entre China e os Estados Unidos se agravaram e a hipótese de uma ameaça deliberada é também equacionada.


Ryan Quarles, comissário para a Agricultura do Kentucky, Estado que recebeu vários destes pacotes, sublinhou o perigo que estas sementes podem significar.

"Não sabemos o que são e não podemos arriscar qualquer dano à produção agrícola dos Estados Unidos", afirmou, depois de aconselhar quem recebeu as sementes a não as plantar".

"Temos o mais seguro, o mais abundante abastecimento alimentar do mundo e precisamos mante-lo assim. Neste momento não temos informação suficiente, para saber se é uma aldrabice, uma partida, uma fraude de internet ou um ato de bio-terrorismo", afirmou.

"Sementes não solicitadas poderão ser invasoras e passar patologias desconhecidas às plantas locais, causar danos à nossa pecuária e ameaçar o meio ambiente", acrescentou Quarles.
... ou fraude de internet
Responsáveis do Departamento da Agricultura dizem não ter para já provas de que o fenómeno seja algo mais do que uma "fraude promocional", através da qual um vendedor envia por correio algo que as pessoas não encomendaram, para depois publicar falsos dados sobre clientelas e promover as vendas.

Segunda-feira, o Departamento da Polícia de Whitehouse, Ohio, publicou uma fotografia de um pacote de sementes entregue recentemente e escreveu que, depois de alguma pesquisa, "parece que estas sementes estão relacionadas com uma fraude online conhecida como varrimento."

"Uma fraude de varrimento", explicou o mesmo departamento policial, "é uma tática usada por um vendedor para aumentar os índices do produto e aumentar a sua visibilidade online, através do envio de um produto barato para um recetor inocente, e depois apresentar avaliações positivas por parte deste, como sendo um cliente real".

"Apesar de não parecer perigoso, preferíamos apesar de tudo que as pessoas nos contactassem, para tratarmos das sementes da forma apropriada", recomendou ainda a polícia de Whitehouse.

O diretor da Divisão para a Industria de Plantas, da Carolina do Norte, Phill Wilson, afirmou que, "de acordo com o Gabinete para Melhores Empresas, terceiros utilizam a morada e informação da Amazon para gerar falsas vendas e criticas positivas para impulsionar as avaliações dos seus produtos".
Centenas de britânicos também receberam
Além dos norte-americanos, centenas de jardineiros do Reino Unido afirmaram estar a receber igualmente pacotes de sementes etiquetados como 'brincos' e oriundos da China e da Malásia, de acordo com o Daily Mail.

O jornal afirma que associações de horticultores publicaram avisos para que estas sementes não sejam plantadas, depois de "centenas" de jardineiros britânicos terem recebido entregas não solicitadas alegadamente enviadas da China.Os pacotes foram enviados a clientes que tinham anteriormente comprado sementes de forma legítima, através de sites como a Amazon e o eBay.

Os jardineiros ficaram estupefactos ao receber as encomendas, não pagas, identificadas como 'pétalas' ou 'brincos', talvez para evitar controlos alfandegários.

Em Dronfield, Derbyshire, a dona de um salão de beleza, Sue Westerdale, de 63 anos, foi uma das contempladas.

"Devido ao confinamento, muitas pessoas, que nunca o tinham feito, começaram a plantar as suas próprias hortas ou jardins de ervas", referiu. "Muitas delas desconhecem os melhores sítios para comprar sementes, sobretudo numa altura em que os centros de jardinagem estão fechados, por isso encomendaram através da Amazon", acrescentou.

Foi o seu caso. "Eu e o meu marido encomendamos sementes de vários fornecedores através da Amazon, todas alegadamente oriundas do Reino Unido", explicou. "Mas recebemos uma pacote com quatro sementes de courgette num envelope manuscrito da Sérvia, e pouco depois recebemos este saco da China que dizia 'brincos', com grandes sementes pretas".

Ao contar o caso numa página do Facebook britânico sobre jardinagem, Sue Westerdale foi bombardeada com mensagens de "centenas de pessoas a dizer que lhes tinha acontecido o mesmo".
"Coloquem-nas em lugar seguro"
O Departamento da Agricultura da Carolina do Norte, que recebeu na semana passada inúmeras participações de cidadãos devido aos envelopes, difundiu um comunicado de imprensa a alertar os residentes que receberam as misteriosas sementes para "não as plantarem, pois poderão ser uma via para a introdução de espécies invasoras, de insetos e de patologias vegetais".

Richard Ball, comissário para a Agricultura do Estado de Nova Iorque, referiu em comunicado segunda-feira que o seu gabinete também recebeu "algumas" questões de residentes que receberam os "pacotes não solicitados alegadamente enviados da China e etiquetados como contendo joalharia mas que na verdade continham sementes".

Ball recomendou que quem quer que receba estes pacotes "os coloque num lugar seguro longe de crianças e de animais" e envie de imediato um e-mail ao USDA para o endereço erich.l.glasgow@usda.gov, com o nome completo e contacto telefónico, imagens do pacote "e qualquer outra informação relevante".

Os serviços aduaneiros e postais norte-americanos já receberam ordens para interceptar estes envelopes e pacotes, evitando que cheguem ao destino.
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