Libertação de Asia Bibi provoca protestos em todo o Paquistão

por Graça Andrade Ramos - RTP
Manifestações em Lahore contra a libertação de Asia Bibi Reuters

O Supremo Tribunal do Paquistão libertou esta quarta-feira Asia Bibi, uma mulher condenada à morte por blasfémia, anulando a sentença após a ilibar das acusações. A decisão, aplaudida pelos defensores dos Direitos Humanos, revoltou os apoiantes de um partido ultra-religioso, que saíram à rua em grandes manifestações.

Asia Bibi, uma trabalhadora rural mãe de cinco filhos, foi condenada a enforcamento por ter alegadamente blasfemado contra o profeta Maomé, quando vizinhas muçulmanas se revoltaram por ela ter bebido água do mesmo recipiente que elas. Exigiram que ela se convertesse ao Islão.

A mulher cristã, condenada à morte a 8 de novembro desde 2010, tem estado detida desde então apesar de sempre ter negado qualquer blasfémia.

Saquib Nasir, juiz que liderou o painel de três magistrados que decidiu pela libertação da mulher, justificou a decisão com citações do Corão, o livro sagrado dos muçulmanos. "A tolerância é o princípio básico do Islão", escreveu, sublinhando que a religião condena a injustiça e a opressão.

"Asia Bibi foi absolvida de todas as acusações", disse o presidente do conselho de juízes na leitura do veredicto do Supremo Tribunal, acrescentando que Bibi seria libertada "imediatamente".

Os juízes consideraram que a acusação tinha "fracassado categoricamente em provar o seu caso além de dúvidas razoáveis". Acrescentaram que o caso se baseava em provas fracas e que uma alegada confissão feita por Bibi tinha sido obtida frente a uma multidão que "a ameaçava de morte".
Cidades paralisadas
Os apoiantes do partido político Tehreek-e-Labaik (TLP), fundado no apoio às leis da blasfémia, têm uma leitura diferente do Corão. Condenaram de imediato a decisão e bloquearam estradas nas principais cidades do Paquistão. Em Lahore a polícia foi mesmo apedrejada.

As manifestações estavam a alastrar a meio da tarde, paralisando áreas de Islamabad, Lahore e outras cidades. Algumas escolas na capital foram encerradas e os alunos mandados mais cedo para casa. Com receio de protestos ao longo de dias muitos residentes fizeram fila para abastecer os seus veículos em bombas de combustível.


Os líderes do TLP apelaram à demissão do novo primeiro-ministro Imran Khan e à morte de Nasir e dos outros dois juízes que reverteram a sentença. "O líder do TLP, Muhammad Afzal Qadri, emitiu um édito que afirma que o juiz e todos os que ordenaram a libertação de Asia merecem a morte", afirmou o porta-voz do partido, Ezra Ashrafi.

A decisão sobre o último recurso de Asia Bibi estava marcada para o 08 de outubro, mas o tribunal tinha adiado a decisão por tempo indeterminado. O impasse provocou a fúria de alguns círculos religiosos que há muito pediam a sua execução.

Por essa razão, a capital do país, Islamabad, foi colocada sob forte segurança, com bloqueio de estradas, nomeadamente nos bairros onde os magistrados vivem e da comunidade diplomática."Decisão histórica"

A acusação e condenação à morte por enforcamento de Asia Bibi, a primeira a ser assim condenada à morte sob as leis de blasfémia do Paquistão, revoltou comunidades cristãs em todo o mundo e dividiu o Paquistão.

Dois políticos que lutaram pela sua libertação, um deles ministro para as minorias e igualmente cristão, foram assassinados.

O advogado de Asia celebrou a decisão do Supremo Tribunal com "ótimas notícias" para o Paquistão.

"Asia Bibi obteve finalmente justiça", disse Saiful Mulook à agência Reuters. "O Supremo Tribunal do Paquistão cumpriu a lei do país e não sucumbiu a qualquer pressão", acrescentou.

Sob a leis da blasfémia no Paquistão, insultar o profeta Maomé é punível com morte e as acusações de blasfémia provocam uma tal resposta emocional que é quase impossível alguém defender-se contra elas. A lei não é precisa quanto às situações em que pode ocorrer a blasfémia e a produção de prova é escassa por receio de ser cometida nova ofensa.

Muitos acusados são muitas vezes assassinados por turbas enfurecidas antes sequer dos tribunais poderem apreciar o caso.

Grupos defensores dos Direitos Humanos dizem que os extremistas religiosos se aproveitam da lei, assim como pessoas que querem ajustes de contas ou ficar com propriedades de outras pessoas, sobretudo cristãos, que compõem dois por cento da população paquistanesa e são alvo de enorme discriminação.

"Esta é uma decisão histórica. Al longo dos últimos oito anos, a vida de Asia Bibi esgotou-se num limbo", reagiu Omar Waraich, vice-diretor da Amnistia Internacional para o Sul da Ásia. "Tem de se espalhar a mensagem de que as leis da blasfémia não podem mais ser usadas para perseguir as minorias mais vulneráveis do país".
Acusada em 2009
No caso de Asia Bibi, os seus advogados afirmam que ela estava envolvida num conflito com os vizinhos e que os seus acusadores entraram em contradição.

Asia, mãe de cinco filhos, foi acusada de blasfémia em 2009, após ter alegadamente insultado o profeta Maomé durante uma discussão com um grupo de mulheres com quem trabalhava.

Em novembro de 2010, um tribunal paquistanês decretou a pena capital, mas a sentença só foi confirmada quatro anos depois pelo Supremo Tribunal de Lahore, capital da província de Punjab, onde ocorreu o incidente.

Em 2011, o ex-governador de Punjab Salman Taseer, que defendia publicamente a causa de Asia Bibi, foi morto a tiro por um dos guarda-costas, Mumtaz Qadri, executado anos depois.

Em julho de 2015 o Supremo Tribunal suspendeu temporariamente a execução da sentença de morte enquanto os juízes examinavam o apelo de Asia Bibi, a pedido dos seus advogados.

A condenação de Asia Bibi mereceu a atenção dos papas Bento XVI e Francisco. O marido, Ashiq Masih, e uma das suas filhas, foram recebidos recentemente pelo Papa Francisco.

c/ Lusa

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