Pandemia como "oportunidade única" para o mundo reverter crise climática, diz estudo

por RTP
Charles Platiau - Reuters

Se por um lado a covid-19 parou as sociedades e destruiu a economia, por outro foi uma "oportunidade de ouro" para o mundo tentar reverter, ou pelo menos minimizar a crise climática. Mas segundo especialistas, estamos a desperdiçar talvez a única chance de combater as alterações climáticas e construir um planeta mais verde.

Nos primeiros meses da pandemia, após parte do mundo ter ficado em confinamento e a maioria das atividades económicas e industriais terem sido forçadas a parar, os dados revelavam que a poluição tinha diminuído, as emissões de gases de estufa estavam a um nível muito baixo e que o planeta estava menos poluído.

Segundo alguns especialistas, a covid-19 pode ter sido o momento decisivo no combate às alterações climáticas e uma oportunidade para os líderes mundiais salvarem o meio ambiente e impulsionarem o planeta em direção a um futuro mais verde.

Mas um estudo preliminar, divulgado esta terça-feira na CNN, revela que estamos provavelmente a perder a única oportunidade que temos para salvar o meio ambiente e abrandar o aumento da temperatura global.

Não há dúvidas de que a pandemia teve um grave impacto a nível social e sanitário, mas as consequências maiores terão sido a nível económico. A maioria dos governos viu-se obrigado a maiores investimentos para um esforço de recuperação nos últimos meses.

Mas, segundo a publicação, alguns dos maiores países produtores de combustiveis fósseis estão a usar investimentos públicos para sustentar algumas indústrias poluentes e, em consequência, a potenciar uma "catástrofe climática".

"Esta é a única oportunidade que temos", disse à CNN o professor Niklas Höhne, sócio fundador do NewClimate Institute, um grupo de reflexão sobre o clima, e coautor do estudo do Climate Action Tracker.

Neste momento, "grandes quantidades de dinheiro estão a ser gastas", disse Hohne, recordando que "uma oportunidade semelhante de investir tanto dinheiro dos orçamentos governamentais não surgirá nos próximos 10 ou 20 anos".
Declínio das emissões, mas não o suficiente
Embora as emissões globais de gases de efeito de estufa tenham diminuído devido ao confinamento imposto para mitigar a propagação do novo coronavírus e que, considerando a atual crise económica, se espere que as emissões futuras sejam ligeiramente menores, a investigação revela que o mundo está muito aquém das suas metas para limitar o aquecimento global a menos de dois graus Celsius.

De acordo com os dados disponibilizados, este recente declínio das emissões poluentes não terá grande impacto nas alterações climáticas a longo prazo, uma vez que as emissões continuam a ser superiores aos limites estabelecidos para cada país.

"A desaceleração económica reduz temporariamente as emissões, por isso é uma questão de saber quanto tempo vai durar, visto que ainda estamos no meio da pandemia. A diferença real a longo prazo pode vir dos pacotes de recuperação económica pós-pandemia e como integram as questões sobre o carbono no futuro. É muito cedo para prever seu efeito, mas parece haver uma tendência preocupante para países protegerem as indústrias de combustíveis fósseis", disse o autor do estudo.

A Organização das Nações Unidas apela, desde há muito, a que se elimine gradualmente os combustíveis fósseis para impedir uma crise climática catastrófica. No entanto, não será uma tarefa fácil, uma vez que praticamente todas as sociedades dependem de combustíveis fósseis para produzir energia, empregos e meios de subsistência.
Governos investem em combustíveis fósseis para recuperar economia

Longe de conseguirem alcançar a maioria das metas para mitigar a alterações climáticas e limitar o aquecimento global, alguns países pretendem recuperar a economia nacional, ainda a enfrentar a pandemia, investindo na produção de combustíveis fósseis.

A Polónia, por exemplo, investiu 35 milhões de dólares para comprar carvão, com o objetivo de aliviar e recuperar uma indústria "abalada pela pandemia". De acordo com a Agência Internacional de Energia, 80 por cento da energia interna da Polónia vem do carvão. No entanto, são já muitas as petições contra o investimento neste tipo de industria no país.

Recorde-se que, queimar carvão emite quase duas vezes mais dióxido de carbono do que queimar gás natural para produzir a mesma quantidade de energia, de acordo com a Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos.
"Para limitar mais o aquecimento, o mundo precisa de fazer uma transição rápida para longe dos combustíveis fósseis", alerta a investigação.
No Canadá, a província de Alberta está a investir 1,1 mil milhões de dólares num novo oleoduto, considerado "essencial" para a recuperação económica do país. Esta província é, contudo, das regiões do planeta mais afetadas pelo aquecimento global, tendo as suas temperatura médias aumentado mais nos últimos anos do que as da Sibéria ou as da Gronelândia.

Também em Queensland, na Austrália, está a ser construída uma nova mina de carvão para ajudar o Estado a "recuperar dos impactos da Covid-19". E na Índia, o governo está a abrir e a conceder dezenas de minas de carvão ao setor privado para "transformar a crise da Covid-19 numa oportunidade".

O Climate Action Tracker calculou os números de cada país, com base nas circunstâncias económicas e históricas de cada nação e apoiado pela literatura científica. A fim de contribuir com a sua parte justa para os esforços globais, a União Europeia, por exemplo, deve ter como objetivo reduzir as suas emissões em cerca de 65 por cento em comparação com os níveis de 1990 até 2030.

"É insuficiente porque foi baseado na situação que se vivia há 10 anos atrás", disse o professor Niklas Höhne. "As emissões nos últimos dez anos aumentaram muito mais do que pensávamos naquele momento. E temos a nova meta do Acordo de Paris".

Sabe-se que estas indústrias são o sustento de muitas populações, mas a população mundial precisa que sejam eliminadas de vez para garantir não só um planeta mais verde como a sua própria sobrevivência na Terra.


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