O manifesto de Zuckerberg em defesa da globalização

por Andreia Martins - RTP
O criador do Facebook pede às pessoas que "não fiquem sentadas e chateadas" e construam novas "infraestruturas sociais". Stephen Lam - Reuters

Numa dupla investida, o criador do Facebook saiu em defesa da criação de uma “comunidade global” contra as forças das notícias falsas, as bolhas de informação e as opiniões polarizadas que “perturbam a compreensão mútua”. Em entrevista à BBC, mas também numa nota pessoal publicada na rede social, Mark Zuckerberg reflete sobre o futuro de um mundo interligado e da economia mundial.

“Quando criei o Facebook, a missão de ligar o mundo não era controversa”, lembra Zuckerberg, em entrevista à BBC. Para o empreendedor, a rede social, que completa este mês 13 anos, nasceu num momento menos complexo, em que a interligação entre países e comunidades “era uma suposição padronizada que as pessoas tinham, todos os anos as pessoas ficavam cada vez mais conectadas, e parecia ser essa a direção que as coisas estavam a tomar”.

No entanto, as amarras da globalização deixaram comunidades e indivíduos remetidos ao esquecimento, que agora se revoltam severamente contra ela: “Essa visão está a tornar-se cada vez mais controversa”.

“Por todo o mundo, há pessoas que sentem que foram deixadas para trás pela globalização e as rápidas mudanças que ocorreram, e por isso há movimentos que tentam retirar-se da conexão global”. 

Na entrevista à cadeia televisiva britânica, o criador da maior rede social do mundo pede às pessoas que se sentem discriminadas que não se deixem “ficar sentadas e chateadas”, mas que atuem e que construam “infraestruturas sociais”.

 
Zuckerberg já mostrou em ocasiões anteriores o desacordo em relação a Donald Trump, mas escusa-se a criticar o novo Presidente norte-americano na entrevista concedida à BBC, lembrando apenas “muitos dos desafios que enfrentamos na atualidade são totalmente globais: lutar contra as alterações climáticas, acabar com o terrorismo, acabar com pandemias, ou quando uma guerra civil num país resulta numa crise de refugiados em vários continentes”. 

“Estas são questões inerentemente globais que requerem um nível diferente de infraestrutura do que tivemos historicamente”, conclui Zuckerberg. 

Para problemas globais, soluções globais: “Muitas das maiores oportunidades da atualidade decorrem da reunião de pessoas, quer se trate de disseminar a prosperidade e a liberdade, a aceleração da ciência, a promoção da paz e da compreensão”.
Globalização a “funcionar para todos”
Algumas das ideias expressas na entrevista à BBC repetem-se ou são aprofundadas no texto com mais de 5.500 palavras, publicado na quinta-feira à noite na página pessoal de Zuckerberg no Facebook.

“Podemos não ter o poder de criar o mundo que queremos no imediato, mas podemos sempre começar a trabalhar a longo prazo já a partir de hoje. Em tempos como estes, a coisa mais importante que podemos fazer, no Facebook, é desenvolver a infraestrutura social para dar às pessoas o poder de construir uma comunidade global que funcione para todos”, escreveu o criador da rede social. 

O texto não passou ao lado das “notícias falsas”, que tanto têm sido referidas nos últimos meses após a eleição de Donald Trump e na preparação para as várias eleições que se realizam na Europa este ano.

“O rigor da informação é muito importante. Sabemos que há desinformação e até mesmo conteúdo de pura e simples farsa no Facebook e levamos isso muito a sério. Tivemos alguma evolução no combate a embustes, da mesma forma que combatemos o spam, mas temos mais trabalho a fazer. Estamos a agir de forma cautelosa porque nem sempre há uma linha clara entre farsas, sátira e opinião”, lembra o número um da rede social. 

No entanto, este combate à propagação de informações falsas deve ser feito cirurgicamente. “Numa sociedade livre, é importante que as pessoas tenham o poder de partilhar a sua opinião, mesmo que outros pensem que estão errados”, sublinha Zuckerberg no longo texto publicado ontem à noite.

Por isso, a abordagem do Facebook será sempre a de evitar “banir a desinformação”, mas antes incrementar o esforço de fornecer “informação adicional” e novas perspetivas que esbatam as bolhas de “polarização” e construam “um campo de compreensão mútua”. Uma carreira política?
Na entrevista à BBC, que repercute muitas das visões expressas em texto pela nota de Mark Zuckerberg no Facebook, o criador da rede social escusa-se de falar diretamente sobre Donald Trump. isto depois de ter faltado a uma reunião do novo Presidente dos Estados Unidos com líderes na área tecnológica. 

Sobre um eventual encontro com o Presidente no futuro, Zuckerberg prefere não destacar essa questão: “Não quero focar-me nisso. (…) Isso afasta-se do que temos vindo a falar aqui”.

E se a rede social que criou tem sido palco da disseminação de rumores e notícias falsas, sejam elas sobre Donald Trump, Angela Merkel ou Emmanuel Macron, há também especulação sobre uma eventual carreira política do próprio Mark Zuckerberg, desde logo com uma eventual candidatura às presidenciais norte-americanas em 2020. 

Esses rumores foram categoricamente desmentidos por Zuckerberg. Mas Kamal Ahmed, o jornalista da BBC que conduziu a entrevista, viu no manifesto publicado ontem no Facebook um tom político inegável, a defesa declarada de uma visão específica do mundo.

Mas o criador do Facebook garantiu que não pensa nesses termos. “Não estou a pensar nisso (na política) agora, esse não é o plano. A única coisa que realmente me importa, neste momento, é ligar o mundo”.  
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