Governante alemã apelida Xi de "ditador" e agrava tensão com Pequim

por Cristina Sambado - RTP
Annalena Baerbock esteve em Pequim em abril Suo Takekuma - Reuters

A diplomacia da China apontou baterias a Berlim, depois de a ministra alemã dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, ter apelidado Xi Jinping de “ditador”. Uma acusação que vem agravar a tensão entre os dois países.

Annalena Baerbock fez as declarações numa entrevista à Fox News, na passada semana, durante uma visita aos Estados Unidos.

Quando questionada sobre a invasão russa da Ucrânia, a chefe da diplomacia alemã afirmou: “Se Putin ganhar esta guerra, que sinal daria a outros ditadores do mundo, como Xi, o presidente chinês?”.

No domingo, o Governo chinês convocou a embaixadora alemã, Patricia Flor, para protestar contra os comentários de Annalena Baerbock, revelou um porta-voz do Ministério alemão dos Negócios Estrangeiros à CNN.

Já o Ministério dos Negócios Estrangeiros da China afirmou que Pequim estava “fortemente insatisfeita” com os comentários de Annalena Baerbock e que se “oponha firmemente”.A questão sobre as observações de Annalena Baerbock e a resposta de Mao não constam da transcrição oficial da conferência de imprensa, publicada mais tarde na página oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O Governo de Pequim omite frequentemente conteúdos que considera sensíveis.

Os comentários feitos pela Alemanha são extremamente absurdos, violam seriamente a dignidade política da China e são uma provocação política”, afirmou o porta-voz do MNE chinês, Mao Ning, em conferência de imprensa na segunda-feira.

Annalena Baerbock, que vem dos Verdes, tem pressionado Berlim a adotar uma postura mais dura em relação a Pequim, especialmente nas questões dos Direitos Humanos e de Taiwan.

Em agosto, afirmou a um grupo de reflexão australiano que a China representava um desafio para os "fundamentos da forma como vivemos juntos neste mundo".

Um discurso foi objeto de um comentário incisivo do jornal estatal chinês Global Times, que a acusou de "difamar a China" e de ter "preconceitos profundamente enraizados" contra o país.

Em abril, durante uma visita a Pequim, Baerbock avisou que qualquer tentativa da China de controlar Taiwan seria inaceitável. E acusou ainda a China de se estar a tornar, cada vez mais, um rival sistémico do que um parceiro comercial e concorrente.

Anteriormente, já tinha descrito aspetos de uma viagem à China como "mais do que chocantes" e sublinhado que Pequim se estava a tornar cada vez mais um rival sistémico do que um parceiro comercial.Relação delicada
Berlim tem uma relação delicada com Pequim, o seu maior parceiro comercial, algo que tem suscitado debates internos na Alemanha, particularmente no rescaldo da invasão da Ucrânia pela Rússia. A guerra na Ucrânia expôs a dependência alemã em relação ao gás russo e os críticos da política externa alemã referem vulnerabilidades semelhantes na sua relação com a China.

As relações agravaram-se mais depois de Pequim recusar condenar a invasão da Ucrânia e de prosseguir uma crescente parceria com Moscovo, além da postura militar chinesa em relação a Taiwan e ao Mar do Sul da China. Decisões que provocaram o alarme e endurecimento das atitudes de vários países europeus face ao Executivo de Xi Jinping.
Xi já foi mais vezes acusado de ser “ditador”
Esta não é a primeira vez que Pequim mostra sensibilidade em relação à forma como líderes estrangeiros se referem a Xi Jinping – o líder mais assertivo da China numa geração que centralizou fortemente o poder e que está quase a completar um ano do seu terceiro mandato de cinco anos.

Em junho, o presidente norte-americano, Joe Biden, também se referiu a Xi como “ditador”, o que provocou uma forte reação de Pequim.

Na altura, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da China criticou os comentários de Biden, afirmando que “contradizem seriamente os factos básicos e violam seriamente a etiqueta diplomática”.

Em 2000, o antecessor de Xi, Jiang Zemin, também se opôs a ser apelidado de “ditador” numa troca de palavras com o jornalista norte-americano Mike Wallace no programa 60 Minutes, da CBS.

"Quer dizer que sou uma ditadura?", respondeu em inglês um Jiang aparentemente surpreendido, que, no meio de gargalhadas, classificou a descrição como "um grande erro".

"Falando com toda a franqueza, não concordo com o facto de eu ser um ditador", frisou. "A sua maneira de descrever como são as coisas na China é tão absurda como as Noites da Arábia".

Jiang, que morreu com 96 anos em 2022, é recordado por muitos chineses como um símbolo de uma era passada, quando a China era considerada mais livre e menos ideológica, sob um sistema conhecido como "liderança coletiva".

Este sistema refere-se a um acordo de partilha de poder entre as elites políticas introduzido pelo líder supremo Deng Xiaoping para restaurar a estabilidade após a turbulenta ditadura do presidente Mao Tsé-Tung.

No entanto, desde que chegou ao poder há uma década, Xi Jinping desmantelou esse modelo e regressou a algo que se assemelha muito mais a um governo unipessoal.
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