Gaza. Comandante israelita envolvido na morte de trabalhadores humanitários defendeu bloqueio da ajuda

por RTP
O ataque de 1 de abril vitimou sete trabalhadores humanitários da organização não-governamental World Central Kitchen. Foto: Ahmed Zakot - Reuters

Uma investigação divulgada esta semana pelo jornal The Telegraph expõe o plano subscrito por um dos comandantes das Forças de Defesa de Israel responsável pela morte de sete funcionários da ONG World Central Kitchen. Nochi Mandel, entretanto demitido de funções, subscrevia em janeiro uma carta aberta onde defendia que Gaza deveria deixar de receber apoio humanitário.

Foi o comandante com o posto mais elevado a ser demitido na sequência do ataque com drones que vitimou sete trabalhadores humanitários da organização não-governamental World Central Kitchen a 1 de abril.

Agora, sabe-se que em janeiro último este mesmo comandante assinava uma carta aberta onde apelava a um “cerco” da cidade de Gaza com restrições da ajuda humanitária até que os reféns detidos pelo Hamas fossem libertados.

O coronel Nochi Mandel defendia, juntamente com outros 130 oficiais e comandantes na reserva, que o fluxo de ajuda para Gaza fosse restringido.

A missiva foi enviada a 20 de janeiro para o Gabinete de Guerra israelita e ao chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel. Implorava para que se fizesse todos os possíveis para não permitir “abastecimentos humanitários e a operação de hospitais dentro da cidade de Gaza”.

O objetivo, defendem, seria sitiar aquela área até que os reféns ainda nas mãos do Hamas, em Gaza, fossem devolvidos.

“Tanto quanto entendemos é permitido e legal, de acordo com as leis dos conflitos armados, impor um cerco a uma determinada área, com a condição de que os cidadãos que nela se encontrem tenham acesso a corredores de retirada”, acrescenta a carta citada pelo Telegraph.

Michael Mansfield, um importante advogado britânico, defende agora que esta carta deve ser considerada pelas autoridades que estão a investigar a morte dos trabalhadores humanitários.
Nochi Mandel é filho de um sobrevivente do Holocausto. Vive em Gush Etzion, um aglomerado de colonatos israelitas na Cisjordânia ocupada.
“O documento é claramente relevante para um determinado estado de espírito. (…) Por outras palavras, não indica que o alvo do Exército israelita seja principalmente o Hamas, mas sim Gaza como um todo, ao usar como arma a ajuda [humanitária] em condições de cerco”, considera.

“Aqueles que inevitavelmente vão sofrer e correm o risco de morte como resultado serão necessariamente civis não combatentes, médicos, mulheres, crianças, os feridos e aqueles que são responsáveis por levar ajuda, como aconteceu com os sete que morreram”, acrescenta, citado pelo jornal britânico.

Embora as IDF tenham concluído a sua investigação, está em curso um inquérito judicial para determinar se devem ser apresentadas acusações criminais contra os envolvidos no ataque aéreo que vitimou os trabalhadores humanitários.

A investigação interna já realizada pelas Forças de Defesa de Israel concluiu que esse ataque com drones foi “um erro grave” e que constituiu uma “grave violação dos comandos e dos procedimentos operacionais padrão” do exército israelita.

Na ofensiva de 1 de abril morreram sete membros da World Central Kitchen com cidadania australiana, polaca, britânica, palestiniana e ainda um cidadão com dupla nacionalidade norte-americana e canadiana.

Na semana passada, na sequência deste ataque, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, assinalava a morte de pelo menos “196 trabalhadores humanitários” em seis meses de guerra, dos quais “175 funcionários das Nações Unidas”.
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