Nikki Haley. Ex-embaixadora na ONU revela resistência a Trump na Casa Branca

por Graça Andrade Ramos - RTP
A embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, aconselha o Presidente Donald Trump durante uma reunião do Conselho de Segurança em Nova Iorque, em julho de 2018 Reuters

Altos responsáveis da Administração Trump inicial confiavam tão pouco no Presidente que procuravam contornar e subverter várias das suas ordens, "pelo bem do país" e "para salvar vidas", refere a ex-embaixadora dos Estados Unidos da América na ONU. Nikki Haley afirma que tentarem recruta-la para fazer o mesmo, mas que ela recusou, "chocada".

A revelação, que envolve o ex-chefe de gabinete de Donald Trump, John Kelly, e o então secretário de Estado Rex Tillerson, roça acusações de deslealdade e inclui-se no livro de memórias que Haley vai publicar e do qual foram conhecidos alguns excertos esta segunda-feira.

Em With all Due Respect [Com Todo o Respeito] a ex-embaixadora afirma que os dois se reuniram com ela à porta fechada, durante mais de uma hora, para lhe comunicar que estavam a "tentar salvar o país".

"Kelly e Tillerson confidenciaram-me que, quando resistiam ao Presidente, não estavam a ser insubordinados, estavam a tentar salvar o país", escreveu Haley.

"Eram as suas decisões, não as do Presidente, que serviam melhor os interesses da América, disseram". A razão invocada, referiu ainda a ex-embaixadora, era que nenhum dos dois confiava em Donald Trump.

"O Presidente não sabia o que estava a fazer...", escreveu. "Tillerson ainda me disse que a razão que o levava a resistir às decisões do Presidente era que, se não o fizesse, iriam morrer pessoas", acusa também.
"Aterrador"
Os dois homens eram estranhos ao sistema político de Washington, quando foram convidados para os cargos, com grandes elegios, pelo novo Presidente dos Estados Unidos. Tillerson vinha da área empresarial e Kelly era um general aposentado do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA.

Donald Trump nomeou Tillerson em fevereiro de 2017 e Kelly foi empossado em julho seguinte. O editor-princial da CNN, Chris Cillizza, considera por isso aterrador que, de acordo com o que descreve Haley, em poucos meses estes dois homens  tenham decidido pela necessidade de proteger o país das ações do Presidente.

Tillerson foi demitido em março de 2018 e Kelly em dezembro desse mesmo ano. Não se sabe ainda se Nikki Haley teve alguma influência nas decisões, ou se alguma vez revelou ao Presidente a estratégia admitida pelos dois homens.

O ex-secretário de Estado descreveu depois o Presidente como "indisciplinado" e avesso a ler relatórios, ao que Trump respondeu que Tillerson era "estúpido como uma pedra".

Kelly e Trump entraram em colisão quando o primeiro tentou controlar de alguma forma o estilo livre e caótico do Presidente e a operacionalidade da Casa Branca como um todo.
Questionado esta manhã pela CBS, sobre as referências agora feitas por Haley, o ex-chefe de gabinete de Trump encolheu os ombros.

"Se equipar o gabinete com os melhores e mais recetivos elementos, legais e éticos, para ele poder tomar decisões informadas é trabalhar contra Trump, então sou culpado", respondeu Kelly.
"Ofensivo"
Nikki Halley descreveu Tillerson como "cansativo" e autoritário e Kelly como desconfiado do acesso que ela tinha a Trump.

Garantiu ainda que ficou chocada e ofendida com a estratégia dos dois homens.


"Em vez de me dizerem aquilo, deviam tê-lo dito ao Presidente, não pedir-me para me unir a eles nos seus planos alternativos", escreveu a ex-governadora do Estado da Carolina do Sul.

"Devia ter sido, vá dizer ao Presidente aquilo com que não concorda e demita-se se não gostar do que ele está a fazer. Mas sabotar um Presidente é algo verdadeiramente perigoso. E viola a Constituição, e vai contra o que o povo americano quer. E foi ofensivo", remata.

Nikki Haley é considerada por muitos como uma séria candidata republicana às eleições presidenciais de 2024. Durante a sua presença na Casa Branca, tentou minimizar as suas discordâncias com Trump e, ao mesmo tempo, distanciar-se dos seus excessos.

A ex-embaixadora escreve neste livro que apoiou a maior parte das decisões políticas do Presidente que outros tentaram bloquear ou atrasar, incluindo a retirada do Acordo Nuclear com o Irão e o Acordo de Paris sobre o clima, assim como a relocalização da embaixada dos Estados Unidos da América em Israel para Jerusalém.
Jogada política
A reação a Com Todo o Respeito tem sido desfavorável à autora. Os seus detratores referem que foi escrito em apenas um ano, desde que a embaixadora abandonou o cargo nas Nações Unidas, e que, depois de se sentar nas reuniões de gabinete de Trump, ela deveria ter muito mais histórias para contar, sendo que, em vez disso, escolheu calar-se.

O livro é, concluem, uma forma de Nikki Haley se destacar no futuro Partido Republicano, cavalgando aquilo que considera o apoio ao populismo de Trump e devoção ao atual Presidente norte-americano.

Daí o texto sub-reptício, mas perfeitamente claro, sobre a resistência de uma leal seguidora de Trump a uma agenda política obscura, referem ainda.

Estes analistas consideram também que a fama de moderada atribuída a Haley durante o seu período na ONU foi manifestamente exagerada.

Se, por um lado, lembram, ela pareceu colocar-se ao lado das mulheres alegadamente abusadas por Donald Trump, referindo na altura que deviam "ser ouvidas", por outro não deixou de ir trabalhar para um homem que se gaba de avanços sexuais indevidos.

Noutra crítica, apontam a ascendência imigrante de Nikki Haley, para denunciar o seu apoio às políticas anti-imigração do Presidente. Nomeadamente, a separação das famílias na fronteira com o México, que descreveu como necessárias para "a proteção do nosso povo".
pub