Israel admite "erro grave" no ataque em Gaza que matou trabalhadores humanitários
O exército israelita admitiu esta quarta-feira ter cometido um "erro grave" após um ataque que matou sete funcionários da ONG World Central Kitchen na Faixa de Gaza, uma tragédia que causou consternação internacional.
Na terça-feira, o presidente israelita Isaac Herzog já tinha apresentado "sinceras desculpas" e "profunda tristeza" pelo ataque, que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu descreveu como "não intencional" e "trágico". A ONG norte-americana World Central Kitchen, uma das poucas que ainda opera no território palestiniano devastado por quase seis meses de guerra entre Israel e o Hamas palestiniano, anunciou a "suspensão das suas operações na região" na sequência do ataque de segunda-feira em Deir al-Balah (centro).
Vários países e organizações, incluindo a ONU, que denunciou o ataque como "desrespeitoso do direito humanitário internacional", condenaram-no como o mais mortífero a atingir trabalhadores humanitários internacionais desde o início da guerra a 7 de outubro. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, revelou na terça-feira que estava "indignado" e "de coração partido", afirmando que Israel "não estava a fazer o suficiente" para proteger os voluntários que ajudam a população palestiniana "esfomeada".
I am outraged and heartbroken by the deaths of seven humanitarian workers from World Central Kitchen, including one American, in Gaza yesterday.
— President Biden (@POTUS) April 3, 2024
Incidents like yesterday’s simply should not happen.
Here is my full statement. pic.twitter.com/Nl2jq8wqTt
"Isto é inaceitável. Mas é o resultado inevitável da forma como a guerra está a ser conduzida", observou o secretário-geral da ONU, António Guterres, reiterando o apelo a um cessar-fogo imediato, à libertação dos reféns e à entrada de ajuda humanitária em Gaza.
The devastating Israeli airstrikes that killed @WCKitchen personnel yesterday bring the number of aid workers killed in this conflict to 196 – including more than 175 members of our own @UN staff.
— António Guterres (@antonioguterres) April 2, 2024
This is unconscionable.
A morte dos sete membros da World Central Kitchen eleva o número total de trabalhadores humanitários mortos neste conflito para 196, "incluindo mais de 175 funcionários da ONU", acrescentou.
Indignação internacional
A WCK afirmou estar "devastada" pela morte dos membros da sua equipa, "heróis" cujos nomes, fotografias e nacionalidades publicou no X durante a noite: Saifeddine Issam Ayad Aboutaha, 25 anos, palestiniano; Lalzawmi (Zomi) Frankcom, 43 anos, australiano; Damian Sobol, 35 anos, polaco; Jacob Flickinger, 33 anos, americano-canadiano, bem como John Chapman, 57 anos, James (Jim) Henderson, 33 anos e James Kirby, 47 anos, britânicos.
“These are the heroes of WCK. These 7 beautiful souls were killed by the IDF in a strike as they were returning from a full day's mission. Their smiles, laughter, and voices are forever embedded in our memories.” - Erin Gore, CEO. Read more: https://t.co/4f38RQ1l4I pic.twitter.com/neAsSzKVP5
— World Central Kitchen (@WCKitchen) April 2, 2024
"Estou desolada e chocada com o facto de nós, a World Central Kitchen e o mundo, termos perdido belas vidas hoje devido a um ataque seletivo das forças israelitas", acrescentou a presidente, Erin Gore.
Desde o início da guerra, a WCK tem participado em operações humanitárias, fornecendo refeições no território palestiniano, onde a maioria dos cerca de 2,4 milhões de habitantes está ameaçada de fome, segundo a ONU. Em meados de março, ajudou a enviar o primeiro navio de ajuda humanitária de Chipre para Gaza através de um corredor marítimo.
Os Estados Unidos, aliados históricos de Israel, apelaram a uma investigação "rápida e imparcial". O Reino Unido convocou o embaixador israelita na terça-feira para expressar a sua "condenação inequívoca".
O primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, afirmou esta quarta-feira que tinha transmitido a Netanyahu a "raiva" do povo australiano "perante esta tragédia".
Na segunda-feira, um correspondente da AFP viu cinco corpos e três passaportes estrangeiros junto aos restos mortais das vítimas. Os corpos dos seis ocidentais deverão ser levados esta quarta-feira para o posto fronteiriço de Rafah, com vista ao seu repatriamento, revelou Marwan al Hams, diretor do hospital Abu Najar, nesta cidade que faz fronteira com o Egito.Cerca de 33 mil mortos em Gaza
Desde o início da guerra, várias ONG que operam em Gaza afirmaram que os seus colaboradores ou instalações foram atingidos por ataques israelitas.
Devido à dificuldade de levar ajuda humanitária por terra para o território sob bloqueio israelita, um primeiro navio de ajuda humanitária chegou a Gaza a partir de Chipre em meados de março.
Com o objetivo de destruir o Hamas, Israel lançou uma campanha de intensos bombardeamentos aéreos sobre Gaza, seguida de uma ofensiva terrestre que permitiu aos seus soldados avançar de norte a sul da pequena faixa de terra.
Rasto de destruição em Al Shifa
Na segunda-feira, após 18 dias de operações, as tropas israelitas retiraram-se do complexo hospitalar de Al Shifa, em Gaza, deixando para trás um rasto de destruição e cadáveres.
O exército declarou ter "matado mais de 200 terroristas e detido mais de 900 pessoas" e acusou o Hamas, considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia, de utilizar o hospital como "centro de comando".
A Defesa Civil de Gaza, dirigida pelo Hamas, registou 300 mortes no hospital e nas suas imediações devido às operações israelitas."A condenação e a denúncia não são suficientes face aos crimes que continuam na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém", afirmou na terça-feira o novo primeiro-ministro da Autoridade Palestiniana, Mohammed Mustafa.
Na madrugada de quarta-feira, o Ministério da Saúde do Hamas afirmou que 60 pessoas tinham sido mortas na Faixa de Gaza nas últimas 24 horas.
Em Jerusalém, pela quarta noite consecutiva, as famílias dos reféns detidos em Gaza e os opositores ao governo de Netanyahu reuniram-se à porta do Parlamento para manifestar a sua indignação face à política do primeiro-ministro.
"Estão a fazer uma campanha contra mim, contra as famílias dos reféns, viraram-se contra nós. Chamam-nos 'traidores' quando o traidor é Netanyahu, um traidor do seu povo, dos seus eleitores, do Estado de Israel", gritou Einav Zangauker, cujo filho é refém em Gaza.