O mundo em casa

por Filipe Vasconcelos Romão, comentador de Política Internacional da RTP
Filipe Vasconcelos Romão, comentador de Política Internacional da RTP DR

Em 2004, Durão Barroso abandonou o lugar de primeiro-ministro tentando convencer os portugueses de que a sua candidatura a presidente da Comissão Europeia era uma espécie de desígnio nacional e que a sua presença na chefia do governo da União poderia beneficiar o país.

No primeiro mandato (2004-2009), a presença de Barroso não se fez notar muito além do bom entendimento com José Sócrates na gestão do processo do Tratado de Lisboa. A partir de 2010, a crise das dívidas soberanas monopoliza a política europeia e a Comissão deixa definitivamente de ter iniciativa política, limitando-se à função de notário das decisões dos Estados.

Esses são anos de intergovernamentalismo, com o Conselho Europeu, o ECOFIN e o Eurogrupo, directa ou indirectamente capitaneados pela Alemanha, a assumir a liderança dos processos económico e político e a ofuscar totalmente as instituições supranacionais.

Quando a recuperação se começa a desenhar, é Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, que mais se faz ouvir na contestação à hegemonia alemã. A sua insistência permite lançar, em 2015, o programa de compra de títulos da dívida pelo BCE, fundamental para a diminuição das taxas de juro dos países periféricos.

António Costa não se cansa, por estes dias, de repetir que esta crise tem uma natureza diferente da anterior. A hecatombe económica em curso é muito maior do que a de 2008/2010 e o primeiro-ministro parece referir-se à responsabilidade dos Estados nas consequências que esta conjuntura terá para as respectivas finanças públicas.

Com efeito, cabe à União Europeia evitar que a crise económica degenere numa nova crise das dívidas soberanas. O projecto europeu não tem resistência para uma segunda vaga de austeridade e precisa de mostrar que é algo mais do que uma união monetária.

A presidente da Comissão Europeia já compreendeu que a continuidade da União depende do tipo de resposta que der. Ursula von der Leyen está a fazer o que Durão Barroso nunca quis fazer, envolvendo-se directamente na gestão política do processo. A Comissão está a tentar funcionar como ponte entre o Norte e o Sul e pretende assumir a liderança de um grande plano de recuperação económica que inclua recursos a fundo perdido (subsídios) e mecanismos de crédito sem condicionalidade política.

Caso esta estratégia vingue, poderemos estar perante um importante ganho de poder de uma instituição que, desde meados dos anos 90, tem vindo a perder protagonismo e que se transformou numa estrutura burocrática e sem chama política. Se a tentativa se frustrar, regressamos à dinâmica intergovernamental e a União será, cada vez mais, um projecto a prazo.
Sugestão
Nos anos 60 e 70 do século passado, o continente africano foi um dos campos de peojecção da política externa soviética. O colapso do regime obrigou a uma retracção de Moscovo, mas Putin tem-se esforçado por recuperar uma parte desse protagonismo. Paul Stronski, num paper para o Carnagie Endowment analisa o regresso da Rússia a África.
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