O que deve mudar na União Europeia depois de ultrapassada a crise sanitária da Covid-19?

por Andrea Neves, correspondente da Antena 1 em Bruxelas
François Lenoir - Reuters

A crise criada pela Covid-19 vai deixar marcas. E algumas difíceis de ultrapassar no curto prazo. As divisões na União sobre a forma de as enfrentar, sobretudo a nível económico, têm cimentado a ideia de que é preciso tirar lições desta situação e mudar. Preparar de forma mais resiliente novas crises.

Afinal o que deveria mudar na Europa? O que deve ser imprescindível manter? São as perguntas que fizemos aos partidos políticos com representação europeia.

Eis as respostas.

Pedro Siva Pereira – PS

O eurodeputado eleito pelo PS considera que a União Económica e Monetária é essencial e concluí-la deve ser também uma prioridade.

“O que a Europa devia aprender é aquilo que já deveria ter aprendido na crise anterior: a construção da Moeda Única e da União Económica e Monetária é uma obra inacabada. E enquanto for uma obra inacabada os Estados estão muito desprotegidos para poder responder a choques financeiros”.

Pedro Silva Pereira insiste na necessidade de uma politica monetária comum.

“Normalmente quando os Estados têm a sua moeda o que fazem é desvalorizá-la em situação de crise para ganharem competitividade externa nas suas exportações e poderem alavancar o crescimento. Sem politica monetária própria é preciso que exista à escala europeia um instrumento qualquer de proteção das economias em caso de choque. Isto significa, portanto, forma de mutualização da dívida pública, significa uma capacidade orçamental própria do orçamento europeu, para responder às situações de crise e essa capacidade orçamental não existe”.

O vice-presidente do Parlamento Europeu diz que estas questões ficaram muito claras na última crise financeira mas que, no entanto, os passos que foram dados foram muito escassos.

“Há poucos consensos tão generalizados sobre aquilo que é preciso fazer como sobre a agenda para a conclusão da união bancária e não o fizemos”.

Pedro Silva Pereira conclui: “O que precisamos é de reforçar os instrumentos para vivermos em conjunto num espaço que tem uma moeda única e que portanto precisa de ter instituições e orçamentos suficientemente robustos”.

José Manuel Fernandes – PSD


O eurodeputado eleito pelo PSD diz que esta crise não pode ser vencida por nenhum país de forma isolada e que há questões em que só a solidariedade pode realmente funcionar.

"É preciso aceitar que há desafios que são comuns que só os vencemos se atuarmos de forma conjunta. Ninguém vai vencer o desafio do terrorismo se não partilharmos informação e ninguém vai vencer a questão da saúde pública se não atuarmos de forma articulada, ninguém vai lutar contra as alterações climáticas se não agirmos em conjunto".

E José Manuel Fernandes deixa uma pergunta: “Nós temos soberania europeia no que se refere aos equipamentos de que precisamos? Nós para termos ventiladores, máscaras e luvas a quem é que fazemos as compras? E depois há aqueles que pensam que nós só devemos ter soberania nacional e fecharmo-nos sobre nós próprios quando não percebem que só podemos ter uma soberania nacional forte se tivermos uma soberania europeia muito forte”.

O eurodeputado do PSD recorda que a Europa não tem sequer soberania alimentar e também precisava de ser independente em termos de energia e conclui que “estes desafios comuns, no futuro, têm mesmo que ser partilhados por todos”.

José Manuel Fernandes recorda que muitos pedem à União Europeia que intervenha onde e como não pode.

“Nós criticamos a União Europeia em matéria de saúde, mas de quem é a competência? É nacional. Exigimos à União Europeia competências que ela não tem e que são um refúgio para os mais egoístas dizerem, depois, que isso não é uma competência da União Europeia e cada um deve fazer o seu trabalho. O segredo aqui está na partilha”.

Marisa Matias – BE


Para a deputado do Bloco de Esquerda considera que há competências que não devem ser atribuídas à União Europeia. A saúde é uma delas.

"Eu acho muito bem que a saúde esteja entregue a cada um dos países. Porque se houvesse normas comuns a nível europeu no que se refere à saúde provavelmente o nosso serviço nacional de saúde não era tão bom como é agora, se tivesse que seguir imposições como tem havido noutros sectores da nossa economia".

Marisa Matias considera que tem que haver uma alteração profunda nos tratados porque considera “andamos de crise em crise aperceber que estes trados não funcionam e continua a insistir-se neles”.

Para a eurodeputada do bloco é preciso também mudar as regras orçamentais.

“Porque por muita flexibilidade que seja introduza, nalgum momento específico, serão sempre as pessoas a pagar essa flexibilidade mais tarde quanto não se mudam as regras orçamentais, E não se pode pedir aos países que gastem menos em crise. Porque o que se pede aos países é que invistam tudo na saúde para salvar vidas, que invistam tudo para proteger o emprego, para garantir que se enfrentar as crises com alguma igualdade entre todos ou pelo para tentar minimizar as desigualdades existes e que nas crises são mais evidentes”.

Marisa Matias refere que não se pode esperar que os Eatsdos avancem com respostas necessárias e urgentes e depois tenham que cumprir regras orçamentais que os obrigam a aplicar medidas de austeridade.

“porque senão o que estamos a fazer é andar de crise em crise com a amarras orçamentais e regras muitas pesadas. É preciso que se encontrem possibilidades nos tratados, por muito limitados que sejam, e mudá-los definitivamente porque estamos a aprofundar o projeto europeu com teimosias e burocracias que não respondem às necessidades das pessoas.”

João Ferreira – PCP


O eurodeputado do PCP considera que é fundamental que se cancele e suspenda toda a legislação que está a impedir a intervenção do Estado no paio à economia.

"E depois precisamos de garantir respostas que se adequem com essas necessidades. É preciso que o Banco central Europeu possa finalmente, e contrariando o que tem sido a prática, financiar os estados sem intermediação do sistema financeiro. Neste momento essa intermediação retira recursos que seriam mais úteis se os estados dela pudessem beneficiar e acaba por colocar os estados sob pressão de mercados financeiros”.

João Ferreira considera que era ainda fundamental “anular do balanço BCE toda a dívida emitida pelos estados e na posse do Banco durante este período de resposta às consequências da pandemia”.

O eurodeputado do PCP defende a renegociação da dívida e considera que há uma necessidade que se impõe, no plano nacional, mas com consequências no plano europeu.

“Nós sabemos que existem contradições na União Europeia, que não são de agora e já foram visíveis na crise de 2008, que impedem qualquer resposta baseada numa genuína solidariedade. Portugal e os portugueses não podem ficar reféns destes impasses e destas contradições. porque isso
significaria não dar resposta às necessidades do país".

E por isso o eurodeputado defende que Portugal, independentemente das decisões e negociações ao nível europeu, tem que perceber “algo que o PCP há muito tem vindo a dizer: um país desprovido de soberania económica monetária, empurrado para chantagem dos mercados financeiros ou de instituições europeias que nos impõe condicionalidades do tipo troika, um estado nestas condições enfrentará sempre dificuldades acrescidas para defender o que tem de defender”.

E se assim é, diz, João Ferreira, “temos que encarar a finalmente a necessidade de recuperar imprescindíveis instrumentos de soberania económica e monetária até co a capacidade de o Banco Central Nacional se poder assumir como financiador de último recurso das necessidades do Estado”.

Nuno Melo – CDS-PP

O eurodeputado do CDS-PP espera que esta crise global faça com que todo o mundo possa refletir.

“Nós próprios, na nossa vivência diária, em família, com os outros, politicamente, tudo tem que mudar. Mesmo a perspetiva ambiental. Percebemos agora que com poucas semanas de paragem ou arrefecimento da economia tudo se está alterar e rapidamente. No que tem que ver com o ambiente percebemos que uma afirmação decidida da humanidade pode, num mais curto espaço de tempo, resolver problemas que são globais mais do que se previa em muitos estudos científicos”.

Nuno Melo considera que para a União Europeia é mesmo essencial mudar.

“A União Europeia viveu o Brexit que se traduz na primeira cissão neste projeto comum que se foi alargando até aos 28 e o coronavírus pode ser mais um prego no caixão se por exemplo, italianos entre outros, espanhóis e franceses também, não sentirem uma resposta global”.

O eurodeputado considera que se as pessoas não sentirem uma resposta global vão querer outra União Europeia e essa outra União Europeia pode passar por mais saídas”.

Nuno Melo considera que os Coronabonds podem ser essa resposta como uma afirmação decisiva da União.

“Temos aqui uma oportunidade e espero que depois da saúde salvaguardemos e salvemos a economia e as finanças públicas. Porque este é um projeto que é de todos. A minha geração já viveu o fim do império, o 25 de Abril, o PREC, o 25 de Novembro e a entrada da União Europeia. Temos vindo a verificar como ano após ano Portugal tem ganho sempre, e como o destino europeu nos trouxe tantas vantagens. O fim deste projeto era uma tragédia para países com economias mais débeis como Portugal”.

Francisco Guerreiro – PAN


O eurodeputado considera que a nível ecológico há estratégias que não podem ser postas de lado.

“Por exemplo a estratégia europeia para a biodiversidade que vai ser apresentada brevemente, a estratégia farm to fork [do prado ao prato], não podemos deixar que a politica agrícola comum seja reduzida a meros instrumentos de financiamento de um modelo agrícola que não está adaptado às necessidades que temos, porque ainda estamos dependentes do estrangeiro na importação de bens".

O eurodeputado considera que é essencial decentralizar a produção e trabalhar para que os mecanismos de distribuição sejam mais diretos.

“Isto para garantirmos que numa futura pandemia, e está estudado que há uma grande probabilidade de estes fenómenos acontecerem outra vez, nós estarmos mais e melhor preparados”
.

Por isso, defende Francisco Guerreiro, "a Europa deve fomentar a produção e distribuição de emergia impa e emprego verde que pode retirar muitas pessoas de industrias hoje moribundas o que podem ser muito atingidas. Também se deve pensar em formas de turismo mais sustentáveis. Por exemplo Portugal é um país que vai ser muito atingido porque tem uma grande percentagem do seu PIB que deriva de fontes direta ou indiretamente ligadas ao turismo e este modelo que tem sido promovido mostra a fragilidade do mesmo. Precisamos de turismo mais sustentável com maior valor acrescido e com respeito pela biodiversidade”.
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