Juiz espanhol obriga a vacinar idosa incapacitada apesar de oposição da filha

por Cristina Sambado - RTP
Juan Medina - Reuters

Pela primeira vez em Espanha um juiz ordenou a vacinação de uma idosa incapacitada, apesar da oposição da filha. O tribunal de Santiago de Compostela decidiu, no passado sábado, que a idosa que reside no Centro Residencial de Idosos DomusVi San Lázaro fosse imunizada com a vacina da Pfizer – BioNTech após uma perícia forense favorável. O estado de saúde deve prevalecer sobre a opinião contrária da familiar da residente.

É urgente vacinar uma mulher idosa em tempo de pandemia? Os números de contágio indicam que sim, sabe-se que existe um elevado número de óbitos e a imunização era algo urgente. Poucas coisas são mais urgentes do que salvar uma vida. A ação do tribunal pode ajudar a acelerar? O assunto chegou às minhas mãos na tarde de sexta-feira e a vacinação foi no domingo. Era provável que essa mulher perdesse o comboio”, afirmou o juiz Javier Fraga sobre a urgência da sua decisão pioneira.

Segundo o jornal espanhol El País, a residência de idosos da Galiza pediu para vacinar a idosa na tarde de sexta-feira e o tribunal de Santiago de Compostela assumiu a resposta em tempo recorde. Na manhã de sábado o médico legista divulgou o seu parecer, que confirmou a deficiência da mulher de 84 anos. À tarde, a filha da idosa declarou na Justiça manifestar a sua oposição contra a inoculação e de seguida o juiz emitiu a ordem para vacinar a residente no lar de idosos no dia seguinte, segundo o calendário definido pelas autoridades galegas. No entanto, a vacinação no lar foi adiada e a idosa ainda aguarda a primeira dose.
Se os filhos retirarem a idosa da residência, devem devolvê-la para a primeira dose e novamente 21 dias depois para a segunda dose.

“É verdade que vacinar pode trazer riscos, mas não vacinar também. A epidemia está a alastrar-se e o risco vital é muito significativo, trata-se de balancear os dois riscos e optar pelo mal menor, que para uma pessoa de 84 anos é vacinar-se”, acrescenta o juiz.

Para a segunda dose da vacina, prevista para 21 dias depois, o juiz deixa a porta aberta para cancelá-la somente se existir uma reação adversa. “Esta decisão pode ser desrespeitada caso a pessoa afetada recupere a sua capacidade ou os exames médicos posteriores desaconselhem a administração da vacina.

A filha da mulher, designada como parente de referência na residência, alegou que se opunha à vacinação da mãe por pressão dos irmãos, medo de eventuais reações adversas da vacina e “o fardo da responsabilidade de ter que decidir por outra pessoa”. E defendeu, perante o juiz, que seria “mais sensato” esperar para ver os possíveis efeitos em outras pessoas antes de vacinar a mãe.

No entanto, o magistrado defende que, para evitar “o risco vital” que a pandemia representa para os idosos, eles devem ser imunizados. “Ser vacinado ou não é um risco que deve ser assumido porque não há opções intermédias. Esta situação, a questão reduz-se à pura pesagem de qual o maior risco”, lê-se no auto.

Perante este dilema, o médico legista recordou no seu relatório os ensaios clínicos e a avaliação constante que antecede a imunização da população. “As vacinas são seguras. A maioria das reações são leves e temporárias (…) É muito mais fácil sofrer lesões graves de uma doença evitável por vacina do que por uma vacina (…) Os benefícios da vacinação superam os riscos, e sem vacinas existiriam mais casos de doença e mortes”.

Apesar de a vacinação ter sido marcada para o passado domingo, a idosa continua a aguardar, tal como os restantes residentes na instituição. O lar decidiu fazer um rastreio preventivo antes de proceder à imunização dos residentes.


Desta forma, dado que a decisão era passível de recurso, e a mulher não foi vacinada, os filhos podem recorrer da decisão perante o Tribunal da Corunha.

O presidente do Comité de Bioética de Espanha, Federico de Montalvo, apoia a decisão judicial. “existem dois elementos: a vacina está licenciada e não é experimental, e deve-se presumir que o benefício supera os riscos. E a decisão da representante legal [a filha] atinge a paciente [a idosa] e terceiros e porque protege o interessado e a comunidade”.

“A lei exige que o representante decida apenas em benefício da representada. Ousaria dizer que, sem uma pandemia, uma vacina licenciada não poderia ser rejeitada sem prejudicar uma pessoa incapacitada ou um menor. A capacidade da representante é limitada e por isso não se pode recusar a vacina a uma criança ou um familiar representado”, acrescenta Federico de Montalvo.
Caso pode repetir-se
Apesar de a vacinação ser voluntária, decisões judiciais semelhantes deverão ser proferidas em outras regiões, visto que as residências de idosos em todo o país – um total de 5.542 segundo o Instituto de Idosos e Serviços Sociais – estão a lutar para que os magistrados obriguem os idosos deficientes a serem vacinados apesar da oposição dos familiares.

O Ministério Público de Sevilha já avançou com o seu apoio a dois centros para idosos com recusas de familiares e o Ministério Público de Valência estuda uma dezena de casos.
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