Muçulmanos uighures desafiam ordens de Pequim contra orações
Centenas de muçulmanos ignoraram a interdição das orações de sexta-feira em Urumqi, a capital de Xinjiang, no noroeste da China. As forças de segurança acabaram por permitir a abertura do principal espaço religioso do sector uighure, a Mesquita Branca, mas o receio de novos rastilhos de violência entre muçulmanos e chineses han levou Pequim a impor o recolher obrigatório.
Cinco dias depois dos motins atribuídos à minoria muçulmana, que deram lugar a uma verdadeira caça urbana a muçulmanos uighures movida por grupos de chineses han, a capital da região setentrional de Xinjiang é uma cidade domada pela lei marcial. É esse o cenário oficial traçado quer pelas estruturas locais do Partido Comunista da China, quer pelas patentes militares e chefias paramilitares destacadas para as operações em Urumqi.
Apesar do aparato de segurança instalado na cidade, centenas de uighures escolheram ignorar as ordens das autoridades e rumar às mesquitas. Foi o caso de um muçulmano identificado como Kaishar. Em declarações à agência Associated Press, o vendedor de automóveis de 23 anos descreveu o descontentamento que sentiu ao esbarrar nos portões fechados da Mesquita Branca: "Não havia razão para fecharem os portões. Eles disseram que era para a nossa segurança, mas na verdade não era necessário. Não vai acontecer nada aqui".
Vinte e três mil mesquitas
Segundo a Associated Press, na Estrada da Libertação, perto da Mesquita Branca, algumas dezenas de homens e mulheres uighures ainda ensaiaram uma pequena marcha, erguendo os punhos contra o clima de medo alimentado pela mão de ferro das autoridades. O protesto durou escassos minutos: polícias equipados com coletes à prova de bala, bastões e armas de atordoamento bloquearam a marcha e obrigaram o grupo a dispersar.
A polícia acabaria por permitir a entrada de crentes na Mesquita Branca, onde a voz de uma mulher uighure acusaria as autoridades de tratarem os muçulmanos da China "como animais". Ali perto, centenas de homens deslocaram-se à Mesquita de Yang Hang para encontrarem os portões despojados de um edital de proibição que ali fora fixado na véspera. Outros espaços de culto frequentados por muçulmanos hui, mais próximos da cultura da etnia han, foram igualmente abertos para silenciar alguns gritos de protesto.
Com um total de 23 mil mesquitas, a região de Xinjiang tem a mais ampla distribuição de locais de oração por número de crentes do Mundo, como salientou à Associated Press o académico Barry Sautman, especialista em política étnica da China na Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong. Um tal rácio, frisou Sautman, torna "impossível controlar um número tão extenso de responsáveis religiosos", mesmo tendo em conta o facto de os imãs fazerem parte das tabelas de assalariados do Governo chinês.
Violência entre etnias
A vaga de violência na capital de Xinjiang foi espoletada no passado domingo, quando grupos de uighures entraram em confronto com a polícia, chamada a controlar manifestações de protesto pelas mortes de operários da etnia muçulmana em escaramuças no Sul do país. A situação depressa escaparia ao controlo dos dispositivos locais de segurança quando multidões de muçulmanos começaram a percorrer Urumqi na peugada de chineses han.
Pelo menos 156 pessoas morreram e mais de 1.100 ficaram feridas nas batalhas urbanas com a polícia, segundo o balanço do Governo chinês - um número a que os uighures no exílio somam três centenas de mortos. Pequim seria forçada a enviar para a cidade dezenas de milhares de soldados e paramilitares, depois de os motins uighures terem dado lugar a acções de vingança por parte de chineses han.
A violência étnica obrigou o Presidente chinês a cancelar a sua participação na cimeira do G8, em L'Aquila, na Itália, assim como uma deslocação a Portugal. Hu Jintao referiu-se aos motins de domingo como "um crime sério, violento e laboriosamente planeado e organizado por três forças internas e no exterior", numa comum alusão tripartida ao extremismo religioso, a movimentos separatistas e a fenómenos de terrorismo.
A "tarefa mais urgente", reconhece Hu Jintao, é salvaguardar a estabilidade de uma região dotada de grandes reservas petrolíferas e responsável pelo maior volume do gás natural produzido na China. A Li Zhi, dirigente do Partido Comunista da China em Urumqi, foi entretanto confiada a tarefa de avisar todos os que "cometeram crimes cruéis" durante os motins para a inevitabilidade da pena de morte.