O mundo em casa

por Filipe Vasconcelos Romão - comentador de Política Internacional da RTP
Filipe Vasconcelos Romão, comentador de Política Internacional da RTP DR

A pandemia domina a política internacional. Com a provável excepção da Coreia do Norte, não haverá um país que não tenha a Covid-19 na primeira página dos seus jornais. A partir de hoje, com a periodicidade possível e sem sair de casa, propomo-nos passar uma vista de olhos pelo que se vai passando por outras paragens.

União Europeia
Pouco a pouco, as instituições europeias começam a reagir e a aprovar medidas concretas para os Estados afrontarem a crise provocada pela pandemia da Covid-19. Porém, há uma clara ausência de sincronia entre os grandes pronunciamentos políticos e a aprovação de medidas em concreto, o que nos deve alertar sobre o futuro.

Enquanto os governos dos grandes Estados (Espanha, Alemanha e França) apresentam planos massivos de despesa pública, os Estados mais pequenos e endividados como Portugal têm uma margem de manobra muito menor.

A médio-prazo, poderemos vir a confrontar-nos com uma irónica realidade: se a crise for menos expressiva do que nos dizem as previsões mais pessimistas e se não atingir de forma especialmente violenta a economia alemã, um comportamento mais voluntarioso (despesista) poderá lançar os pequenos países numa nova crise de dívida soberana, num contexto muito pior. A memória é curta e a solidariedade entre Estados tende a atenuar-se com as assimetrias.
Estados Unidos
A pandemia avança a passos largos nos Estados Unidos, tendo sufocados as primárias democratas e colocado o presidente ainda mais no centro do debate político. O país vai reagindo a várias velocidades, perante a relutância de Donald Trump em centralizar a resposta à crise.

Um gigantesco pacote financeiro de apoio à economia ainda não foi aprovado pelo Congresso, o que demonstra que nem a Covid-19 reverteu a enorme polarização que corrói a política norte-americana desde o final dos ano 90.

A popularidade de Trump, ao contrário do que se poderia pensar, não caiu e várias sondagens indicam que a maior parte da opinião pública considera adequada a sua resposta ao problema. Veremos se estes valores se mantêm num momento em que o número de doentes parece estar a escalar e em que as carências do sistema de saúde se poderão tornar mais evidentes.
Brasil
Os últimos dias foram de conflito aberto entre Jair Bolsonaro e os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro. Bolsonaro continua a desvalorizar os efeitos do novo coronavírus e reverteu o encerramento de estradas e aeroportos decretados no primeiro e no terceiro estados mais populosos do país.

Ironicamente, o paulista Eduardo Doria foi um dos mais entusiastas militantes do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) da candidatura de Bolsonaro; e Wilson Witzel, antigo juiz, chegou ao poder no Rio com um programa radical a reboque da onda eleitoral provocada pelo actual presidente.

Entretanto, o debilitado Sistema Único de Saúde (SUS) começa a sentir o afluxo de pacientes e ameaça colapsar, o que irá afectar sobretudo as largas camadas da população que não têm recursos para contratar um seguro privado. O Brasil e o México são agora as grandes excepções numa América Latina cujos governos têm vindo a declarar quarentenas generalizadas.
Hungria
Em linha com outras declarações de Estado de emergência, o incombustível primeiro-ministro Victor Orban (no poder desde 2010) pretende que o parlamento aprove legislação que lhe permita governar por decreto, suspender leis e encerrar o parlamento. A proposta foi chumbada ontem (eram necessários quatro quintos dos deputados), mas poderá vir a ser aprovada na semana que vem por uma maioria de dois terços.

Mais uma vez, a União Europeia, habitualmente tão rigorosa no que respeita à política orçamental, optou por meias-palavras numa demonstração de tolerância em relação aos que pretendem pôr em causa direitos fundamentais.
Israel
Em Israel, Yuli Edelstein, presidente do Kneset (parlamento), recusa-se a convocar a sessão que poderia conduzir à sua substituição sob pretexto de não querer violar as normas em vigor que limitam reuniões de mais de dez pessoas.

O país encaminha-se para um confronto institucional, com o Supremo Tribunal a exigir a abertura do parlamento. Sendo Edelstein um aliado de Benjamin Netanyahu e havendo sinais de que este poderá já não contar com maioria parlamentar, a resistência parece ir ao encontro dos interesses do primeiro-ministro.

O arranque da nova legislatura permitirá confirmar se o líder da oposição, Benny Gantz, consegue substituir Netanyahu com uma heterogénea base de apoio que inclui deputados da lista árabe e do partido de direita do antigo ministro Avigdor Lieberman.

Nota: o autor escreve respeitando a ortografia pré-acordo ortográfico.
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