Gaza à beira de completar seis meses de conflito sem paz à vista

por Graça Andrade Ramos - RTP
Gaza. Conflito entre Israel e o Hamas dura há seis meses Reuters

Completam-se este domingo, 7 de abril, seis meses desde a invasão do sul de Israel pelo grupo islamita palestiniano Hamas, ação sem precedentes marcada por atrocidades e violações em massa, que provocaram 1200 mortos israelitas e deram origem a uma ofensiva militar esmagadora por parte de Israel sobre a Faixa de Gaza.

Apesar de todas as iniciativas internacionais e da catátrofe humanitária gerada, o avanço de Israel não dá sinais de abrandar. Também o Hamas recusa libertar os reféns feitos a 7 de outubro de 2023, condição exigida pelos israelitas para o cessar-fogo.

Em seis meses, a guerra causou 33.137 mortos, incluindo 12.300 crianças, e 75.000 feridos, só na Faixa de Gaza, segundo o Ministério da Saúde do Hamas. Israel sustenta que a maioria das vítimas são combatentes do grupo palestiniano, a quem acusa ainda de usar os civis como "escudos humanos" e as infraestruturas hospitalares e escolares do enclave como bases militares.

O conflito está a revelar a inoperacionalidade do Conselho de Segurança das Nações Unidas, pela falta de cumprimento das resoluções que as Nações Unidas conseguiram aprovar neste período, e do Secretário-geral da ONU, António Guterres, que tem multiplicado apelos a um cessar-fogo urgente e imediato, mas também alertas de catástrofe humanitária.

Apelos que não só foram amplamente ignorados pelas partes em conflito, como valeram duras críticas a Guterres e à própria ONU por parte de Israel, que acusa o ex-primeiro-ministro português e a organização multilateral de "parcialidade".

A guerra já levou à morte de um número recorde de funcionários da ONU, sobretudo ligados à Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (UNRWA), que Israel acusou estar na verdade ao serviço do Hamas. Até 30 de março, mais de 170 trabalhadores da UNRWA haviam sido mortos, com Israel a ser acusado de visar deliberadamente funcionários da ONU nos seus ataques.

Apenas em novembro de 2023, uma curta trégua de uma semana resultou na libertação de cerca de 100 reféns em troca de 240 prisioneiros palestinianos. As sucessivas rondas de negociação de cessar-fogo, que envolvem o Catar, o Egito e os Estados Unidos, além de Israel e do Hamas, têm-se revelado infrutíferas.
"Ausência de proporcionalidade"
Uma das maiores críticas feitas internacionalmente a Israel prende-se com a catástrofe humanitária provocada pela destruição de todas as infraestruturas da Faixa de Gaza e o encerramento dos postos de auxílio humanitário.

Vive-se fome generalizada no enclave e faltam cuidados de saúde básicos, num ambiente que lembra uma "carnificina", tal como retrataram quarta-feira várias ONG que estão no terreno, como os Médicos Sem Fronteiras (MSF).

"O problema é a ausência de proporcionalidade, a forma como as forças israelitas atingem os hospitais e os trabalhadores humanitários, sob o argumento de atingir o Hamas e outros grupos armados. Não restam praticamente hospitais, a destruição do Al-Shifa, o maior de Gaza, também não foi surpresa porque estava a ser sistematicamente atacado. Uma guerra contra toda a população, também pela privação de alimentos", indicaram os MSF.

O avanço de Israel está nos dias finais no sul da Faixa de Gaza, sobretudo em torno de Rafah, 
localidade junto à fronteira com o Egito para onde a guerra empurrou grande parte da populaçáo palestiniana que fugiu dos combates a norte.

O Cairo ergueu uma barreira de vários metros de altura, para impedir a entrada no seu território de refugiados oriundo de Gaza e Rafah tem agora seis vezes mais população que a original.

Sem possibilidades de acolhimento, as ruas de Rafah estão cheias de lixo, os alojamentos são precários, as crianças vivem sem condições mínimas, sem ir à escola desde outubro. Cerca de 90 por cdnto das escolas foram danificadas e muitas abrigam pessoas desalojadas.
Ponto de "viragem"
Europa e Estados Unidos criticam abertamente a postura intransigente do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, em aceitar um fim do conflito, mas continuam a fornecer-lhe armamento de forma incondicional.

Do lado oposto, Irão e Rússia têm manifestado um maior cuidado no apoio declarado ao Hamas e às milícias a ele associados, com Teerão a preocupar-se sobretudo com o apoio ao movimento xiita libanês Hezbollah, de forma a tentar dispersar as tropas israelitas no conflito.

Israel parece ter chegado a uma encruzilhada: pela primeira vez, o Presidente norte-americano Joe Biden instou o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu a implementar um cessar-fogo "imediato", assim como a proteção de civis e trabalhadores humanitários, sob pena de perder o apoio dos Estados Unidos no que toca a Gaza,

O aviso veio em resposta ao triplo bombardeamento de uma equipa de voluntários estrangeiros da World Central Kitchen [WCK], em que seis estrangeiros (dos quais um norte-americano) morreram e que causou uma enorme onda de contestação internacional. Uma mensagem "nunca antes vista" que pode sugerir um ponto de viragem no conflito, diz à Lusa Randa Slim, investigadora sénior do Middle East Institute (MEI) sediado em Washington.

"[O ataque aos trabalhadores da WCK] foi o ponto de inflexão. É trágico que tenha sido necessária a morte de seis pessoas ocidentais para acordar a consciência das pessoas de que mais de 30.000 palestinianos morreram, mas esta foi a gota de água para o fim do apoio incondicional de Biden", diz a investigadora.

com Lusa
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