Itália em suspenso. Partidos populistas vitoriosos mas sem soluções à vista

por Andreia Martins - RTP
Matteo Salvini, líder do Liga, partido conotado com a extrema-direita, que foi uma das forças mais votadas no domingo. EPA

Uma nova dor de cabeça para a Europa. O resultado inconclusivo que saiu das eleições gerais em Itália, realizadas este domingo, promete longas semanas de negociação entre os vários partidos, que não conseguiram alcançar uma maioria. Num escrutínio marcado pela ascensão dos movimentos populistas, eurocéticos e de extrema-direita - e pelo recuo dos partidos tradicionais, o que já motivou o pedido de demissão de Matteo Rezni -, o euro e as principais bolsas europeias refletem a incerteza.

Triunfo do Movimento 5 Estrelas, crescimento exponencial da Liga, colapso no Partido Democrático, mas nenhum dos partidos ou coligações tem maioria para governar. É este o cenário deixado pela votação de domingo. Os resultados combinados da coligação de centro-direita (entre eles a Liga, Forza Italia) são de cerca de 36 por cento contra os 23 por cento da coligação de centro esquerda. O Movimento 5 Estrelas obteve quase 33 por cento e o Liberi e Uguali, um partido de esquerda, não chegou aos 4 por cento.O Partito Democratico e o Forza Italia, dois partidos tradicionais da política italiana, foram os grandes derrotados das eleições. Matteo Renzi apresentou a demissão da liderança do PD esta manhã.

“Di Maio vence. Itália ingovernável” é a manchete desta segunda-feira do diário italiano La Stampa. De facto, o partido anti-establishment liderado por Luigi di Maio obteve um resultado inédito, alcançando cerca de 32 por cento no Senado (com 115 senadores em 315) e na Câmara dos Representantes (231 deputados em 630).

Tendo sido o partido mais votado, o movimento populista criado por Beppe Grillo em 2009 deverá ser incontornável em qualquer solução governativa. “Ninguém será capaz de governar sem o Movimento 5 Estrelas. Vamos assumir a responsabilidade de construir este governo de uma forma diferente, em diálogo com todos os partidos sobre o que este país precisa”, disse Riccardo Fraccaro, um dos responsáveis do partido mais votado.

“É um dia bonito, apesar da chuva. Esta é uma data histórica”, afirmou Di Maio às primeiras horas da noite eleitoral de domingo.

Ao olhar para o mapa político que resulta destas eleições, o Movimento 5 Estrelas é dominante na região sul, enquanto as forças de direita como a Liga e o Forza Italia lideram na região norte.

Um dos derrotados inesperados da noite é Silvio Berlusconi. O magnata, antigo-primeiro-ministro, viu o seu Forza Italia ser ultrapassado pela Liga, partido de extrema-direita, eurocético, conhecido como Liga Norte até estas eleições, que conseguiu alcançar 18 por cento dos votos. O partido anti-imigração conotado com a extrema-direita já recebeu felicitações dos parceiros europeus da Frente Nacional ou do UKIP.
Salvini reclama vitória
Na primeira reação a estas eleições, o líder Matteo Salvini considera que a Liga “tem o direito e o dever de governar”, que a coligação de centro-direita “venceu” e que os mercados “não têm nada a temer”. Considera que a adesão à moeda única foi “um erro”, mas que seria “impensável” fazer um referendo sobre a questão.

Na primeira intervenção após as eleições, o líder da Liga afasta a possibilidade de coligação com o Movimento 5 Estrelas, assumindo-se como líder da força de centro-direita com que concorreu às eleições e que promete não abandonar.

Num concerto onde era esperado que o Forza Italia de Silvio Berlusconi alcançasse mais votos – que, na impossibilidade de assumir o cargo de primeiro-ministro, havia sugerido para o cargo o atual presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani - é afinal a Liga que conduz a coligação. “Falo com todos. Mas não vamos apoiar um governo de composição alargada. Não mudo a equipa com a partida a decorrer”, afirmou Matteo Salvini ao final da manhã.

Cenário ainda mais negro nos partidos de centro-esquerda, onde se adensa a crise e o movimento descendente iniciado nas eleições de 2008. O Partido Democrático, no poder desde 2013, ficou abaixo dos 20 por cento mas duas câmaras do Parlamento. No seu conjunto, as várias forças partidárias de centro-esquerda a que o PD pertence não deverão sequer ultrapassar os 25 por cento. Marco Minniti, ministro do Interior, perdeu o lugar na Câmara dos Deputados para o Movimento 5 Estrelas.

O antigo primeiro-ministro Matteo Renzi – que abandonou o cargo em dezembro de 2016 após o fracasso no referendo à reforma constitucional – vai pronunciar-se esta tarde sobre o resultado destas eleições, mas já confirmou a sua demissão após mais um resultado desastroso para a coligação de centro-esquerda que liderava.

A agência Ansa confirma que o secretário-geral, agora demissionário, irá oficializar a decisão esta tarde, às 17h00 (menos uma hora em Lisboa).
Que soluções?
No quadro deixado pela votação de domingo, o Movimento 5 Estrelas e a Liga deverão ser os dois maiores partidos nos dois Parlamentos. As duas forças partidárias podem governar em conjunto com uma maioria confortável, se assim o entenderem. Mas se a Liga, dominante na região norte, mantém as suas convicções anti-União Europeia e contra a moeda única, o Movimento 5 Estrelas, que pintou com as suas cores a região sul da península itálica, tem suavizado a sua posição em relação a Bruxelas, admitindo que o tempo útil para abandonar o Euro já terminou.

“A incógnita sobre o futuro governo está ligada a uma mudança radical na geografia política que poderá transformar a Itália num laboratório europeu inédito, um primeiro gabinete liderado pelos populistas num dos países fundadores da União Europeia”, escreve Francesco Verderami no Corriere della Sera.

Juntos, os partidos populistas e anti-establishment – Movimento 5 Estrelas e Liga - podem ultrapassar 50 por cento dos votos. Matteo Salvini, da Liga, já descartou essa possibilidade de coligação“A Itália está longe de resolver problemas antigos e agora arranjou novos problemas. Preparem-se para negociações longas e complexas, que vão demorar vários meses”, considerou Lorenzo Codogno, antigo economista do Ministério da Economia e das Finanças entre 2006 e 2015.

O Parlamento só vai reunir-se numa nova sessão a 23 de março. Nas mãos do Presidente Sergio Matarella está a aprovação do novo Governo e a indicação de um líder partidário, muito provavelmente o líder do M5, que será responsável por conduzir as negociações.

À imagem do que aconteceu nas eleições alemãs - onde os partidos negociaram durante vários meses desde as eleições de setembro e só no domingo chegaram a acordo definitivo - as conversações entre as forças partidárias italianas poderão prolongar-se no tempo ou até mesmo resultar em novas eleições.

Raffaella Tenconi, uma economista italiana ouvida esta manhã pela agência Reuters, considera que a repetição do escrutínio é pouco provável. “Não acredito que haja uma repetição do voto, porque em Itália (…) eventualmente consegue-se sempre um acordo”, refere.

Entretanto, e apesar das garantias de Salvini, a mera possibilidade de uma coligação entre a Liga e o Movimento 5 Estrelas ou de outra solução governativa que envolva os partidos eurocéticos já está a assustar os investidores e os mercados. O resultado nesta que é a terceira maior economia da zona euro motivou o enfraquecimento do euro neste início de semana.

“O euro começou por ganhar no mercado asiático, talvez devido ao voto na Alemanha [do SPD], mas depois começou a perder quando os resultados de Itália começaram a surgir. É esperado que enfraqueça durante o dia, enquanto os mercados absorvem os resultados nas eleições italianas”, disse o analista Marsahll Gittler em declarações à agência Reuters. Rebecca O’Keeffe, responsável no Interative Investor, admite que os mercados estão nervosos.

“Parece que a Itália deu um passo à direita e escolheu o populismo e a mudança. A complexidade do sistema de voto italiano faz com que seja muito difícil estabelecer o que vai acontecer a seguir, e quando, mas nem o Movimento 5 Estrelas ou a Liga são opções atrativa para os mercados ou para o euro”, nota a responsável em declarações à agência France Presse.
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