Homicídios aumentaram nos Estados Unidos em 2020, revela FBI

por RTP
Reuters

O número de homicídios nos Estados Unidos aumentou quase 30 por cento em 2020, o maior aumento registado em apenas um ano no país, de acordo com dados oficiais do FBI. Embora desde 1960 não haja um aumento tão elevado de assassinatos, a ocorrência de crimes graves diminuiu no ano passado.

De acordo com os dados oficiais do Departamento Federal de Investigação (FBI na sigla em inglês), divulgados na segunda-feira, em 2020 registaram-se 21.570 homicídios em diversas cidades norte-americanas. Comparativamente a 2019, houve mais 4.901 assassinatos nos Estados Unidos em apenas um ano, ou seja, mais 30 por cento do que no ano anterior.

Não havia um aumento tão acentuado desde a década de 1960, quando começaram a ser recolhidos e analisados os dados oficiais de criminalidade no país. Foi registado em várias cidades norte-americanas.

Segundo os primeiros números oficiais e consolidados a partir de dados de cerca de 16 mil das 18 mil agências de segurança no país, o aumento dos homicídios, particularmente marcado a partir de junho de 2020, abrange todo o território dos EUA, apesar de a Louisiana se manter no topo dos Estados com mais assassinatos.

Os especialistas em criminalidade referem que este aumento significativo coincidiu aproximadamente com os 18 meses da pandemia da Covid-19. A taxa de homicídios continuou, aliás, a aumentar em 2021, embora o ritmo tenha diminuído nos últimos meses, com o alívio das restrições.

Já a taxa de crimes violentos - que inclui assassinatos, agressão, roubo e violação - aumentou cerca de cinco por cento no ano passado, apesar de os crimes contra a propriedade continuarem a diminuir, registando-se uma queda de oito por cento em relação a 2019.
Crimes aumentaram percentualmente em cidades menos populosas
Como explicou ao New York Times o consultor Jeff Asher, embora seja o maior aumento das últimas seis décadas, a taxa de homicídios ainda está abaixo dos picos históricos da década de 1990. Contudo, o especialista em criminalidade referiu que os números de 2020 mostram que o problema se tornou muito mais generalizado.

"Nos anos 1990, Nova Iorque e Los Angeles eram palco de 13,5 por cento de todos os assassinatos a nível nacional. No ano passado, registavam menos de quatro por cento", disse. "Portanto, agora está muito mais disperso do que nos anos 90".

Conforme revelam os últimos dados do FBI, os homicídios aumentaram mais em termos percentuais em cidades com populações entre as dez mil e as 25 mil pessoas do que em cidades com cerca de um milhão de habitantes.

"Subiu mais de 30 por cento em ambos, mas foi um pouco pior em termos percentuais em cidades mais pequenas", confirmou Asher. "Foi mau em todo o país".

A maioria dos crimes violentos registados no ano passado envolveu o uso de armas de fogo, tendo sido cometidos quase 77 por cento dos assassinatos com algum tipo de arma. O número de crimes com armas de fogo tem aumentado nos últimos anos, mas foi a primeira vez que ultrapassou os 75 por cento.
Pandemia aumentou criminalidade?
O relatório do FBI não explora o que poderá ter proporcionado o aumento ou a diminuição de vários crimes. Mas os especialistas consideram que há vários fatores que contribuem para as variações anuais, e a crise provocada pela Covid-19 e as consequências do assassinato de George Floyd provavelmente são algumas das causas para ter aumentado tanto a taxa de homicídios em 2020.

Embora o número de cerca de 21.500 pessoas assassinadas no ano passado ainda esteja abaixo do recorde estabelecido durante a violência do início da década de 1990, várias cidades, como Albuquerque, Des Moines, Indianápolis, Memphis, Milwaukee e Syracuse, registaram o maior número de homicídios de sempre, indica o relatório.

Não há uma explicação simples para o aumento acentuado, havendo vários fatores que podem estar a impulsionar a violência, incluindo a crise social e económica causado pela pandemia e um grande aumento da compra de armas.

"É uma tempestade perfeita", afirmou Harold Medina, chefe do Departamento de Polícia de Albuquerque, apontando a Covid-19, a precipitação de protestos de justiça social e outros fatores que podem ter contribuído. "Não há apenas um fator que podemos apontar para explicar o que está a acontecer".

De facto, a venda de armas disparou durante a pandemia, assim como os tiroteios.

Os homicídios em 2021 já aumentaram cerca de dez por cento em relação a 2020, em 87 cidades, acrescentou ainda Asher, que considera que a pandemia teve um papel significativo neste aumento, provocando "stress económico e social" e criando um clima de incerteza e mal-estar. Milhões de norte-americanos perderam o emprego, negócios e, em alguns casos, as casas por causa da pandemia. O sentimento generalizado de desespero ajudou a alimentar a fricção social e o crime. Além disso, muitas pessoas também enfrentaram traumas por perder familiares devido à infeção.

"As pessoas estão desesperadas e não têm muitas opções, então voltam-se para a violência como uma forma de resolver as coisas", disse Enrique Cardiel, um organizador comunitário e profissional de saúde pública no bairro com o maior número de mortes em Albuquerque.

Ao mesmo tempo, os departamentos de polícia às vezes trabalhavam com um número reduzido de polícias disponíveis por causa das quarentenas durante a pandemia, o que limitava os serviços públicos, como aconselhamento de saúde mental, e agravava os problemas.

"Toda a gente no país está a sofrer de uma pequena síndrome traumática pós-Covid e ninguém sabe o que vai acontecer", explicou também Peter N. Winograd, professor emérito da Universidade do Novo México que trabalha como consultor para o Departamento da Polícia de Albuquerque.

Os protestos que eclodiram após o assassinato de George Floyd por um polícia, em Minneapolis, também foram um fator importante em 2020.

Por um lado os especialistas consideram que a polícia, sob intensa vigilância e estando desmoralizada, se desleixou em alguns aspetos na prevenção de crimes. Por outro lado, pode ter havido uma diminuição do respeito pela polícia que levou mais pessoas a tentar fazer justiça pelas próprias mãos.

"A desconfiança da polícia, a moral baixa entre os agentes, o facto de a polícia estar menos proativa" foram fatores que também contribuíram, continuou Winograd.

Há ainda outros fatores mais habituais, como a combinação de drogas, dinheiro e armas, que já há muito tempo é um dos motivos para mortes violentas entre jovens.

"Muitos destes casos são de pessoas afetadas pela pobreza e problemas de saúde mental e pelo vício de drogas, e que acabam a resolver muitas das disputas com armas de fogo", disse Liz Thomson, que costumava supervisionar as investigações de homicídio para o Departamento de Polícia de Albuquerque.
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